Linda Martini no Vodafone Paredes de Coura 2018 (foto de Margarida Ribeiro)

Vodafone Paredes de Coura 2018 | Linda Martini foram a bela do dia

Os Linda Martini deixaram bem claro que o Vodafone Paredes de Coura é português e dá voz aos portugueses. Que se uniram também para acolher Marlon Williams com aplausos e King Gizzard com um moche à maneira.

Não se podia chegar atrasado a Linda Martini, disséramos. Era verdade. Mesmo assim, vale sempre a pena chegar a tempo, porque quem o fez pôde ver Marlon Williams e respirar de alívio por ter declinado apanhar um pouco mais de sol só para ouvir o crooner enquanto o sol declinava, no Palco Vodafone. “First time in Portugal, I love it”, disse e o concerto demonstrou-o bem, com o cantautor da Nova Zelândia a divertir-se com a banda que o acompanha em digressão e com o público que se ia aglomerando, até compor a arena, para o escutar e encher de aplausos.

Marlon Williams
Marlon Williams (© Margarida Ribeiro)

Marlon Williams abriu com um número a solo, que estabeleceu logo de início as regras do jogo. No centro do concerto, uma voz nostálgica e plangente a cantar um único velho tema, dentro de uma já familiar tradição de country, blues e soul, mas de forma estranhamente nova e vivaz. No centro do palco, o corpo esguio e humilde, sumido no cenário agigantado pela solidão da figura, acompanhada só de uma guitarra acústica, sem ter pretensões, apenas arte para dar. Mas este cantor de voz grave, delicada, melódica e troante tem mais truques na cartola e, para a “Come to Me”, logo a seguir, fez entrar toda a banda. O concerto começou a aquecer, com Williams de perna levantada, a desenhar, em quadrados, passos de uma dança lenta mas galharda. Em “Dark Child”, baixa-se para abrir uma Super Bock e, ao som da lata a ceder, o público aplaude entusiástico. Afinal é cerveja e portuguesa. O músico sorri de orelha a orelha e ergue a bebida, em sinal de brinde. A canção termina com Williams e o segundo guitarrista a solar aguerridamente, virados um para o outro, convidando-nos a partilhar do seu prazer conjunto na música que tocam.

“Party Boy” tem direito a ver o seu nome anunciado, à laia de introdução à já sua bem ritmada introdução. A tensão preparada com tanto cuidado caiu por terra com o baterista a enganar-se e a obrigar ao recomeço da canção. Marlon Williams tudo leva com graça e o erro converte-se numa oportunidade de humor e humanidade que o público recebe bem, acolhendo com clamor a nova entrada do tema. Ao longo do concerto, a voz de cantautor vai-se desdobrando em novas e inesperadas inflexões, desde o quase pós-punk da versão ao vivo de “Vampire Again” que nos coube em sorte, com Williams a assumir laivos de Nick Cave, até ao violino estridente de “Nobody Gets What They Want Anymore”. Por fim, qual estrela de rock, luta com o fio do microfone até conseguir estendê-lo o suficiente para, sempre a cantar cada vez mais poderosamente, descer até ao público que, agora numeroso e célere, se avizinha e atropela para lhe tocar. Marlon Williams sentiu-se em casa ao ouvir o nosso fado e nós alegrámo-nos por o poder receber em casa nossa para ouvir o seu rock’n’roll tão matizado, à luz matizada do crepúsculo.

Linda Martini
Linda Martini (© Margarida Ribeiro)

Os Linda Martini abriram a matar com “Gravidade”, uma declaração de intenções a que o público juntou a voz, enchendo a encosta a perder de vista, pela noite adentro. O novo registo, homónimo, saiu há pouco tempo e os fãs já o conhecem de cor, com os dois temas seguintes, “Caretano” e “Boca de Sal”, a serem recebidos entusiasticamente e o grito de guerra do último, “Quero tudo ao mesmo tempo”, a ser trovejado pela audiência, de punho no ar. Se André Henriques, sempre em contraluz, começou contido, ou se a banda ainda tinha dúvidas quanto à recepção das novas canções, tudo se desfez rapidamente no ardente fragor da arena e, mais adiante, não houve problemas em trazer ainda “Quase Se Faz Uma Casa”. O alinhamento foi, contudo, bem balanceado, com canções retiradas de todo o já vasto catálogo desta icónica banda portuguesa.

Ao som de “Belarmino Vs.”, as luzes avermelharam-se, tórridas e incandescentes, com os Linda Martini completamente soltos, num frémito comum a que o público se juntou, no poço do moche, sobrevoado por corpos a transcender as grades e a transitarem o estreito agora vazio de fotógrafos. Durante a longa coda de “Cem Metros Sereia”, o público tomou a vez dos Linda Martini, continuando a cantar em coro a letra (impossível de transcrever mas de todos bem conhecido), enquanto os músicos plangiam dissonantes as notas finais. Também em “Putos Bons”, o refrão hínico dava alma a esta massa corporal, que se movia frenética e hipnótica, com a frase “eu não caibo em mim” a trazer aqui ao de cima uma verdade enterrada no quotidiano distraído. É nestes momentos que se percebe a força de cantar em português, quando o canto é bom e os dotes de composição e virtuosismo instrumental o acompanham. A identificação do público com os Linda Martini, que ao lhe dar palavras ao canto, davam conteúdo consciente ao grito, não teve outro momento igual a este, neste primeiro longo e belo dia de festival.

O concerto terminou apoteótico. Cláudia Guerreiro, fazendo-se porta-voz da banda, confessou o amor dos Linda Martini por nós: “Gostamos muito de estar aqui, gostamos muito de vocês”. Estirando o microfone para lá da borda do palco, tensamente agarrado a ele, André Henriques gritava “Eu queria tanto poder parar aqui”, ao som da guitarra enlouquecida de Pedro Geraldes e da bateria furiosa de Hélio Morais. É claro que foi com “O Amor É Não Haver Polícia” que os Linda Martini se despediram, mergulhando no público e saindo aos abraços, evidentemente felizes no final de um grande concerto, e ao som do único “só mais uma” que se ouviu a noite toda. Afinal, este é um público que, apesar de saber que num festival só os cabeças-de-cartaz têm direito a encore, ainda assim, só por amor, desespero ou entusiasmo irrefreável, pediu-o à mesma.

King Gizzard & the Lizard Wizard
King Gizzard & the Lizard Wizard (© Margarida Ribeiro)

Os King Gizzard & The Lizard Wizard, por irreverência ou pobreza de meios, quiseram fazer eles a verificação do som, meia-hora antes do concerto. Não é usual mas a verdade é que resultou bem como aperitivo, chamando logo um público que, já aquecido pelos Linda Martini, começou a ulular de satisfação aos sons dos acordes que serviram de teste, deixando-se ficar para ir ocupando os lugares privilegiados da frente. A massa de gente começou por isso a acumular diante do Palco Vodafone, bastante antes do concerto, pronta para explodir em moche à primeira guitarrada psicadélica dos King Gizzard. A entrada dos australianos foi precedida de ruídos expectantes até se converter num verdadeiro clamor de acolhimento à sua aparição, estima que a banda devolveu declarando o seu contentamento por estar de volta ao que considerava ser “the sickin’ best festival”.

Do ecrã gigante que fazia de pano de fundo e onde já estivera, enorme, a capa de Linda Martini, saíam agora motivos coloridos, em delirante e intermitente movimento, que dançavam ao ritmo das guitarras psicadélicas e da harmónica que, volta e meia, entrava num frenesi de blues. Abrindo com “Digital Black” e cantando em marcado staccato o lema dos Sex Pistols, “no future”, no qual tanta juventude de hoje, mais do que nunca, se revê, os King Gizzard deram o mote ao concerto, cujo ritmo começou feroz para nunca mais abrandar. “Muddy Water”, o “Nonagon infinity” de “Robot Stop”, “Cellophane” e “Rattlesnake” deram ao público palavras-chave, em interminável repetição, com que acompanhar o canto energético e hipnótico do vocalista, língua de fora, guitarra aos solavancos e corpos aos saltos. Por falar nos ditos cujos, é digno de nota o circuito que se instalou, ininterrupto, de ida e volta ao poço de moche por meio do fosso dos fotógrafos, com estes a constituírem as primeiras vítimas (ou os principais culpados, ao eternizarem na arte a distração) dos infratores. A segunda foram os ouvintes, a quem pouco faltou para lembrar aos retornados reincidentes que “quem vai ao ar (literalmente), perdeu o lugar!” Manifestações de entusiasmo que, à sua (atribulada) maneira, elogiavam a música e aprovavam a banda.

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Não há dúvida que foi um primeiro grande dia e um grande exercício de aquecimento para o Vodafone Paredes de Coura, que continua hoje com outras grandes promessas como Shame, Japanese Breakfast e Fleet Foxes. Lá estaremos para ser transportados pela música e transladados, a propósito e a despropósito, pelo moche instalado.

Vodafone Paredes de Coura | Marlon Williams

Vodafone Paredes de Coura | Linda Martini

Vodafone Paredes de Coura | King Gizzard & the Lizard Wizard

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