Top 10 cinema italiano | 2. O Evangelho Segundo São Mateus

Em O Evangelho Segundo São Mateus, Pier Paolo Pasolini concebe uma visão marxista da vida de Jesus, edificando a figura religiosa como um dos primeiros revolucionários socialistas na história humana.

 

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Título Original: Il vangelo secondo matteo
Realizador:  Pier Paolo Pasolini
Elenco:  Enrique Irazoqui, Margherita Caruso, Susanna Pasolini 
1964 | 137 min


 

Tendo em conta a radical e provocatória fúria política que rege muito do trabalho de Pier Paolo Pasolini, assim como o facto que este autor era um admitido ateu, é um pouco estranho e inesperado que a sua versão da vida de Cristo em O Evangelho Segundo São Mateus seja uma das mais devotas e espirituais representações da Paixão. Todo o seu texto é diretamente retirado dos escritos bíblicos, deixando que toda a subversão e perspetiva autoral se manifestem exclusivamente na direção de Pasolini que aqui constrói a figura de Cristo como o primeiro revolucionário socialista, e consequentemente transforma o que poderia ser uma prosaica obra de glorificante religiosidade num dos mais formidáveis e transcendentes filmes políticos alguma vez concebidos.

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O Evangelho Segundo São Mateus

O legado da tradição neorrealista no cinema italiano é bastante visível nos primeiros trabalhos de Pasolini, não contendo a dimensão poética e humanista dos seus antecessores, mas sim uma grosseira crueza e exacerbação dos aspetos mais grotescos da miséria social, que fazem de Pasolini uma espécie de Caravaggio do cinema em termos temáticos, senão na sua construção visual que deve muito mais ao trabalho de artistas medievais como Giotto do que ao violento chiaroscuro do mestre da pintura barroca. Neste filme, em particular, essa dimensão realista funde-se perfeitamente com os aspetos mais pitorescos da sua mise-en-scène construindo uma arrebatadora e crua visão de um mundo antigo onde, paradoxalmente, Pasolini injeta uma estonteante vitalidade tanto na sua perspetiva política como no seu uso de uma eclética banda-sonora que inclui canções americanas cuja origem se encontra nos cânticos de escravos.

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Ao utilizar tais técnicas realistas e detalhes de dessincronizada modernidade, Pasolini constrói uma visão estranhamente direta e simples da vida de Cristo, não caindo no falacioso erro de tentar arrebatar a sua audiência com momentos de miraculosa espetacularidade. Este realizador ateu retrata a existência e origem divina do seu protagonista como um facto inquestionável. Afinal, não é a legitimidade da sua divindade, ou os mistérios da fé que fascinam Pasolini ou o seu filme, mas sim as ações de Cristo e sua ideológica luta contra as injustiças humanas. Ao recusar-se em idolatrar esta figura religiosa, em criar uma visão de barroca talha dourada em forma de filme como é comum no cinema religioso de Hollywood, Pasolini construiu, em O Evangelho Segundo São Mateus, um retrato unicamente humano desta narrativa bíblica, capturando a sua espiritualidade com um poder que nunca foi superado ou igualado na história do cinema e suas muitas obras de cariz religioso.

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Depois de três filmes de cariz fortemente político, segue para a próxima página onde, pelo contrário, te espera uma belíssima carta de amor ao cinema que também funciona como uma das mais poderosas representações do processo criativo.

 

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