O Que a Maisie Sabe, em análise
Esta história é baseada num romance de Henry James e desenrola-se a partir do que é percepcionado por Maisie (Onata Aprile), uma menina de sete anos, bruscamente obrigada a conviver com as discussões diárias dos pais, os quais, por sua vez, vivem um processo de divórcio que passará pela custódia da filha.
Maisie é subtilmente expressiva e de uma impressionante sabedoria emocional. E, na verdade, se nos pedissem meia dúzia de palavras, uma única frase para resumir este filme, todo o conteúdo estaria aqui. Porque esta realização, do início ao fim – pesem embora as múltiplas incidências relacionais entre outras personagens que habitam este lar – existe, flutua, nasce da visão de uma criança do sexo feminino. É um filme que não é sem Maisie. Ela está lá sempre. Isso fica, desde logo, claro quando nos é apresentado o título da película e o respectivo poster.
Sem pretender (nem poder) entrar no campo da psicologia infantil, referirei que, tecnicamente, não sei qual o grau de consciência, noção de gravidade que uma criança de sete anos terá de palavras ríspidas entre pai e mãe, gritos frequentes, saídas de casa temporárias, uso da sua pequena pessoa (em tamanho, não em capacidade conclusiva, como se comprova) como forma de atacar a parte contrária.
Do que estou convicta é da aura de delicadeza, elegância, tranquilidade que repousa sobre Maisie. E, ao contrário do que poderá, à primeira vista, transparecer, essa suavidade não é, de todo, sinal de inconsciência ou passividade. Aliás – e para quem já viu o filme, muito embora não venha aqui abordar pormenores aptos a transformar-se em ’spoilers’ – é ou não uma verdade que, afinal, todas as ocorrências foram devidamente colhidas por Maisie, tal como flores num campo, umas em plena vida, outras em estado de decomposição, cuidadosamente analisadas, atribuindo-se-lhes as circunstâncias atenuantes possíveis, e, posto isto, depois de selecionadas, colocadas numa jarra, símbolo do seu futuro próximo?
Os olhos de Maisie nem sempre demonstram o que sente. Ou fazem-no de forma fugaz. Mas através dos seus olhos, conseguimos descobrir onde se encontra uma possível harmonia familiar que lhe conceda uma felicidade contínua.
A forma como o guião evolui é inteligente, pois não cai em aborrecidas e já gastas questões burocráticas e judiciais, o que seria maçador, atendendo à frequência com que esta matéria tem sido tratada pelo cinema [por exemplo, “Kramer vs. Kramer”, “The Squid and the Whale” (“A Lula e a Baleia”)].
O ambiente – residências cheias de cor e charme – contrasta com a falta de dedicação que Maisie merece. As suas roupas lembram modelos infantis das revistas, mas este brilho é por ela solicitado a um nível mais profundo.
Steve Coogan e Julianne Moore revelam-se sólidos ao vestir a pele dos adultos negligentes – uma mais excêntrica e impulsiva do que o outro, mas ambos imaturos e egoístas, carecendo de visão parental, essencialmente no que concerne às prioridades que deverão existir numa relação que tenha gerado uma terceira pessoa; do outro lado, Alexander Skarsgard e Joanna Vanderham, convincentes no tratamento que dão aos adultos diligentes, dedicados ao preenchimento das lacunas continuamente criadas pelos pais ausentes. Contudo, nenhum deles supera a genialidade de Onata Aprile.
Este relato vive de uma escolha latente – e não tão improvável quanto possa parecer nos dias de hoje -, de um percurso em direcção ao silêncio apaziguador de um lago que cintila sob os raios solares nele projectados.
Ao contrário do que tem estreado por aí, não é baseado em factos reais. Mas poderia ser. E, infelizmente – e se assim fosse – teria inúmeras vidas de onde retirar matéria.
Sofia Melo Esteves