Fleet Foxes (© Fleet Foxes/Nonesuch Records)

Vodafone Paredes de Coura 2018 | 15 Concertos a não perder

O cartaz deste ano do Vodafone Paredes de Coura é bom demais para não aproveitar tudo lá e ficar a remoer depois. Isto é o que “máximo proveito” significa para nós.

À altura dos nomes com que fechávamos 2017, só mesmo esses nomes a abrir os festivais de 2018, tínhamos dito. O desejo cumpriu-se e os nossos números #1 e #2 – mas não só – juntam-se num único cartaz para, com os seus fragmentos de sentido e beleza, transfigurar a nossa praia bidimensional num céu em altura. Não se trata só de olhar para trás, contudo, que o Vodafone Paredes de Coura tem os olhos bem postos no presente e, antes que o ano acabe, podemos já ir lá ouvir ao vivo os discos cujos nomes preencherão a lista dos melhores álbuns de 2018.

Vodafone Paredes de Coura | 15 agosto

Vodafone Paredes de Coura 2018
Linda Martini (© Ângelo Lourenço)

Linda Martini, Palco Vodafone – 21h20

Não dá para chegar tarde ao Vodafone Paredes de Coura, mas como se está de férias e a praia tem sido escassa este ano pode vir a tentação do atraso. Não tanto, contudo, que impeça de começar em bom solo português, com o último registo de uma das melhores e mais icónicas bandas nacionais. Os Linda Martini esperaram quatro álbuns para, chegado finalmente o quinto, espetar o próprio nome numa sempre proteica, mas muito sua, sonoridade pós-rock e nas canções implacáveis com que organizam um assalto sonoro à nossa praça de espreguiçados espectadores. Linda Martini, que se segue ao aclamado Sirumba (2016) e foi lançado a 16 de fevereiro, regressa, mas agora de forma bem mais complexa, à crueza de Casa Ocupada (2010), prometendo um começo cheio de energia do festival e lembrando-nos a razão por que as palavras “Linda Martini” – da banda ou do disco – estavam já, desde que a banda nasceu em 2003, solidamente gravadas no solo do rock português, destinadas a brilhar fulgurantes ao sol de 2018.

Vodafone Paredes de Coura 2018
King Gizzard & The Lizard Wizard (© Jamie WDZIEKONSKI)

King Gizzard & The Lizard Wizard, Palco Vodafone – 23h15

Logo a seguir, sem tempo para respirar, uma banda com o terço da idade dos Linda Martini e quase o triplo dos álbuns editados. Não é um problema destes últimos, cujo fluxo de lançamentos segue a normalidade do meio. É mesmo uma característica dos australianos King Gizzard & The Lizard Wizard, cujo abismo insondável de energia lhes permitiu editar cinco discos o ano passado (cinco, é isso mesmo, e são todos de estúdio, não há batota aqui), fora a já anterior prolífica discografia. Energia que nos levará a todos numa viagem psicadélica, seguramente acidentada, cheia de asceses da mais variada espécie (e algumas descidas, em mergulho), ainda sempre no primeiro dia do Vodafone Paredes de Coura. Para os iniciados que queiram saltar, dançar, gritar e cantar ao som, tanto das descargas elétricas, como dos ritmos bossa nova da banda, um pouco de estatística prevê que o estudo de Murder of the Universe (2017), Polygondwanaland (2017), Nonagon Infinity (2016) e Flying Microtonal Banana (sim, adivinharam, 2017) será recompensado. Quanto aos amigos de longa-data, já sabem o que esperar: uma performance imprevisível e a melhor versão actual de uma sonoridade que muitos tentaram renovar, limitando-se a estafá-la a ela e a nós.




Vodafone Paredes de Coura | 16 agosto

Vodafone Paredes deCoura 2018
Shame (© Holly Whitaker)

Shame, Palco Vodafone – 19h40

Uma boa maneira de começar o segundo dia – sempre num elevado registo energético – é descobrindo o pós-punk dos britânicos Shame, banda emersa, em 2014, do mesmo pub que, no sul de Londres, viu nascer os Fat White Family e devedora das mesmas grandes influências destes últimos, the Fall, Wire e Gang of Four. Fiéis à origem fortemente política do género, as canções de Songs of Praise, álbum de debute lançado este ano, dão voz, por meio de Charlie Steen, a uma juventude inconformada com a falta de lugar para si no mundo de hoje. Nada de muito original, até agora. Um olhar mais atento percebe, contudo, a novidade presente logo no título do disco, uma alusão a um dos mais antigos programas da BBC, “Songs of Praise”, onde coros angélicos de música gospel competem entre si pelo prémio de melhor do ano e histórias de fé edificam as salas-de-estar inglesas. Uma instituição conservadora que a banda satiriza, por desligada da sua realidade social. Nova também é a consciência de si e do risco que qualquer artista politizado enfrenta ao usar palavras que uma história saturada de manifestos deste género inevitavelmente desgastou. “What’s the point of talking if all your words have been said?”, grita o vocalista logo no tema de abertura do disco, adequadamente intitulado de “Dust on Trial”. Se sim ou não, cabe-nos a nós julgar quando os formos ouvir ao Vodafone Paredes de Coura.

Vodafone Paredes de Coura 2018
Michelle Zauner (Japanese Breakfast)

Japanese Breakfast, Palco Vodafone.fm – 20h30

Menos de uma hora depois, no outro palco, Michelle Zauner, com o projecto a solo Japanese Breakfast, encherá o ar com os seus Soft Sounds from Another Planet, cantando por nós que “I want it all”. Poderemos esperar temas retirados não só deste seu último longa-duração, lançado o ano passado, como também do álbum de debute, Psychopomp (2016). Num e noutro, a cantautora traça caminhos lacerantes ou desenha atalhos cósmicos para lidar com a morte da mãe e sondar o fosso sem fundo da alma humana. Uma voz, a oscilar entre o jazz, r&b e o bedroom pop, navega, flutuando clara e distinta, por sons oriundos do shoegaze, do pós-punk e da electrónica, com laivos de psicadelismo. A sonoridade espaçada, minimalista mas propulsiva construída por Zauner convida a uma tensa reflexão e promete um crepúsculo transcendente, olhos postos no céu à procura das estrelas que, aparecendo uma a uma, vão assinalando o nosso desejo no espaço sideral.

Vodafone Paredes de Coura 2018
Débora Umbelino (Surma)

Surma, Palco Vodafone.fm – 22h20

Sem sair do sítio voltamos a território nacional, mesmo se o nome do projecto a solo de Débora Umbelino ou do seu disco de estreia não o deixam adivinhar. Aqui estamos diante de uma promissora compositora portuguesa, cujo Antwerpen (2017) constou da maioria das listas de melhores do ano e foi nomeado melhor disco independente europeu do ano pela Associação Europeia de Editoras Independentes, ao lado de nomes como The XX, Ibeyi, King Krule, ou Fever Ray. Inspirada no pós-rock de bandas como Sigur Ròs, experimental, mas sempre melódica, a música de Surma socorre-se de teclas, cordas, amostras sonoras, vozes e loops para criar o ambiente sonoro no qual a sua voz se espraia, etérea, distante e ensurdecida, sustentada por um baixo proeminente. Uma textura cantável no seu silêncio e quietude, mesmo se raiada de momentos de dissonância ou explosões melódicas, logo retraídas. Exemplificativo da sonoridade de Surma é o seu cover magnético e arrepiante de “Something in the Way”, dos Nirvana. O espectáculo ao vivo promete a contida intensidade da Grimes dos primeiros tempos, com este projecto de Débora a dever qualquer coisa à atmosfera de um disco como Visions (2012), mesmo se este não será a única influência, com a própria a avançar nomes como St. Vincent e Grouper. Uma recém-chegada a descobrir em Paredes de Coura, já de noite, quando o sol se foi, deixando descer a ilusão das paisagens invernosas do norte europeu que Antwerpen evoca.

Vodafone Paredes de Coura 2018
Fleet Foxes

Fleet Foxes, Palco Vodafone – 23h15

Chegamos a um ponto alto do festival com os Fleet Foxes, banda indie-folk de Seattle, onde os sons do folk e country do final da década de 60, as harmonias vocais dos Beach Boys e a música celta recebem um tratamento experimental de marcada personalidade e distinta originalidade. A banda de Robin Pecknold conheceu uma ascensão apoteótica no final da década de 2000, com o lançamento, em 2008, do segundo EP, Sun Giant (2008), do qual consta uma das canções mais estimadas pelo público, “Mykonos”, e do disco de estreia homónimo. O conjunto das duas obras foi tido pela Pichfork como o melhor álbum desse ano. Embora o segundo longa-duração, Helplessness Blues (2011), tenha sido bem recebido pela crítica, sedimentando a reputação da banda, os longos períodos de digressão, a rapidez do sucesso, a juventude dos membros da banda e a crescente tensão entre eles, ao qual se deveu ou acresceu a saída de Josh Tillman (que fundou depois o seu projecto a solo Father John Misty), levou o líder e principal compositor da banda a convocar um hiato e a ir para a Universidade de Columbia tirar um curso superior, para completar o que sentia como o necessário processo normal de formação de uma pessoa. Que a decisão foi acertada percebe-se pelo terceiro disco, Crack-Up, que a banda veio já apresentar a Portugal no Nos Alive do ano passado e felizmente continua a divulgar entre nós neste seu regresso a terras lusitanas, agora no Vodafone Paredes de Coura.

Vodafone Paredes de Coura 2018
Jungle

Jungle, Palco Vodafone – 00h45

O duo londrino de Josh Lloyd-Watson e Tom McFarland, mais conhecidos por J e T, regressam aos festivais portugueses, depois da actuação no Nos Primavera Sound de 2015, mas também aos palcos em geral, abrindo a nova época de digressões com esta vinda ao Paredes de Coura. Desdobrando-se novamente em sete peças, o grupo far-se-á acompanhar, também desta vez, do colectivo que sustenta as interpretações ao vivo da sua música de estúdio, uma abordagem contemporânea à sonoridade funk e disco da década de 70. O desejo que o duo tem de não limitar o seu espectáculo a duas pessoas, escondidas no seio de uma profusa maquinaria, a premir botões de computadores que apenas reproduzem os sons do álbum, é sinal de uma vivacidade que promete uma experiência intensa nas margens do rio Taboão. Desde o lançamento do single “House in L.A.” e a adição do nome da banda ao cartaz, o duo anunciou oficialmente a vinda em setembro do segundo longa-duração, For Ever, tendo partilhado mais três canções, “Happy Man”, “Heavy, California” e “Cherry”, que esperamos ouvir já neste dia 16.




Vodafone Paredes de Coura | 17 agosto

Vodafone Paredes de Coura 2018
Lucy Dacus (© Julia Rendleman, The New York Times)

Lucy Dacus, Palco Vodafone – 18h30

Uma das novidades imperdíveis (confiem em nós!) é a americana Lucy Dacus, de Richmond, Virginia, cujo homónimo projecto a solo poderemos ouvir pela primeira vez em Portugal, neste Vodafone Paredes de Coura, encarnado e robustecido pela banda de que a compositora se faz acompanhar em digressão.  Esta cantautora vem enfileirar um recente veio do indie rock caracterizado por uma forte presença feminina, feito de vozes de uma confessionalidade nunca trivial, por força da trivialidade dos detalhes particulares e pessoais que oferecem nas suas narrativas, composto por uma textura instrumental minimalista, feita ora de cordas acústicas ou eléctricas sem distorção, ora de notas de teclados a soarem solitárias e cheias de reverberação. Intimista e, por vezes, até gravada em casa, esta sonoridade traz consigo as associações da estética lo-fi da década de 90, mas não os valores de produção, que se aproximam aqui da mais elevada qualidade de estúdio. Desta família fazem parte Vagabon e Jay Som, cantautoras cujos temas puderam ser ouvidos há uns meses no Nos Primavera Sound, Japanese Breakfast e Frankie Cosmos, que acompanham Dacus neste festival, Julien Baker e Phoebe Bridgers, com quem Dacus se prepara para colaborar, ou ainda Snail Mail, Mitski e Tomberlin, que lançaram ou lançarão ainda este ano os seus novos discos. A marca distintiva de Dacus, que a afasta do resto da família, é a sua voz distante e opaca, que se esconde enquanto se oferece, ordena a retirada ainda durante a assertiva ofensiva. Mais impassível mas, talvez por isso, de efeito mais duradouro, permanecem-lhe da voz os ecos que nos transformam quando acabámos há muito de ouvir as canções, e o seu disco Historian faz história em nós no silêncio da vida, sem que reparemos a não ser quando o voltamos a ouvir e descobrimos que a estima cresceu no entretanto. Se é assim no Spotify, imaginem ao vivo. Bom, na realidade, não será preciso imaginar…

Vodafone Paredes de Coura 2018
Kevin Morby, no Porto

Kevin Morby, Palco Vodafone – 19h40

Acredito que não seja a coisa artisticamente mais significativa, mas é talvez a que mais nos conquista. Kevin Morby é um apaixonado pelo nosso país, particularmente pela Invicta. Uma afeição que começou há alguns anos, quando em 2014, tendo ouvido falar bem de Portugal, pediu ao seu agente que lhe arranjasse, à força toda, um concertozinho qualquer por cá, que lhe pudesse também, já agora, financiar uns dias de férias em terras lusitanas.  Esta paixão cresceu com o passar dos anos e o cantor folk americano, cujo talento lhe tem granjeado comparações com as grandes vozes e poesia de Bob Dylan e Leonard Cohen, foi compondo canções sobre o Porto (como “Dorothy” ou “Bridge to Gaia”), onde está há já alguns dias, tendo prometido aparecer no concerto de Paredes de Coura com a T-shirt do FCP. Comprados à partida por este amor irresistível, que nunca deixaríamos sem retribuição, é fácil reconhecer as razões para uma estima mais profunda. A discografia deste saltimbanco do mundo moderno relata a sua vida nómada, enraizada sucessivamente em cidades como Nova Iorque, estrela do seu disco de estreia Harlem River (2013), e L.A., onde vive actualmente, na zona mais rural de Mount Washington, urbe que protagoniza o drama de Singing Saw (2016). Ainda sempre sob o tópico da pólis e dedicado a algumas das suas instâncias, entre as quais (adivinhem) o Porto, o cantautor vem desta vez apresentar City Music (2017). O disco integrou várias listas de melhores do ano e lá estaremos, dia 17, para verificar a acuidade do juízo, mas acima de tudo para lhe mostrar que o seu amor por nós é recíproco e, já agora, ver se a T-shirt lhe fica bem.

Vodafone Paredes de Coura 2018
Frankie Cosmos (© Angel Ceballos)

Frankie Cosmos, Palco Vodafone.fm – 20h30

Greta Kline, filha do actor Kevin Kline (que dispensa apresentações), irmã de Owen Kline (com quem contracenou em The Squid and the Whale), dona do falecido cão Jojo (afamado protagonista do primeiro álbum de estúdio), é a alma de Frankie Cosmos. Ou Frankie Cosmos tornou-se a alma de Greta, passando Greta a ser, simplesmente, Frankie. Frankie e o seu mundo infantil, onde perder o cão traz consigo o primeiro confronto com a morte e leva ao longo mas muito enxuto lamento que é Zentropy (2014). Frankie e a sua adolescência, povoada dos primeiros encontros e desencontros, onde “I’m 20”, “my friends are in love” e “you find the sad in everything”, num Next Thing (2016) cheio de fragmentos por escrever. Frankie e a idade adulta que chega em Vessel (2018), para a levar numa viagem mais abstracta e abrangente, sem nunca conseguir, contudo, expulsar o cão, que se enfia no dito recipiente a tomar banho. Com 26 anos apenas, Greta Kline já tem uma carreira de vários discos caseiros editados no Bandcamp, diversos projectos a solo, dos quais Frankie Cosmos é o mais icónico, três álbuns de estúdio e uma descendência de luxo, se pensarmos que ela é talvez a primeira do grupo destas novas cantautoras lo-fi, indie pop, que em várias entrevistas a citam como influência ou amiga mais velha a ter por perto e a participar numa canção. Frankie já é uma lenda e a maior parte de vocês nunca ouvir falar dela. Diz da sua aversão ao sucesso, da sua personalidade discreta a transpirar por todos os poros dos discos. Será um gosto vê-la finalmente diante de nós, assim como é, a contar-nos a vida em canções. Com toda a descontracção.

Vodafone Paredes de Coura 2018
…And You Will Know Us By The Trail Of Dead

…And You Will Know Us By The Trail Of Dead, Palco Vodafone.fm – 22h20

Source Tags & Codes (2002) fez quinze anos e Conrad Keely e Jason Reece quiseram celebrá-lo… um ano depois, com uma digressão comemorativa assim intitulada e que acompanha, talvez um pouco tardiamente, a reedição do disco em agosto de 2017. No entanto, sempre dentro do estilo iconoclasta da banda, pode acontecer que, em Paredes de Coura, em vez de ouvirmos este disco na íntegra, acabemos por ouvir Madonna (1999), também na íntegra, claro. Talvez porque aquele que é, tanto na cronologia como em aclamação crítica, o segundo álbum dos Trail of Dead vá fazer vinte anos em 2019 e a banda esteja a comemorar este aniversário… um ano antes. O que seja que nos saia na rifa, com a felicidade de uns a ser o desgosto de outros, ficaremos todos, de qualquer maneira, bem servidos porque a fusão de energia pós-hardcore e virtuosismo progressivo que caracterizam os …And You Will Know Us By The Trail of Dead oferecem a garantia de um espectáculo ao vivo intenso, incontornável e insubstituível. É a oportunidade de ver uma banda que, após uma longa carreira feita de todos aqueles sobressaltos que qualquer história com mais de três anos comporta, amadureceu sem perder nada da sua juventude. Depois dos dois álbuns que muitos vêem como o ponto alto da discografia, de um período de meio-de-carreira feito de experiências sonoras mal sucedidas, de um regresso, no início desta década, à sonoridade energética e visceral que lhes trouxera a fama, em IX (2014), os TOD voltaram ao seu momento experimental, mas desta vez com uma exímia contenção e um controlado desafogo, fruto tanto da lição aprendida e do conhecimento entretanto adquirido, como das vivências pessoais do vocalista, que nas letras do álbum reflecte sobre a paternidade e a nostalgia dolorosa de um amor perdido. Este é um momento de encruzilhada para os TOD, segundo Stuart Berman, com rumores de um novo álbum a caminho. Enquanto esperamos para ver o que acontece, comecemos desde já as apostas quanto ao que nos caberá em sorte, daqui a uns dias. Não é por nada, mas espero chegar lá e ouvir os primeiros acordes de “Invocation”…

Vodafone Paredes de Coura
Slowdive

Slowdive, Palco Vodafone – 23h15

Para quem nos tem acompanhado nos últimos tempos, não será surpresa nenhuma se dissermos que este é um dos momentos por nós mais esperados do Vodafone Paredes de Coura. Aqui na MHD não faltam adeptos da música de guitarra em geral e do shoegaze em particular. Não faltam acima de tudo fãs dos Slowdive, cujo vitorioso regresso ao activo vimos com imensa satisfação. Souvlaki (1993) e mesmo Pygmalion (1995) seriam sempre uma herança difícil de superar, até pela própria banda, mas o feito foi conseguido e Slowdive não só revela uma banda em topo de forma como constitui um passo em frente numa identidade que, longe de esboroada pelo tempo e a ausência, soube evoluir na sombra e no percurso pessoal de cada um dos membros. Para a MHD, foi o Melhor Álbum de 2017, com o seu segundo single, “Sugar For The Pill”, a arrancar o galardão de Melhor Música de 2017. Para aqueles de nós que se tinham resignado a nunca poder ouvir ao vivo uma das bandas da nossa juventude, já na altura relegada para a escuridão do subsolo (mãos no ar quem ouviu Slowdive na rádio portugesa, durante a década de 90, ninguém? bem me parecia), eis que a história dá muitas voltas e os vencidos de ontem são o triunfo de hoje. Para ver e ouvir sem falta, a cores nostálgicas e nocturnas, na Praia Fluvial do Taboão, depois do seu magnífico espectáculo no Lisboa ao Vivo, há uns meses atrás.




Vodafone Paredes de Coura | 18 agosto

Vodafone Paredes de Coura 2018
Big Thief (© Shervin Lainez)

Big Thief, Palco Vodafone – 21h20

Pensem na quantidade de música folk, com laivos de country, mediana que existe actualmente no universo. Aquela música sempre agradável, que raramente desinstala o ouvinte, consolando-o nos seus momentos nostálgicos, dando um bom ambiente à sala-de-estar onde o mesmo se atarefa em mil afazeres, nenhum deles o de ouvir música. Aquelas canções onde é fácil passar por poeta porque o género é palavroso. Ruído a mais que apenas dificulta a vida a quem tem, de facto, alguma coisa a dizer neste campo. Imaginem, por isso, quão discreto foi o começo de Adrianne Lenker, uma autóctone do Minnesota transplantada para Brooklyn, Nova Iorque. Começou por produzir algum material a solo, depois juntou-se a Buck Meek, acabando por formar os Big Thief e lançar, em 2016, Masterpiece, disco de estreia cuja pouca recepção crítica que teve foi boa mas que, de um modo geral, passou por baixo dos radares da maior parte dos media e do público alargado. Foi só com Capacity, editado o ano passado, que o mundo se deu conta dos talentos narrativo e de composição de Lenker, com este segundo longa-duração a constar em inúmeras listas de melhores do ano, inclusive a nossa. Big Thief, que aliás integra o catálogo da Saddle Creek, o selo de Conor Oberst, dos Bright Eyes, não está longe em sensibilidade da família já referida de Japanese Breakfast e Lucy Dacus. Embora sob o pano de fundo de um instrumental mais ritmado, mais orientado para a música de banda do que para a cantautoria, reencontra-se aqui a mesma característica abordagem de ferida exposta aos temas líricos, sempre feita contudo através do filtro do tempo e da meditação prolongada, que faz conviver, até mesmo ao nível do desempenho vocal, a emotividade dos assuntos, tirados da carne da vida, com o distanciamento irónico da reflexão. Os Big Thief trazem-nos histórias que interessa ouvir e são seguramente uma das bandas a descobrir, pelo menos neste radar que é o Vodafone Paredes de Coura.

Vodafone Paredes de Coura 2018
Dead Combo

Dead Combo c/ Mark Lanegan, Palco Vodafone – 23h15

Regressamos a território português com os Dead Combo. A dupla de Tó Trips e Pedro Gonçalves já provou bem a sua originalidade e carisma, fundada na sempre cada vez maior capacidade de integrar numa base de rock sons vindos distintamente da nossa cultura, como o fado, mas também de outras proveniências que alargam o escopo da sua música ao mundo, com elementos de tango, flamenco e música africana a emergirem flexivelmente na sonoridade global. A banda vem agora apresentar, ao Vodafone Paredes de Coura, o sexto álbum de estúdio, Odeon Hotel, lançado em abril pela Sony Music e com a produção a cargo de Alain Johannes, que já trabalhou com bandas como Queens of the Stone Age e PJ Harvey. A canção “I Know, I Alone”, cuja letra consiste num poema de Fernando Pessoa, conta com a colaboração de Mark Lanegan. O cantor e compositor norte-americano, que começou a carreira como membro da banda grunge Screaming Trees e integrou durante anos os QOTSA, para além de ter produzido e colaborado com diversos artistas, irá juntar-se ao duo no concerto para uma performance ao vivo muito especial. O duo será ainda acompanhado de Alexandre Frazão, na bateria, Gui, nos sopros e teclados, e António Quintino, no baixo, contrabaixo e guitarras.

Vodafone Paredes de Coura 2018
Arcade Fire – Guy Aroch

Arcade Fire, Palco Vodafone – 01h00

Talvez mais adequadamente descrito como um ensemble musical, com a sua sonoridade fortemente orquestral, os Arcade Fire alcançaram a notoriedade com o seu disco de estreia Funeral (2004), cujo estatuto de clássico instantâneo é indiscutível. Longe de ser um chavão gótico, o título é sincero e identifica a substância do álbum. Nele, a banda de Montreal, entretecida de relações familiares, reflecte e supera conjuntamente o drama da morte que assolara, nessa altura, vários dos membros a diversos níveis. O terceiro registo, Suburbs (2010), vencedor de vários prémios, incluindo o Grammy para Melhor Álbum do Ano, granjeou-lhes o reconhecimento do público alargado, consolidando a fama dos Arcade Fire como uma das grandes bandas de rock da actualidade, e não só. O registo seguinte, Reflektor (2013), que contou com a produção de James Murphy, assinalou uma viragem de direcção, com a sonoridade indie rock da banda a inflectir para a pista de dança e a integrar veios de funk e disco, aproximando-se de artistas como os Daft Punk ou, muito naturalmente, os próprios LCD Soundsystem. Os Arcade Fire vêm agora apresentar o seu mais recente longa-duração, Everything Now, lançado o ano passado. Embora a recepção crítica tenha sido variada, com muitos a apontar o dedo à falta tanto de inspiração composicional como do optimismo que desde sempre caracterizou os canadianos, é de esperar que as melhores canções do álbum, tocadas ao vivo e no contexto da restante obra, ganhem vivacidade e revelem traços que a gravação de estúdio obnubila. Mesmo se há vozes discordantes, a força das suas performances ao vivo é inegável e a estima generalizada que os Arcade Fire reúnem em torno de si só pode ser sinal de uma capacidade de falar de todos e por todos. Nada mais natural do que ir ao Vodafone Paredes de Coura cantar com aqueles que muitos vêem como um dos grandes porta-vozes do mundo de hoje.

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