Pai Nosso – Os Últimos Dias de Salazar, em análise | IndieLisboa 2025 e o fim íntimo de um chefe
“Pai Nosso – Os Últimos Dias de Salazar” é a primeira longa-metragem 100% ficcional do realizador José Filipe Costa. Antes, o autor ficou conhecido pelo documentário “Linha Vermelha” (2012) e pela docuficção “Prazer, Camaradas!” (2019).
Com esta sua nova obra, José Filipe Costa retrata os últimos dias de António de Oliveira Salazar após ter caído de uma cadeira e sofrer um AVC. Embora o ponto de partida da longa-metragem seja o chefe de Estado, a verdade é que as empregadas tornam-se as personagens principais do filme, sobretudo Maria de Jesus. A obra faz parte da Competição Nacional do IndieLisboa de 2025. Passou nos dias 4 e 9 de maio.
Pai Nosso – Os Últimos Dias de Salazar: A perpetuação do Poder
Em “Pai Nosso – Os Últimos Dias de Salazar”, José Filipe Costa foca a narrativa do filme nos dois últimos anos de vida de Salazar. Não assistimos sequer à queda do chefe de Estado da cadeira. Vemos Salazar logo em convalescença e a ser visto pelo seu médico. Nesse sentido, tudo o que veio antes é elidido durante o decurso do filme.
Para os portugueses, não é desconhecido o facto de que Salazar caiu de uma cadeira em agosto de 1968, teve um AVC e veio a morrer cerca de dois anos depois em julho de 1970. Também não é desconhecido o facto de que lhe é sempre ocultado que Marcello Caetano o substituiu no poder devido à sua doença e à irreversibilidade da cura.
Assim, porquê fazer um filme sobre estes últimos tempos de Salazar? José Filipe Costa é claro no press kit de “Pai Nosso – Os Últimos Dias de Salazar”: “O que me interessou logo, à partida, nos últimos dias da vida de Salazar, não foi a figura do ditador que durou 40 anos no poder, mas a farsa montada pelas personagens para o ajudarem a acreditar que ainda era o Sr. Presidente”.
A ocultação dos factos
Apesar do mote da narrativa de “Pai Nosso – Os Últimos Dias de Salazar” se centrar na figura de Salazar e no facto de ele estar em convalescença, a verdade é que a narrativa acaba por estar muito mais focada nas empregadas que cuidam dele e o que elas fazem para lhe encobrir a verdade. Assim, é de admirar o papel de Catarina Avelar enquanto Maria de Jesus, a fiel governanta do Chefe de Estado. Quase que vemos em Maria de Jesus a personificação do Salazar que já não o é. Apesar de sabermos das convicções de Salazar, a verdade é que aquele é já um doente terminal assustado e, em certa medida, sentimos pena dele.
Ainda que se mantenha quase a tempo inteiro na cama, tudo à volta de Salazar se mantém igual. As empregadas cumprem a sua rotina, recebem cartas e jornais endereçados a Salazar mas tudo lhe é ocultado. Salazar acredita piamente que ainda é Chefe e Maria de Jesus faz tudo para que isso se mantenha assim, desde recortar os jornais que fazem referência a Marcello Caetano a esconder as cartas que Salazar recebe. Mas, por outro lado, Maria de Jesus pretende que Salazar receba a visita de ministros de forma a que a farsa seja verdadeira.
Quais os limites da encenação? De uma forma mais brutal: se o Estado Novo é um regime que vive da encenação, não é correto que a encenação de “Pai Nosso – Os Últimos Dias de Salazar” se perpetue para com o ditador?
A lucidez também existe
O médico de Salazar, Eduardo Coelho, não acredita na recuperação de Salazar. Maria de Jesus tenta a toda a força que ele conte a verdade ao ditador. “Eu sou médico. Não sou político.” argumenta Eduardo Coelho a Maria de Jesus. Ainda assim, doente, Salazar é e será até ao fim fascista. Isso é notório quando o médico Manuel Nazaré lhe visita e Salazar tenta convencê-lo a ir para Moçambique para salvar Portugal do comunismo. Salazar continua a acreditar num Portugal multi-continental com as suas colónias e que os comunistas são um flagelo a liquidar.
Em contraste, José Filipe Costa inclui em “Pai Nosso – Os Últimos Dias de Salazar” deliciosas cenas da alucinação de Salazar. A saber: desde simples alucinações com galinhas, a pessoas a transformarem-se em animais ou as empregadas que o cozinham dentro de uma panela. O salvador da Pátria já não o é… “Quisemos explorar a fantasia na representação.” refere o realizador, acrescentando que, no entanto, “alguns episódios estão, por mais estranho que pareça, escritos no diário do Dr. Eduardo Coelho.”
O fascismo está implícito em Pai Nosso – Os Últimos Dias de Salazar
Uma coisa que, em certa medida, faz com que “Pai Nosso – Os Últimos Dias de Salazar” perca algum interesse é o facto de ser um filme “íntimo”. Sentimos que a realidade do país é dada apenas por pequenos indícios (como a televisão ou os jornais). Não é necessariamente negativo pois a hierarquia e o regime estão presentes em São Bento: desde o lugar de Poder de Maria de Jesus, à religião constante ou aos PIDES que cercam o Palácio de São Bento.
O problema é que o filme “perde-se” demasiado em tempos mortos. Assim, por um lado, podíamos ter um filme com menos meia hora, por outro lado, podíamos ter no filme uma maior inclusão da realidade exterior (Marcello Caetano é só uma voz, por exemplo). É notório que José Filipe Costa não quer ir por essa via. Assim, louvamos em absoluto as cenas de fantasia incluídas em “Pai Nosso – Os Últimos Dias de Salazar”.
Pai Nosso - Os Últimos Dias de Salazar
Conclusão
- “Pai Nosso – Os Últimos Dias de Salazar” é centrado nos dois últimos anos de vida de António de Oliveira Salazar. Em convalescença no Palácio de São Bento, Salazar acredita que ainda é Chefe de Estado. Esse facto é protegido pela sua governanta e empregadas.
- O filme de José Filipe Costa tem uma narrativa simples e focada. Apesar de Salazar ser o cerne do filme, são as empregadas que realmente contam na narrativa enquanto encenam a perpetuação de uma mentira a Salazar. Por esse facto, o filme perde algum valor ao não trazer nada de concreto do exterior e estar concentrado em São Bento. Ainda assim, são fabulosas as cenas de alucinações de Salazar trazidas por José Filipe Costa.