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O Pub the Old Oak, a Crítica | Ken Loach revela a história do último Pub de uma pequena comunidade

Ken Loach dá a conhecer “O Pub the Old Oak”, uma obra sobre o último pub de uma comunidade mineira do Noroeste de Inglaterra!

Fiel a si próprio e ao seu já consolidado e antigo posicionamento político-ideológico a favor de causas e de projectos de intervenção social pelas quais vale a pena lutar, Ken Loach regressa neste “The Old Oak” (O Pub The Old Oak), 2023, aos ambientes degradados da classe operária no seu país natal, incidindo desta vez numa história de confronto entre alguns habitantes de uma comunidade mineira do Noroeste de Inglaterra (situada no County Durham, ou simplesmente Durham, ali bem perto das águas geladas do Mar do Norte) e um grupo de refugiados sírios que se instalam nas casas que lhes foram destinadas pelas autoridades britânicas.

QUANDO OS DESERDADOS DA TERRA CONFRONTAM OS REFUGIADOS DA GUERRA…!

Homens, mulheres e crianças deslocados do mundo que os viu nascer por causa de uma guerra cujos ecos demoníacos e consequências devastadoras no plano humanitário nem sempre chegam ao chamado ocidente. Situação dramática que está agora a ser sufocada pela desmesurada atenção que se dá ao manancial de notícias oriundas da guerra na Ucrânia ou dos mais recentes acontecimentos na Faixa de Gaza e na Cisjordânia ocupada. Desde cedo iremos encontrar, na amálgama dos que procuram uma sempre relativa paz naquele canto perdido da Europa, uma jovem síria, Yara (Ebla Mari), que em vez de armas usa uma câmara fotográfica para registar a realidade circundante. Tal como fazia na Síria. Trata-se para ela de uma câmara com um significado muito especial, já que foi uma oferta do pai, encarcerado nas prisões de Bashar al-Assad, o controverso Presidente da Síria desde 17 de Julho de 2000.

O Pub the Old Oak
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Por isso mesmo, será com inegável perplexidade que verifica o rancor com que alguns ingleses a recebem e aos seus companheiros de exílio forçado, criaturas pouco sociáveis que seguramente não fazem a mínima ideia do que ela e os seus sofreram para ali chegar. Um deles, o mais agressivo e grunho, pega mesmo na câmara que Yara estava a usar para fotografar o momento da chegada e parte-a ao fazer de conta que a deixou cair por acidente. Mas há males que vêm por bem. Será a partir deste lamentável episódio que Yara vai conhecer o dono do pub The Old Oak, TJ Ballantyne (interpretado de forma magistral por Dave Turner), pessoa circunspecta, mas séria e solidária, que contra ventos e marés procura manter de pé e activo o único pub que por aquelas partes se mantinha de portas abertas.

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Pouco a pouco iremos dando conta dos laços de amizade e apoio recíproco, que inicialmente pareciam improváveis, entre TJ Ballantyne e Yara, relações que irão estender-se a outros membros da família refugiada, mãe e irmãos de Yara, vizinhos e, num plano cada vez mais vasto, ao seio da pequena comunidade estrangeira que no geral passa os dias acossada pelas constantes investidas acintosas, pelas constantes agressões verbais e por um sem número de provocações manhosas.




Ken Loach gosta de usar o materialismo dialéctico na sua análise das relações de classe e mesmo daquelas que se estabelecem no interior de um só grupo socialmente relevante. Neste caso vai aplicá-lo, por um lado dando corpo e alma aos protagonistas das famílias de mineiros com um passado relativamente seguro, mesmo quando o contexto laboral fora palco de lutas e esforçados combates por melhores condições de vida. Tudo se desmoronou quando a desactivação das minas e a erosão das forças sindicais, assim como muitas contradições geradas pela fraca mobilização e consciência política, acabaram por atirar o proletariado mineiro para os braços da sempre insuficiente segurança social e para o puro e duro desemprego.

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Por outro lado, aplica-o dando voz aos deserdados que, fugindo da sua pátria em chamas pelo confronto de forças autoritárias antagónicas, não encontram entre os deserdados do capitalismo inglês a solidariedade que eventualmente esperavam encontrar na democrática Europa. O realizador e o seu argumentista e companheiro de longa data, Paul Laverty, não hesitaram em fazer o retrato cru e sem rodriguinhos da mentalidade dos que nada possuindo se julgam mais fortes pelo simples facto de serem ingleses, brancos e de se apelidarem cristãos. Trilogia de valores que vocalizam com deplorável arrogância, acrescentando ao racismo e a outros preconceitos uma pitada de sectarismo religioso, nem que seja para contrariar o estrangeiro, o outro que julgam diferente, que insultam e querem ver pelas costas só porque na sua maioria se enquadram no quadro cultural e idiossincrático do Islão. Mas os autores não hesitaram igualmente em separar as águas e não caíram na armadilha da dicotomia que reduz as coisas ao mínimo denominador comum, os bons e os maus.

O Pub the Old Oak
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Desse modo, com artes de filigrana narrativa destacaram, desde o lado da barricada que obviamente escolheram, o círculo de homens e mulheres sobre os quais irão gradualmente polarizando a atenção do espectador, salientando as principais motivações das personagens, digamos, positivas e solidárias que irão na prática demonstrar que nunca devemos desistir dos nossos sonhos quando vislumbramos um ou mais caminhos para a redenção social e para materializar e defender a velha máxima da Revolução Francesa: Liberdade, Igualdade e Fraternidade.




Em “O Pub The Old Oak” será o último conceito que mais será posto em evidência, embora a Liberdade passe por ali como expressão complementar, considerando os actos emanados de um pensamento individual e colectivo que se quer livre e independente das pressões exteriores do poder (o que descarta os refugiados para longe dos bairros chiques). Mas há lugar igualmente para as feridas abertas pelo embate com a ideologia proto-fascista que gota a gota contamina mesmo as vítimas da exploração capitalista, pelo menos algumas vítimas daquele sistema, não as conseguindo afastar do autêntico nevoeiro ideológico que lhes oculta a visão e o discernimento para alcançar o apaziguamento de demónios que persistem nas sociedades, mesmo as que se consideram livres.

O Pub the Old Oak
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Entretanto, será importante referir que para ali chegar, e porque Ken Loach gosta igualmente de nos fazer verter uma lágrima (e porque não?), sem apelar ao lamechas e ao melodramático rasteiro, acompanharemos a roda-viva que caracteriza o percurso diário de TJ Ballantyne e, até uma certa altura, seremos cúmplices do modo como ele interage com a sua cadelinha, história algo paralela e pungente, mas fulcral para a compreensão das premissas da sua personalidade face ao passado sombrio, os abismos do suicídio e a memória do seu pai. Trata-se sobretudo de um episódio violento, agreste e amargo, que a realização resolve de forma económica e com a dose certa de raiva contida.

Mas não será apenas no plano individual que o acompanhamos. Num preciso momento, TJ Ballantyne vai ser a figura central do esforço e desejo de organizar uma cantina solidária que por fim consegue erguer num precário salão até ali desactivado do seu “The Old Oak”. Para isso vai contar com a ajuda de Yara e de muitos que como ela não procuram outra recompensa que não seja a alegria e satisfação das necessidades das gentes simples, que nada conseguiriam se não fosse a vontade indómita dos que procuravam promover o contacto cada vez mais íntimo e sustentável entre as duas principais comunidades em presença.

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Fazem falta filmes destes, e por isso aqui se recomenda a sua visão que nos ajuda a compreender como se pode superar o quase nada com o pouco que parece muito para quem perdeu algures a esperança de um futuro radioso.

Nos derradeiros minutos do filme daremos conta de que as vicissitudes existenciais daquela comunidade, quando acontecem situações limite como a morte de alguém, são a prova que ajuda a derrubar algumas das piores barreiras anteriormente erguidas. Muitas delas estão lá, e arriscam-se a continuar por lá, apesar de serem invisíveis ao olhar. Finalmente, a articulação das comunidades inglesa e síria numa manifestação de cidadania solidária constitui o pano de fundo e a palavra de ordem áudio e visual que nos fica na memória. Sem qualquer dúvida, será esse o ideal que Ken Loach quis sublinhar nesta que pode vir a ser a sua derradeira longa-metragem. Enfim, esperemos que não!

O Pub the Old Oak
O Pub the Old Oak

Movie title: The Old Oak

Director(s): Ken Loach

Actor(s): Dave Turner, Ebla Mari, Claire Rodgerson

Genre: Drama, 2023, 113min

  • João Garção Borges - 80
80

Conclusão:

PRÓS: Notável a direcção de actores, sobretudo considerando que estamos na presença de não-profissionais. Destaque óbvio e sobejamente merecido para Dave Turner, no papel do dono do pub The Old Oak.

Boa Direcção de Fotografia de Robbie Ryan.

CONTRA: Nada.

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