"Nope" | © Cinemundo

Nope, primeiras impressões

Sem spoilers ou muitos detalhes de enredo, vamos explorar o novo filme de Jordan Peele. “Nope” é um fascinante exercício sobre espetáculos e espetacularidade, que muito entretém e assusta.

Depois de fazer nome no mundo da comédia, Jordan Peele estreou-se como realizador no género do terror. “Foge” valeu-lhe um Óscar pelo argumento, texto rico em simbolismo que ataca o status quo de uma América racista onde preceitos liberais muitas vezes escondem o preconceito enraizado ao longo de gerações. A esse triunfo seguiu-se outro, tão denso em simbolismo sociopolítico, mas mais difícil de decifrar. Não obstante o desafio, muitos foram aqueles que descodificaram os significados obscuros de “Nós,” perscrutando o pesadelo cinematográfico em busca de uma tese com valor além do entretenimento bruto.

nope critica primeiras impressoes
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Como sempre, o sucesso cria expetativas. Contudo, no caso de Jordan Peele, as expetativas não se cingem ao triunfo do seu cinema de terror enquanto cinema de terror. As audiências esfaimadas também desejam um puzzle para resolver, outra tapeçaria de simbologia pop para desfiar e alguma lição moral por entre os sustos que despertam picos de adrenalina. Essa pressão manifesta-se em “Nope,” uma obra que é tanto sobre esse fardo do entretenimento profundo como é um exercício em suspense sobrenatural elevado a proporções operáticas. Não que, verdade seja dita, a fita aparente essas vertentes no seu primeiro ato.

“Nope” desenrola os seus capítulos iniciais em soluços de género e tom, tropeçando de registo em registo numa aparente tentativa de recapturar aquilo que tanto resultou em “Foge.” Só que a repetição pesa sobre o projeto e os trejeitos de cineasta pregador levam à incoerência e à contradição. Está Peele a criticar aqueles que querem só espetáculo desnudo de tema, ou quem procura entretenimento no sofrimento do outro, na violência? Assim o filme vagueia, focando muita da sua massa temática numa figura que, a uma primeira análise, somente existe como barómetro ideológico ou, quiçá, como lembrança de traumas passados.

Não é bem uma personagem, mas sim uma reflexão em forma de homem. Mas, então, algo maravilhoso acontece, e essa figura assume-se enquanto espelho do próprio filme. Num abrir e fechar de olhos, é como se Peele confrontasse a pressão dos seus fãs e olha-se nos olhos de um espetáculo que existe por si mesmo e não em lugar de alguma ideia rarefeita. Querer encontrar algo mais profundo na violência pode ser um erro mortal, um gesto de arrogância que traça um caminho direto para a tragédia. Durante meia hora no meio de “Nope,” Peele esfrega-nos a cara no píncaro do medo em celuloide, humanidade face a algo monstruosamente simples.

O discurso concetual que corre por entre a narrativa nem sempre coere, mas possibilita algumas das sequências mais empolgantes do ano. Fazem-se apelos à imagética da história do cinema, agora explodida num exagero visceral que tanto aterroriza como excita. A ficção-científica clássica e o western ancestral servem de pedras basilares, propulsionando visões extraordinárias cuja gigantesca dimensão é parte do jogo formalista. Aliás, o próprio ato de filmar se torna numa questão central da história, câmaras analógicas rodando freneticamente na tentativa de capturar o impossível para a posteridade.

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No meio de tudo isto, fica a questão: “Nope” equipara-se aos outros sucessos de Peele? Estaríamos a mentir se não descrevêssemos este novo filme como a produção menos bem-sucedida do autor de terror. O argumento está cheio de ideias fascinantes, mas nem sempre as articula da melhor maneira e as tensões entre a busca de significado e a repudiação do mesmo confundem. Às vezes, parece que “Nope” está a lutar consigo próprio. As personagens também pecam nessas medidas, mas os atores conseguem todos elevar o que está no papel. Daniel Kaluuya e Keke Palmer merecem especiais aplausos, um ator minimalista e uma estrela maximalista aqui reunidos em combinação explosiva. Diríamos, contudo, que as vedetas do filme são os artistas dos bastidores, aqueles que criam sons arrepiantes e imagens épicas. Há que ver para crer.

“Nope” estreia na quinta-feira, dia 18 de agosto. Não percas a terceira longa-metragem de Jordan Peele, este mestre do terror moderno. Se conseguires, tenta ver o filme em IMAX, pois suas imagens e sons merecem a grandiosidade do formato

Nope, em análise
Jordan Peele Nope Poster

Movie title: Nope

Date published: 14 de August de 2022

Director(s): Jordan Peele

Actor(s): Daniel Kaluuya, Keke Palmer, Brandon Perea, Steven Yeun, Michael Wincott, Keith David

Genre: Terror, Mistério, Ficção-Científica, 2022, 130 min

  • Cláudio Alves - 72
  • Emanuel Candeias - 70
71

CONCLUSÃO:

Entre simbolismo pop e píncaros de terror puro, “Nope” é o terceiro triunfo de Jordan Peele. Contudo, fica aquém das primeiras duas longas-metragens do realizador. O texto trai o exercício, mas o estilo formalista ofusca as maiores fragilidades. Meia-hora aí no meio do filme representa o melhor de Peele enquanto criador de emoções fortes, entretenimento sangrento e medo cristalizado em celuloide.

O MELHOR: A rendição ao espetáculo puro, à violência básica de um animal feroz ao invés de um puzzle sinistro.

O PIOR: As contradições patentes no texto.

CA

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