Paddington 2, em análise
“Paddington 2” é a adorável continuação das aventuras do mais famoso urso peruano falante e viciado em doce de laranja do cinema britânico.
Três anos depois de o herói ursino dos livros de Michael Bond ter feito a sua estreia no grande ecrã, “Paddington 2” chega aos cinemas e, se possível, a sequela é um triunfo de cinema familiar ainda mais delicioso que o seu antecessor. Desta vez, encontramos o pequeno urso peruano apaixonado por doce de laranja perfeitamente à vontade no dia-a-dia pacato de Windsor Gardens em Londres, onde ele ainda vive com a família Brown que o acolheu na aventura anterior. Certo dia, o circo chega a Londres e com ele uma série de antiguidades que um antiquário amigo do urso se disponibiliza para vender. Entre os muitos objetos coloridos, Paddington encontra um pop-up book sobre Londres que lhe parece ser o presente perfeito para o 100ª aniversário da sua tia, que sempre sonhou visitar a capital inglesa e nunca teve essa oportunidade. Como o livro é bastante caro, Paddington monta um negócio de limpador de janelas, mas, antes de o conseguir comprar, alguém o rouba e incrimina o urso que é prontamente condenado e encarcerado.
Tal reviravolta poderia indicar a incursão narrativa num registo mais negro e sério, mas os criadores desta leve sobremesa cinematográfica nunca deixam que o filme saia do seu registo de doçura descomplicada. De facto, foi essa mesma abordagem que fez com que o primeiro filme fosse um sucesso tanto a nível crítico como popular, pelo que a sua repetição é uma mostra de sagacidade. Num panorama cinematográfico onde filmes direcionados para o público infantil tendem a ser ora fantasiosos e cheios de nuances adultas como as obras da Disney e da Pixar ou recheados de ironia, referências de cultura popular e humor forçosamente juvenil, a sinceridade modesta de “Paddington” é uma brisa de ar fresco. Basta ver um dos monstruosos trailers para a nova versão modernizada das aventuras de Peter Rabbit para nos apercebermos da preciosidade rara de um filme como este.
Por exemplo, longe de se desmanchar em humor descarado ou sacrificar a sua dignidade ursina em piadas escatológicas à la Dreamworks, Paddington conquista a prisão com o seu charme e receita de doce de laranja. O que começa como uma relação potencialmente homicida com o carrancudo chefe da cantina prisional, Knuckles McGinty, depressa se torna numa amizade forjada sobre uma panela de sumo de laranja fervilhante e o que parece ser meia tonelada de açúcar. Em consequência desse mesmo milagre gastronómico, a prisão transforma-se, de um dia para o outro, no que parece ser uma acolhedora estalagem inglesa com salão de chá incluído e de onde os hóspedes infelizmente não podem sair. O humor em “Paddington 2” segue este tipo de lógica absurdista, mas fá-lo com absoluta sinceridade, nunca piscando o olho ao espetador. Pelo contrário, o filme parece estar a ativamente convidar a audiência a deixar a sua racionalidade à porta e se render às loucuras encantadoras em cena.
Para esse efeito, o realizador Paul King e a maior parte da equipa do primeiro filme executam a premissa infantil do filme com doses titânicas de virtuosismo, que é especialmente valioso pela modéstia com que se manifesta na forma final de “Paddington 2”. O cenógrafo Gary Williamson e o diretor de fotografia Erik Wilson, por exemplo, conjuram aqui uma versão fantasiosa de Londres que é suficientemente estilizada para sugerir a realidade de um conto-de-fadas contemporâneo, mas realista o suficiente para não ser alienante ou completamente díspar da metrópole inglesa. Quando o filme chega à prisão é quando este jogo se torna mais evidente, com o edifício vitoriano a ganhar a divertida aparência de um diorama vagamente reminiscente do universo Wes Anderson, povoado por criminosos vestidos com macacões cor-de-rosa. As fardas rosadas, há que dizer, são apenas uma das muitas delícias no guarda-roupa desenhado por Lindy Hemming, uma coleção de figurinos que tanto sugerem o século XXI como uma certa intemporalidade que apenas existe na ficção, sendo que os seus trajes para o vilão são a cereja no topo do bolo.
O maior triunfo de Hemming, contudo, não valeria de nada sem o complemento de algumas das mais hilariantes maquilhagens do ano cinematográfico. Afinal, um vilanesco mestre do disfarce não precisa só de uma boa coleção de roupas, sendo que o bom uso de perucas e próteses nasais também ajuda. Estamos a referir-nos, como não podia deixar de ser, ao grande patife que incrimina o inocente Paddington e pertence, segundo as sábias palavras da governanta escocesa dos Brown, à mais vil classe de pessoas à face da terra – atores. Ele é Phoenix Buchanan, um excêntrico veterano do West End e, em tempos longínquos, uma celebridade. Agora ele faz anúncios para comida de cão e sonha em um dia encenar um grande espetáculo de um só homem, um projeto que ele planeia financiar com o tesouro que pode ser encontrado ao seguir uma série de pistas escondidas no pop up book que Paddington tanto queria dar à tia.
Para além de tudo isso, este vilão de nome improvável e disfarces ainda mais inacreditáveis é interpretado por Hugh Grant naquela que é a sua melhor prestação desde os anos 90. Se, com “Florence – Uma Diva Fora de Tom”, o ator nos lembrou dos seus talentos dramáticos, “Paddington 2” é a oportunidade perfeita para Grant evidenciar os seus dotes cómicos ao criar uma espécie de paródia diabólica da sua própria persona. Num elenco repleto de caras conhecidas em encantadoras prestações, como a sempre calorosa Sally Hawkins como Mrs. Brown e Brendan Gleeson no papel de McGinty, apenas o próprio Paddington consegue ser uma presença mais cativante, quer seja pela sua adorável aparência, quer seja pela suavidade vocal de Ben Wishaw, que dá voz ao urso na versão original do filme.
Por muito espetacular que sejam todos os outros elementos formais do filme, que também incluem a belíssima banda-sonora de Dario Marianelli, a concretização do protagonista através de efeitos visuais continua a ser o maior feito técnico desta modesta aventura familiar. Na verdade, os efeitos visuais constituem tanto o píncaro técnico do filme, especialmente numa viagem tridimensional por uma Londres de papel, como as suas maiores fragilidades, como se vê numa perseguição final em dois comboios a vapor que é demasiado complexa para o seu próprio bem. Com tudo isso dito, as fragilidades de “Paddington 2” são incrivelmente menores quando comparadas com todo o encanto que as envolve no resto do filme. Em tempos de tumultos políticos e culturais no Reino Unido, este retrato simples de uma Londres fantasiosa onde a bondade reina e a maldade e preconceito são castigados é como que um bálsamo cinematográfico. Afinal, quem é que consegue resistir aos charmes de Paddington?
Paddington 2, em análise
Movie title: Paddington 2
Date published: 10 de December de 2017
Director(s): Paul King
Actor(s): Ben Wishaw, Hugh Grant, Brendan Gleeson, Sally Hawkins, Hugh Bonneville, Julie Walters, Tom Conti, Peter Capaldi, Imelda Staunton, Michael Gambon, Jim Broadbent, Joanna Lumley, Eileen Atkins, Richard Ayoade, Noah Taylor
Genre: Comédia, Aventura, 2017, 103 min
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Claudio Alves - 80
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Filipa Machado - 80
CONCLUSÃO
“Paddington 2” é uma deliciosa joia de cinema feito para deliciar toda a família. O seu modesto virtuosismo técnico e coleção de prestações cuidadosamente estilizadas resulta numa obra sem grandes ambições, mas cuja execução é praticamente perfeita.
O MELHOR: De um ponto de vista técnico e focado no potencial do filme enquanto entretenimento, a destreza com que os animadores da personagem titular evocam o tipo de comédia física originada no music hall e nos filmes mudos de outra era é um encanto. De um ponto de vista mais temático e social, é um prazer observar que a Londres de Paddington contém toda uma comunidade multiétnica que adora o urso, com a singular exceção do rabugento Mr. Curry que, com o seu discurso desconfiado de estrangeiros, parece quase uma personificação fabulística do Brexit.
O PIOR: A perseguição nos comboios que marca o clímax aventuroso do filme.
CA