Glenn Close e Mila Kunis protagonizam “Quatro Dias a Teu Lado” de Rodrigo Garcia. O filme, sobre a relação complicada entre uma mulher toxicodependente e sua mãe, foi nomeado para o Óscar de Melhor Canção Original. A compositora Diane Warren assim conquista a sua 13ª indicação para os Prémios da Academia, um triste recorde quando se considera que ela ainda não ganhou. Não será a melodia de “Somehow You Do” que lhe ganha o troféu, temos que dizer.
Em 2016, Eli Saslow publicou um artigo no Washington Post intitulado “How’s Amanda? A Story of Truth, Lies and an American Addiction.” O texto explorou a toxicodependência na América contemporânea através de um caso singular, de Amanda Wendler. Esse trabalho jornalístico serviu de base para o argumento que Saslow viria a escrever, fazendo ficção do real e dando estrutura dramática aos ritmos erráticos do vício e suas vítimas. O cineasta Rodrigo Garcia também ajudou com o guião e, mais tarde, realizou o filme que nasceu do artigo.
Tudo começa quando Molly Wheeler volta à casa da mãe, Deb. A visita é inesperada e, em certa medida, indesejada. Nas últimas décadas, a mulher mais nova tem vindo a perder-se no abuso de substâncias, caindo em espirais de vício descontrolado. Já muitas vezes ela tentou a desintoxicação, mas qualquer resultado positivo foi somente temporário. Reabilitação real nunca aconteceu, fazendo da vida da família uma montanha russa de altos e baixos, muitas mentiras e traições. Se alguma vez houve confiança entre o par de mãe e filha, ela há muito se esgotou. Agora, só existe suspeita e paranoia.
Por isso mesmo, as palavras de Molly sabem a falsidade. Ela apareceu à porta da casa materna com súplicas na boca, pedindo ajuda para mais uma tentativa de desintoxicação. Jurando a pés juntos que genuinamente busca a sobriedade, lá a filha consegue derreter um pouco o coração da mãe. A dúvida persiste, mas Deb leva-a à clínica e é lá que “Quatro Dias a Teu Lado” ganha o título. Nesta 15ª tentativa de vencer o vício, Molly tentará tomar um antagonista opioide, medicamente que impedirá as drogas de surtir efeito e assim ajudará no caminho para a reabilitação.
Só há um problema, Molly tem de estar completamente desintoxicada para levar a injeção. Caso contrário, o choque do organismo poderá ter consequências fatais. Assim sendo, mãe e filha passam quatro dias juntas, sofrendo os horrores do desmame e a ambivalência criada por desconfianças acumuladas. O seu suplício é tanto físico como emocional, um desenterrar de memórias teimosas que ambas as mulheres tentam esquecer sem sucesso. Na sua essência, estamos perante um estudo de personagem a resvalar para o melodrama.
“Quatro Dias a Teu Lado” pode extrair sua história de um caso verdadeiro, mas a natureza do projeto segue um modelo estereotípico de Hollywood. Tal como “O Bem Está de Volta” e “Beautiful Boy,” a obra de Garcia centra-se na dinâmica entre dois atores famosos, um deles veterano do grande ecrã cuja nobreza de espírito é anunciada e celebrada na narrativa. São filmes sobre pais e seus filhos viciados, homenagens à resiliência humana que, não obstante as boas intenções, tendem a trespassar desejos mercenários.
Neste tipo de projeto, raramente o foco está no franco olhar para com uma crise moderna de adicção. Pelo contrário, o edifício fílmico constrói-se numa base de pirotecnia interpretativa e adulação da celebridade. O que interessa não é a autenticidade do conto, mas o modo como seus preceitos servem para levar os atores ao rubro. Um deles trabalha num registo anti glamour, caindo no precipício da miséria. O outro é convidado a explodir em paroxismos de devoção, lágrimas e rancor. Trata-se de um exercício em excesso sentimentalista e pouco mais.
Enfim, o que não resulta enquanto trabalho dramatúrgico ou cinematográfico lá mostra valor no patamar da atuação. Mila Kunis e Glenn Close protagonizam a fita, interpretando Molly e Deb respetivamente. Se a mais nova se deixa levar em demasia pelos tiques e pela cosmética grotesca, a atriz com mais nomeações para os Óscares sem uma única vitória brilha incandescente. Nada no papel evita o cliché, mas Close rende-se à intensidade da situação, delineando as barreiras sinuosas entre ceticismo nascido do trauma e o amor de mãe.
Nas suas mais explosivas cenas, a atriz quase recorda Shirley MacLaine no célebre “Laços de Ternura.” Seus olhos transmitem uma exaustão quase espiritual, como se Deb estivesse sempre no limiar do choro, sempre pronta a cair na desolação apesar de se manter firme. Para fãs da atriz, “Quatro Dias a Teu Lado” é visionamento obrigatório. Supomos que os maiores devotos dos Óscares também devem tentar ver a fita. Afinal, se Glenn Close é uma célebre perdedora na história dos prémios, o recorde de Diane Warren é ainda maior. Com sorte, um dia ambas as artistas terão os troféus doirados que tanto merecem.
Quatro Dias a Teu Lado, em análise
Movie title: Four Good Days
Date published: 26 de March de 2022
Director(s): Rodrigo García
Actor(s): Glenn Close, Mila Kunis, Stephen Root, Carla Gallo, Carlos Lacamara, Audrey Lynn, Nicholas Oteri, Joshua Leonard
Genre: Drama, 2020, 100 min
Cláudio Alves - 45
45
CONCLUSÃO:
Sem fugir ao cliché ou ao melodrama, “Quatro Dias a Teu Lado” conta uma narrativa importante, mas não chega a nenhuma conclusão com valor. É um filme que se recomenda pelos atores, tal como acontece com muitas obras do realizador Rodrigo Garcia. Supomos que a canção de Diane Warren que encerra a fita também merece alguns aplausos.
O MELHOR: Glenn Close!
O PIOR: O guião que Garcia e Saslow conceberam é uma coleção de lugares comuns sem nada de novo a dizer sobre os temas importantes que se propõem a explorar. Evitar retórica política quando estudando tal assunto remete para uma certa covardia do artista.
Licenciado em Teatro, ramo Design de Cena, pela Escola Superior de Teatro e Cinema. Ocasional figurinista, apaixonado por escrita e desenho. Um cinéfilo devoto que participou no Young Critics Workshop do Festival de Cinema de Gante em 2016. Já teve textos publicados também no blogue da FILMIN e na publicação belga Photogénie.