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O estilo fantasioso de O Quebra-Nozes e os Quatro Reinos

Depois de uma carreira marcada por filmes de época ingleses e “Mad Max: Estrada da Fúria”, a figurinista Jenny Beavan chega agora ao universo Disney com “O Quebra-Nozes e Os Quatro Reinos”.

Seguindo a tradição de “Alice no País das Maravilhas” de Tim Burton e sua sequela, “O Quebra-Nozes e os Quatro Reinos” reconfigura um conto infantil clássico do século XIX no modelo de uma aventura épica, cheia de efeitos visuais gerados por computador e coloridas personagens. Esta megaprodução da Disney teve uma rodagem bem atribulada, tendo até de trocar de realizador, mas os resultados que podemos agora ver no grande ecrã em nada denotam tais percalços. De facto, entre os dois filmes sobre Alice, “Bela e o Monstro”, “Maléfica”, “Cinderela”, esta confeção natalícia destaca-se como uma das propostas mais visualmente sofisticadas. Tal virtuosismo estético não dependeu só da imaginação dos realizadores Lasse Hallström e Joe Johnston.

De facto, muito crédito deve ser dado à fabulosa equipa técnica e criativa, que reúne em si alguns dos maiores nomes daqueles que trabalham atrás das câmaras de Hollywood. O diretor de fotografia foi Linus Sandgren, Oscarizado pelo seu trabalho em “La La Land”. Ele filmou esta aventura em película de 65mm, trazendo uma materialidade aliciante à imagem e grande profundidade cromática às criações coloridas do cenógrafo Guy Hendrix Dyas e da figurinista Jenny Beavan. Pela sua parte, estes veteranos do cinema internacional, trabalharam juntos de modo a construírem um visual coerente, em que todos os elementos se complementam e trabalham juntos para criar um sonho cinematográfico.

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O filme prima pelo seu visual faustoso, cheio de detalhe e cores vibrantes.

Veja-se, por exemplo, o jogo de cores e estilos em evidência na festa natalícia do relojoeiro Drosselmeyer. As paredes do casarão são de um vermelho intenso que parece ter saído de um filme de Ingmar Bergman, enquanto as pessoas no seu interior se vestem maioritariamente de preto, no caso dos homens, e tonalidades de creme e rosa no caso das mulheres. No meio de tal postal festivo, o vestido malva de Clara Stahlbaum, nossa protagonista salta à vista, mas o contraste que estabelece com o ambiente não é feio. Na verdade, quando ela começa a seguir um fio amarelo em busca de uma prenda, o vermelho das paredes e os matizes de azul da sua indumentária combinam-se num equilíbrio de tons primários saturados. É simplesmente magnífico.

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Clara enverga este belíssimo vestido malva para a festa de Natal na casa de Drosselmeyer.

Graças a tais combinações, “O Quebra-Nozes e Os Quatro Reinos” emula os filmes da era prateada dos estúdios de animação Disney como “Cinderela” e “A Bela Adormecida”, mas também sugere a memória dos grandes musicais Technicolor dos anos 50. Não que, verdade seja dita, os esforços e triunfos de Beavan se resumam somente ao trabalho da cor. Essa mesma festa no início da narrativa constitui uma montra para a habilidade da figurinista em filtrar estilos históricos (o filme passa-se em 1875) através de uma perspetiva fantasiosa e em construir caracterizações detalhadas através do que uma figura escolhe vestir.

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A mãe de Clara morreu antes do filme começar e, neste primeiro Natal sem a matriarca, a irmã da protagonista enverga um antigo vestido cor-de-rosa da progenitora, incluindo-se harmoniosamente no meio das restantes convidadas da festa. Clara, pelo contrário, está em discordância com o mundo que a envolve, tanto na mansão vitoriana, como no mundo fantástico da Floresta de Natal. Aí, estando numa paisagem coberta de neve, a qualidade leve e translúcida do vestido malva torna-se algo absurdo. Felizmente, ela não passa o resto do filme em tais preparos e tem muito tempo para interagir com uma panóplia de figuras cujo estilo é verdadeiramente inesquecível.

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Apesar da fantasia, Beavan escolheu precisas referências históricas para vestir os habitantes dos quatro reinos.

Todos os habitantes destes quatro reinos foram em tempos bonecos e jogos a quem a mãe de Clara deu vida, pelo que o seu design é, em parte, baseado em brinquedos da época. A corte do reino dos Doces e os habitantes do Reino das Flores e do Reino dos Flocos de Neve vestem roupas inspiradas no século XVIII, pois Beavan imaginou que eles pudessem em tempos ter sido figurinhas de porcelana. Tais objetos, oriundos de Staffordshire, eram muito populares no século XIX e a figurinista imaginou que o mundo fantástico, por muita magia que tivesse, seria sempre um eco de memórias, do quotidiano da sua criadora, a mãe adorada de Clara.

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Não há nenhuma contenção ou elegância nos figurinos dos regentes. Só excesso e espetacularidade.

Os epítetos desta estética baseada em nostalgia infantil e magia Disney são os regentes dos reinos titulares. Shiver, líder das terras geladas, é uma maravilha de maquilhagens e efeitos práticos associados a um figurino espampanante, cheio de detalhes a imitar cristais de neve e gelo. Seu design é completamente baseado em linhas setecentistas, com exceção da gola armada que veste em momentos mais formais. Hawthorne, senhor das flores, tem o mesmo estilo, mas, ao invés de cristais gelados, tem arranjos florais multicoloridos.

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A fada açucarada ajuda Clara a parecer uma rainha digna do trono dos quatro reinos.

É claro que a verdadeira estrela do guarda-roupa de “O Quebra-Nozes e os Quatro reinos” é a figura de Keira Knightley, que também é o melhor e mais maníaco desempenho do filme. A fada regente da Terra dos Doces enverga uma construção feita de mais de 100 metros de organizas em tonalidades de ameixas cristalizadas e uma ostentosa crinolina. Um dos detalhes mais divertidos do filme é o modo como a posição das alças do vestido reflete a sua posição na guerra da história. Em contraste, a putativa vilã do filme veste-se com base em tendas de circo e bonecas feitas de retalhos. Ela é a Mãe Ruiva, interpretada por Helen Mirren, suas referências históricas são barrocas e a paleta cromática é feita de laranjas.

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Helen Mirren tem direito a um dos figurinos mais detalhados do filme.

Vermelhos e doirados, curiosamente, são as cores de Clara e das forças militares leais à coroa, como o quebra-nozes titular e os outros soldados. Depois de ter sido aperaltada em trajes doirados pela fada Sugarplum numa das cenas mais faustosas do filme, Clara enverga uma adaptação do uniforme militar do seu exército para lutar contra a Mãe Ruiva. Trata-se de um design baseado em trajes oficiais do século XIX levado a extremos de ornamentação com pormenores doirados e bordadura a marcar as pregas da saia. De entre todos os seus figurinos, a jovem atriz Mackenzie Foy disse que este era o seu favorito. Considerando que o guarda-roupa dela incluía um vestido vagamente renascentista com luzinhas incorporadas, essa é uma afirmação de peso.

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O uniforme militar é o figurino preferido da atriz Mackenzie Foy.

A acrescentar-se ao grande feito de Beavan, incluem-se ainda duas sequências de dança, onde a figurinista de “Mad Max: Estrada da Fúria” vestiu a bailarina Misty Copeland em estilos baseados no ballet clássico. Alguns detalhes em cristal e bordado dão ao figurino sua componente mais fantástica, integrando-o perfeitamente no vistoso e enorme guarda-roupa do filme que, ao todo, envolveu cerca de 1500 peças diferentes. Tais esforços herculanos por parte de Beavan podem vir a resultar em mais uma nomeação para o Óscar. Mesmo que tal não se materialize, é certo que as contribuições da figurinista levaram a que “O Quebra-Nozes e os Quatro Reinos” seja um dos filmes mais visualmente apetecíveis da época festiva. É um verdadeiro festim visual em que todos os pratos são sobremesas elaboradas.

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As sequências com Misty Copeland são as mais belas do filme.

Fica atento à nossa rubrica Figura de Estilo, de modo a ires descobrindo alguns dos melhores trabalhos de figurinos do pequeno e grande ecrã.

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