NOS Alive 2019 (foto de José Fernandes)

NOS Alive 2019 | A festa mudou-se para o Palco Sagres

Sendo os Vampire Weekend os verdadeiros cabeça-de-cartaz do segundo dia do NOS Alive, a festa foi feita no Palco Sagres, com um pulo ao palco principal para Primal Scream.

Numa tarde mais ventosa que a antecedente, porém igualmente ardente, dispersos grupos de jovens buscam por um convidativo lar que os acolha, preferencialmente sonorizado por música contagiante e fácil de escutar, ideal para o encetamento de um novo, irremediavelmente exaustivo dia de NOS Alive. Uma das opções mais apelativas parece tomar lugar no Palco Sagres, onde quatro companheiros desconhecidos, de aparência despreocupada, cabelos claros e envergando vestimentas casuais, empunham, de modo confiante, os respectivos instrumentos, dialogando ocasionalmente entre si e trocando sorrisos. Uma das funções cruciais de um festival de música deve ser a de dar a conhecer promissores artistas ao público, estimulando a posterior investigação e consequente envolvência. Observando o aglomerado de curiosas pessoas que se vai juntando ao pé da grade do Palco Sagres, assumiríamos que este papel do evento se encontra a ser cumprido com êxito. O foco da audiência situa-se, momentaneamente, nos Pip Blom, quarteto originário de Amesterdão, e esta é a sua chance de brilhar (ou de, pelo menos, ser capaz de entreter o público festivaleiro neste início de tarde).

NOS Alive: Pip Blom © Hugo Macedo

PIP BLOM PRIORIZAM O BEM-ESTAR NA INAUGURAÇÃO DO PALCO SAGRES

(Reportagem de Diogo Álvares Pereira)

Chefiada pela buliçosa Pip Blom, a banda tem, assumidamente, como objectivo principal o de se divertir enquanto toca, ao mesmo tempo que gozam da muito disputada oportunidade de marcar presença num dos mais respeitados festivais de Verão do Velho Continente. O rock dos Pip Blom, fundamentado em motivos de guitarra contagiantes e impetuosos, melodias grunge e percussão motorik descobre, certamente, uma das suas maiores inspirações na sonoridade power-pop dos The Breeders, banda liderada por Kim Deal, célebre baixista dos Pixies, e a irmã Kelley Deal. Assim como as gémeas norte-americanas, também Pip e o seu irmão Tender Blom “dividem o microfone” durante as canções, gerando dinâmicas cativantes e harmonias vocais que acentuam o forte senso de união e fraternização representativos do quarteto holandês. Pulamos e dançamos juntamente com os jocosos membros da banda, rejubilamos com o clima de bem-estar que paira, intensamente, no ar e, por fim, despedimo-nos dos Pip Blom com uma devida salva de palmas ao som de “Daddy Issues“, uma canção que aborda o doentio enamoramento da nossa sociedade por cenários utópicos, motivando um ciclo de auto-decepção, e o maior êxito do grupo até ao momento. Os Pip Blom são, indubitavelmente, uma banda para manter debaixo de olho, assim como o actual mercado da música alternativa holandesa, simultaneamente vanguardista e revivalista.

NOS Alive: Primal Scream © João Silva

“LOADED” DESPERTA O “GIGANTE ADORMECIDO” NO CONCERTO DOS PRIMAL SCREAM

(Reportagem de Diogo Álvares Pereira)

Após o surpreendentemente excepcional concerto concebido pelos cabeças-de-cartaz The Cure durante o primeiro dia da edição de 2019 do NOS Alive, partimos, uma vez mais, para o Palco NOS, na esperança de que os escoceses Primal Scream, banda integrante do alinhamento do segundo dia do festival e, também eles, veteranos da música alternativa e ícones do Madchester (notável movimento cultural oriundo da cidade de Manchester, definido por bandas que decidiram combinar as características tradicionais do rock alternativo com géneros como acid house e psicadélica) possam dar um espectáculo que, no mínimo, dignifique a respeitável e musicalmente variada discografia construída ao longo de três décadas, composta por criativamente e tecnicamente aprimorados álbuns de estúdio como Screamadelica (1991) e Give Out But Don’t Give Up (1994), trabalhos tão influentes quanto perenais.

Bobby Gillespie, o eterno rosto dos Primal Scream e ex-baterista dos The Jesus & Mary Chain, sobe ao palco principal do NOS Alive, vestindo um sofisticado fato cor-de-rosa, repleto de boa disposição, energia positiva e vontade assumida de “partir chão” (ninguém diria que se aproxima da casa dos sessenta). Entra a matar com a perigosamente tóxica, impulsionada pelo inconfundível rasgo de gospel e fluidez dos teclados, “Movin’ On Up”, seguindo-se “Jailbird”, canção nitidamente influenciada pelo rock clássico da década de setenta, ambas brilhantemente tocadas pela banda. Todavia, o grau de comprometimento físico e psíquico da audiência possui um papel fulcral num concerto como este, na sua essência enquanto “obra-de-arte” autónoma, na absorção sensorial e consecutiva exteriorização. Por esta mesma razão, a extensa área de relva alcatifada deixada ao relento e a desapontante, inerte moldura humana que encara o Palco NOS revelam-se como indícios terríveis de um espectáculo que poderá ficar a “meio-gás”, não por culpa da banda, que demonstra extrema competência naquilo que faz e engajamento em proporcionar um concerto aprazível ao público.

Bobby Gillespie puxa, incessantemente, pelo grupo de fãs maioritariamente graúdos, agitando as mãos no ar, proferindo expressões de puro amor e liberdade mental, a sua entoação sempre prazenteira, alucinogenicamente relaxante. Na segunda metade do concerto, escutamos, finalmente, “Loaded“. “We wanna be free, we wanna be free to do what we wanna do. And we wanna get loaded. And we wanna have a good time. And that’s what we’re gonna do. We’re gonna have a good time. We’re gonna have a party!”. A tão afamada sample desperta o “gigante adormecido” na plateia. Indivíduos contorcem-se ao som das maracas, perdendo-se num bizarro bailado abstracto (possivelmente) alimentado a “selos”. Já não comandam o corpo, sendo que este persegue, autoritariamente, o groove da canção. A inevitável epidemia causada pela performance do glorioso hino prossegue para “Rocks“, a última canção do alinhamento. O público pula sincronizadamente, braços bem no alto. Os Primal Scream terminam, deste modo, o concerto, abandonando o palco debaixo de uma audível, sentida salva de palmas. Se as onze canções que compuseram o alinhamento foram executadas não só com precisão técnica, como com enorme gosto e brio, o espectáculo integral suplicou por um contexto distinto, mais íntimo: o Palco Sagres, um concerto em nome próprio, a pista de dança do (encerrado desde 1997) The Haçienda.

NOS Alive: Johnny Marr © Hugo Macedo

JOHNNY MARR VAI ALÉM DA ODE À NOSTALGIA NO PALCO SAGRES

(Reportagem de Margarida Ribeiro)

Johnny Marr sobe ao Palco Sagres com uma posição de ícone que qualquer ex-integrante de The Smiths teria todo o direito de assumir até para fazer uma caminhada banal pelo seu próprio bairro. No entanto, Marr fá-lo para dar um dos concertos mais marcantes do dia. Abre com “The Tracers” e se logo com a grande entrada tinha o público na mão, então com os primeiros acordes de “Bigmouth Strikes Again” tem-lo a seus pés. Tendo sido o responsável pela harmonização das músicas de The Smiths, enquanto Morrissey tinha a seu cargo as letras, não é de admirar que carregue consigo a sonoridade que identifica uma das maiores bandas dos anos 80. Em 2018 lançou o seu terceiro álbum a solo, “Call the Comet”, e é a propósito do mesmo que vem ao NOS Alive.

Johnny Marr faz jus ao seu nome e experiência com um alinhamento composto por músicas a solo intercaladas com revisitares de músicas de The Smiths e Electronic. Nem é necessário finalizar a primeira sequência melódica ou a progressão que inicia a faixa, toda a plateia já canta e entoa lisonjeada por estar perante um ícone musical como este. Tem os festivaleiros do seu lado, superando-o em termos de intensidade sonora, cantando as suas e as músicas de The Smiths (sendo maior o vigor neste último caso). A multidão, repetindo sem cessar os versos de “How Soon Is Now?”, é também humildemente encarregue de assegurar as melodias vocais de “There Is a Light That Never Goes Out”. O público acompanha Marr a cada som produzido. Acabando em grande, este resultou num concerto que foi para além de uma ode à nostalgia. Não se tratou de manter uma tradição ligada às máquinas lutando a custo pela sobrevivência, foi antes um revisitar de clássicos, uma partilha geracional com aqueles que queriam ouvir para além do seu próprio reprodutor de faixas audio a entoar músicas icásticas.

“I am the son and heir” (e dada aqui por terminada a citação por questões de potência textual), no, Marr, you are the father of all this.

NOS Alive: Tash Sultana © Hugo Macedo

TASH SULTANA TROCA AS PALAVRAS PELA COMUNICAÇÃO CORPORAL E MULTI-INSTRUMENTAL

(Reportagem de Margarida Ribeiro)

Johnny Marr abandona o palco deixando uma plateia que pede por mais, que se abraça partilhando o momento que houvera vivido. Apesar disso, uma vez entendido que nestes contextos o espaço para encores expontâneos é inexistente, o público renova-se: os elementos da audiência que são da mesma geração que The Smiths e os jovens envergando um normcore baseado em lojas de roupa em segunda mão procura agora outros palcos. Entretanto uma vaga de nova gente assume a plateia para receber Tash Sultana. Surgem palanques onde assenta um espaço medido ao centímetro (havendo roadies encarregues da fita métrica) povoado por controladores midi, diversos instrumentos e uma estrutura  forrada com tecidos estampados com o símbolo do Om. No entanto, Tash Sultana vai bem para além do reggae rock ou do lo-fi. Surge solando despreocupadamente a partir dos bastidores com a sua guitarra e sobe para o palanque onde dá início à performance. Uma vez que as suas criações são materializadas apenas por si mesma, são transpostas para o palco a partir de loopstations estando Tash encarregue da parafernália de instrumentos (musicais e tecnológicos) que a envolvem.

Acompanhamos Tash Sultana numa viagem construída à frente do público, deixando-o fazer parte da mesma e levando-o à euforia a cada layer que espelha o virtuosismo da artista, com um alinhamento intrincado sobre si mesmo, não deixando que os ânimos acalmem. Os aplausos de celebração de uma música, transformam-se em palmas que batem marcam o ritmo da faixa seguinte. Uma pessoa de poucas palavras, que prefere comunicar com o corpo e o som produzido, enchendo e transbordando do Palco Sagres, fazendo caminho por entre o fosso de fotografia e sentindo energeticamente a sua criação muito para além do espaço povoado por pedais. Tash fá-lo, nomeadamente, através da sua voz modulada com controlo e descontracção, como se não espantasse o público a cada nota atingida. Sem passar pelo exibicionismo ou pelo “desporto”, a artista transparece a sua destreza como multi-instrumentista, com perfeito controlo sob toda e qualquer camada que acrescenta à sua música. Sozinha em palco, diverte-se levando a multidão ao rubro passando pelo rock alternativo, o rock psicadélico, mas onde é possível retirar bases sedimentadas no blues. Uma música que muito ganha em palco e que deixa aqueles que ainda não conheciam as suas criações com vontade de chegar a casa e ouvir o único álbum que tem até agora editado. No entanto, muito provavelmente, o espectador abismado com a performance chegará ao fim das 13 canções do trabalho em estúdio reconhecendo melodias, mas preferindo antes ouvir versões ao vivo em busca do fluir orgânico presenciado no segundo dia do NOS Alive.

NOS Alive: Vampire Weekend @ Arlindo Camacho

VAMPIRE WEEKEND INTERCALAM FATHER OF THE BRIDE COM ÊXITOS DO PASSADO NUM CONCERTO ELOGIÁVEL

(Reportagem de Margarida Ribeiro)

Se há coisa a reter nestas andanças por festivais é que para assistir a uma boa performance é necessário arranjar o melhor lugar por entre o meio do público. Não se refere aqui uma procura pelo melhor ângulo de visão sobre o palco, ou um posicionamento estrategicamente delineado para conseguir ter a melhor experiência auditiva fugindo dos baixos que fazem tremer o peito (e não, não é de emoção). Buscam-se antes os melhores companheiros de plateia. Aqueles que vão ao concerto para ouvir, sentir e ler a performance que toma lugar metros à sua frente. Os que vão pela música e não pelo ambiente. Aqueles que não se focam no seu próprio telemóvel em scrolls infindos ou na conversa gritada sobre as melodias amplificadas com o amigo do lado acerca de um tema que, para os demais que lhes lançam olhares repreendedores, bem que poderia ser adiada. Uma experiência ao vivo em muito que pode ser alterada graças à vivência tida na plateia. Dito isto, quem esta resenha redige dirigiu-se o mais para a frente que o espaço pessoal permitia, não conseguindo, no entanto, fugir aos desvarios das camisolas florais e pólos desapertados que despoletam um amigável moche no meio do pop-barroco de Vampire Weekend. Moche é sempre uma movimentação bem recebida por parte desta dupla redatora, não havendo qualquer pretensão judiciosa incutida no anterior relato. Usualmente acaba até por se tornar contagiante, mas não foi o caso uma vez que proveio do aborrecimento do público que ia compondo, aqui e ali, a plateia em vez de resultar de uma demonstração de fruição.

No entanto, em nada são os Vampire Weekend culpados. A banda resultou no verdadeiro cabeça-de-cartaz do segundo dia de festival desenrolando uma fiel actuação no palco principal. Brincando por entre a mesma sequência de acordes harmonizada por diversos instrumentos em variações de tom sobrepostas mas complementares, conjuntamente com dois sets de percussão com toque tribal, é criada a atmosfera sonora a que a banda nova-iorquina já tem vindo a habituar o seu fiel séquito de fãs. Depois de seis anos fora dos palcos portugueses (e por igual tempo longe do estúdio) Vampire Weekend apresentou ontem Father of the Bride (2019) num alinhamento intercalado por anteriores êxitos. Resultou, nas palavras do próprio Ezra Koenig, num dos melhores concertos da carreira da banda. Com uma transposição para os palcos igualmente cuidada como em estúdio, Vampire Weekend percorrem Modern Vampires of the City (2013), Contra (2010) e o álbum homónimo (2008) com fieldade, passando por versões de canções de SBTRKT e Bob Dylan. A banda flui e frui do seu próprio percurso criativo e natural do crescimento de um grupo musical que conta com treze anos de carreira. Continua assente na sua característica estrutura musical que os identifica como banda, sem virar costas ao progresso artístico almejado. Após declararem que voltariam em breve, e sob a promessa que não demorariam outros seis anos a fazê-lo, surge o anúncio: Vampire Weekend atuarão, ainda este ano, no Coliseu dos Recreios dia 26 de Novembro e vontade não falta de os ver num concerto em nome próprio.

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