Pai Mãe Irmã Irmão, a Crítica | As relações familiares por Jim Jarmusch
Está quase a estrear nas salas de cinema nacionais o novo filme de Jim Jarmusch “Pai Mãe Irmã Irmão” (2025).
Depois da passagem pelo LEFFEST em novembro passado, já vimos igualmente o filme em visionamento de imprensa e deixamos a nossa crítica.
A nova longa-metragem estreia a 8 de janeiro de 2026 e retrata três histórias sobre a relação entre pais e filhos.
Qual a narrativa de Pai Mãe Irmã Irmão?

“Pai Mãe Irmã Irmão” traz-nos três narrativas independentes que se cruzam por uma temática comum: as relações entre pais e filhos.
Numa das histórias, dois irmãos visitam o seu pai que vive preso no seu mundo após a morte da esposa. Noutra história temos duas irmãs muito diferentes que visitam a sua rígida e distante mãe. Por fim, temos a história de dois irmãos gémeos que regressam à sua casa de infância após a morte dos seus pais.
Cada uma das histórias decorre num país diferente e com diferentes protagonistas mas há pequenas ligações entre as histórias.
O novo filme de Jim Jarmusch foi o grande vencedor do Leão de Ouro no Festival Internacional de Cinema de Veneza em setembro de 2025.
A universalidade das relações familiares

“Pai Mãe Irmã Irmão” é um filme ‘leve’ e para ver sem grandes preocupações mas com uma bela reflexão sobre a nossa existência e sobre aqueles que nos são mais próximos.
O novo filme de Jim Jarmusch apresenta, portanto, três histórias sobre três diferentes famílias. A narrativa divide-se com “Pai”, “Mãe” e “Irmã Irmão” e cada um dos ‘capítulos’ inicia-se com o seu título a aparecer numa tela recheada de luzes. Estas luzes são importantes como forma de expressar uma metáfora para a finitude da vida, já que em cada uma destas histórias há um ou mais familiares ausentes.
Na primeira história,”Pai”, Jeff (interpretado por Adam Driver) e Emily (Mayim Bialik) visitam o seu pai (Tom Waits) que mora isolado numa quinta em Nova Jérsia. Depois da morte da sua esposa, aparentemente, este pai têm-se desleixado e a visita dos filhos permite que ele reentre um pouco nos eixos.
A segunda história, “Mãe”, decorre em Dublin onde duas irmãs, Timothea (Cate Blanchett) e Lilith (Vicky Krieps) visitam a sua rígida e fechada mãe (Charlotte Rampling). Também ela ficou viúva recentemente mas tem a sua casa bastante aprumada.
Por fim, a terceira história, “Irmã Irmão”, acontece em Paris onde dois irmãos nova-iorquinos Skye (Indya Moore) e Billy (Luka Sabbat) visitam uma última vez a casa dos seus pais que morreram num desastre de avião. A casa está já vazia, uma vez que já foi vendida a outras pessoas, mas Billy guardou todas as coisas dos seus pais num armazém.
Podemos, portanto, ver aqui uma relação de contrastes e padrões neste filme. Algo que não é novidade numa obra de Jim Jarmusch e que faz lembrar, em certa medida, “Paterson” (2016).
Padrões e contrastes

Neste plano de padrões e contrastes é importante refletir sobre o que junta e divide as três histórias deste filme.
Já referi o fator casa e a forma como cada uma delas ‘existe’ no filme. Mas o contraste também existe na presença das diferentes cidades. Em Nova Jérsia temos uma história fria em pleno Inverno onde até a torneira da cozinha fica a pingar. Em Dublin temos um ambiente ameno e quente onde os silêncios são significativos. Por fim, em Paris, a azáfama da cidade rompe com a intensa relação dos dois irmãos.
Agora, abordemos as semelhanças que pairam em “Pai Mãe Irmã Irmão” e demonstram a universalidade das relações familiares que o realizador quer frisar.
Nesse ponto de vista é interessantíssima a forma como as três histórias se cruzam com tão pequenos pormenores.
A saber: 1) todas as histórias têm skaters no início dos seus segmentos (na primeira, Jeff critica-os mesmo); 2) em todas as histórias as personagens sentam-se a beber alguma coisa – chá, café ou simplesmente água; 3) em todas as histórias alguém usa um relógio Rolex com um significado próprio para a personagem que o usa; 4) em todas as histórias alguém utiliza a expressão “And your uncle’s name’s Joe” [traduzido em português para “É trigo limpo”] para se referir à facilidade de alguma coisa; 5) todas as personagens brindam, ora com água, café ou chá e, em dois dos casos, levantam problemas com isso; 6) em todas as histórias é referida a expressão “Nowhere’s Ville” para dizer que alguém vive “no meio do nada”; 7) em todas as histórias há viagens de carro.
Por fim, menos significativo mas também relevante: em todas as histórias alguém mente ou esconde alguma coisa de alguém e há a ausência de personagens (ora pai, mãe ou ambos).
A técnica de Pai Mãe Irmã Irmão

Do ponto de vista cinematográfico, este filme é também muito bem cuidado. Para começar, é relevante dizer que a música do filme é composta (em co-autoria) pelo realizador, que é também autor do argumento.
Depois, em termos imagéticos, as histórias têm todo um ambiente onde os décors falam por si. No entanto, há que destacar a muitíssimo cuidada planificação no final do lanche de “Mãe” onde a frieza da relação das três mulheres se realça pela montagem de vários planos curtos. O plano picado da mesa tem igualmente todo um significado que muito caracteriza o cuidado desta mãe que, inicialmente, tinha um grande ramo a dividir as três mulheres. Também na terceira história, “Irmã Irmão” temos um belo plano panorâmico que joga entre o vazio da casa e a despedida dos irmãos daquele local.
Atores impecáveis
Para terminar esta análise não seria justo se não refletíssemos sobre os atores. Todos os atores do filme foram escolhidos a dedo pelo realizador e encarnam as suas personagens com muita clareza. Inclusive, é tão ‘inovador’ ver uma Cate Blanchett tão insegura… No entanto, é impossível não destacar Tom Waits – que é mais conhecido como músico mas também já tinha participado enquanto ator noutros filmes de Jim Jarmusch como, por exemplo, “Café e Cigarros” (2003) – que está perfeito no papel deste desajeitado pai e que engana bem os seus filhos e ainda Charlotte Rampling que demonstra, uma vez mais, a grandeza da sua presença no ecrã.
Remataria ainda com uma citação de Jim Jarmusch que resume todo o estado de espírito deste filme: “‘Mãe Pai Irmã Irmão’ é uma espécie de filme anti-ação, o seu estilo subtil e tranquilo é construído de forma a permitir que pequenos detalhes se acumulem – quase como flores a serem cuidadosamente postas em três delicados arranjos.”
Pai Mãe Irmã Irmão
Conclusão
- “Pai Mãe Irmã Irmão” é um filme honesto e melancólico de Jim Jarmusch que avalia a profundidade (ou falta dela) nas relações familiares.
- Não sendo um filme perfeito, é uma obra muito humana e que nos leva a refletir sobre nós.
- Destaca-se no filme a universalidade da temática em pequenos pormenores que orquestram subtilmente o desenrolar da narrativa.
- Temos um Tom Waits e uma Charlotte Rampling de corpo inteiro. Contudo, todos os atores estão bastante bem.

