Lauro António, via Wikimedia Commons

O mestre Lauro António morreu

Lauro António era efectivamente um mestre do cinema, cineclubista, crítico, realizador, professor e programador, faleceu hoje aos 79 anos.

Quando era miúdo Lauro António era ao crítico de cinema que eu mais gostava de ler, talvez porque entendia melhor a sua linguagem e escrita. Linguagem própria de um professor, que chegou mais tarde a exercer a vários níveis.  Na verdade, nunca me cruzei muito com o Lauro António, nem pessoalmente nem profissionalmente. Porém, sempre o considerei um mestre e tinha-mos mesmo, algumas manias e até percursos em comum:  por exemplo (e diz que o conhecia bem) essa necessidade de se manter sempre informado sobre tudo desde a política à cultura, mesmo a mais popular, guardar muitos papéis, recortes de jornais e muitas ideias, para mais tarde ou um dia as concretizar.  E depois a também o velho mito de que todo critico de cinema, quer mesmo é passar para detrás das câmeras. Lauro António consegui-o bem cedo! Segui também Lauro António, depois de ele ter saído da organização, como programador do CineEco-Festival de Cinema Ambiental da Serra da Estrela, o festival que ele fundou em Seia e que dura quase há três décadas. Foi também o responsável por duas das salas de cinema mais emblemáticas de Lisboa dos anos 80: o Apolo 70 e o Caleidoscópio, onde vi alguns dos melhores filmes da minha vida e que me tornaram um cinéfilo pesado, entre eles 2001-Uma Odisseia no Espaço e Barry Lyndon’, de Stanley Kubrick, aliás também como memorável Apocalipse Now, de Francis Ford Coppola, então inaugurando creio, o sistema Dolby Surround, em Portugal. Notável é também o trabalho de Lauro António como realizador, embora com uma filmografia escassa mas marcante, sobretudo as suas duas longas-metragens de ficção: Manhã Submersa (1980), baseado na obra e na vida de Virgilio Ferreira, enquanto jovem seminarista — um filme incontornável na filmografia portuguesa contemporânea, que teve estreia no Festival de Cannes — e ‘O Vestido Cor de Fogo’ (1986), partir da novela de José Régio, uma história de amor intenso passada em vésperas do 25 de Abril; ou mesmo os tele-filmes para a RTP, que confesso tenho apenas uma vaga ideia: ’Paisagem Sem Barcos’ (1983) e ‘Mãe Genoveva’ (1983).  

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Manhã Submersa
‘Manhã Submersa’, um dos filmes da filmografia portuguesa. ©RTP

Porém Lauro António era uma figura incansável e de um extraordinário dinamismo: foi cineclubista, ensaísta e escritor de livros sobre teoria e técnica de cinema, dinamizador cultural, professor e director de festivais, ciclos e mostras de cinema e de muitas sessões e tertúlias cinéfilas. Além de fundador e director do CineEco foi director Festival Internacional de Lisboa (1966) e Festroia (1989). Essa incessante e quase fobia de encher a casa de papéis e possuir um amplo arquivo, foi resolvido com a criação o ano passado da Casa das Imagens Lauro António, em Setúbal, disponibilizada pelo município, onde está disponível ao público, uma boa parte do acervo do cineasta: são cerca de 50 mil objectos, entre livros, filmes, fotografias, cartazes, documentos e objectos relacionados com cinema e imagem. É o segundo espaço do país em oferta ligada ao cinema, depois da Cinemateca Portuguesa. Nascido a 18 de Agosto de 1942, Lauro António era um verdadeiro Leão nos astros e em pessoa.

José Vieira Mendes

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