Apresentação do Festival Internacional de Cinema Queer para 2020

Queer 2020 | Entrevista exclusiva ao diretor artístico João Ferreira

A MHD teve uma conversa exclusiva com João Ferreira, o diretor artístico do Festival Queer que regressa a partir de 18 de setembro. 

De 18 a 26 de setembro na capital portuguesa decorre a 24ª edição do Queer Lisboa que depois passará pelo Porto, entre os dias 13 e 17 de outubro, naquela que será, por sua vez, a 6ª edição do festival na cidade norte do país. Como forma de antecipar o Festival, a Magazine.HD entrevistou o diretor artístico João Ferreira, que já tem vários anos de Queer e que tem vindo a participar em debates sobre as suas temáticas um pouco por toda a Europa e até pelo Brasil.

Queer
© Queer

Na nossa conversa com João Ferreira falámos sobre as propostas do Queer – Festival Internacional de Cinema Queer para 2020, ano em que os festivais de cinema têm assumido um papel determinante na luta pela sobrevivência pelo espaço escuro da sala de cinema. Na verdade, o Queer tem um papel fulcral nesta batalha, por ser o festival de cinema mais antigo de Lisboa. Desde o seu nascimento em 1997, o Queer tem procurado apresentar filmes com uma abordagem mais vasta, espelho desta nossa sociedade diversificada, e de forma a não cair em rótulos ou categorizações baratas sobre a identidade, o género e a sexualidade em permanente mutação. De facto, a incorporação e amplitude destas temáticas em filmes não só independentes como também de circuito mainstream, prova a grande vontade dos cineastas em discutir e analisar estas metamorfoses sociológicas e culturais.

Só assim conseguirá o Queer manter de pé os seus valores que ao longo do tempo têm cativado novos públicos, tentando abraçar sobretudo novas gerações.

O Festival é procurado por um crescente número de espectadores, interessados numa programação inédita e eclética, e sempre complementada por um conjunto de atividades paralelas, textos teóricos de suporte às exibições, edição de livros, pela presença de convidados internacionais, para além de todo o ambiente criado nos dias do evento. Entendemos um festival de cinema como uma experiência comunitária e presencial, um espaço de encontro e confronto de ideias, cada vez mais relevante num mundo mergulhado na experiência virtual em solitário.

Dos filmes exibidos, destacamos, desde logo, “Los Fuertes“, obra de Omar Zúñiga dará início ao Queer Lisboa amanhã dia 18 de Setembro, enquanto “Petite Fille“, de Sébastien Lifshitz, foi escolhido para a sessão de encerramento.

As temáticas gay, lésbica, bissexual, transgénero, transsexual, intersexo e de outras sexualidades e identidades não-normativas, poderão ser conhecidas este ano no Cinema São Jorge e na casa do cinema nacional: a Cinemateca Portuguesa em Lisboa. No Porto o orgulho celebra-se no Teatro Rivoli e na Reitoria da Universidade do Porto. Poderás descarregar o programa completo do Queer aqui.

Antes de leres a nossa entrevista a João Ferreira assiste ao spot oficial do Queer Lisboa 24, prova de como o Festival quer mostrar o amor em tempos de pandemia.

Queer regressa em setembro e outubro em Lisboa e no Porto

MHD: Qual o papel de um diretor artístico em todos os processos de produção de um festival de cinema?

JF: No fundo é um trabalho de supervisão amplo de todo o festival. O papel do diretor artístico é, de juntamente com a equipa de programadores, ajudar e pensar em alguns conceitos que sejam importantes de trabalhar em cada edição do Queer.

Na realidade, o diretor artístico está responsável por olhar para os filmes que foram submetidos e passaram a estar disponíveis para programar e, depois disso, encontrar uma linha de orientação que permita fazer determinadas leituras. Trata-se de juntar as necessidades artísticas, práticas e logísticas do festival e formar um todo que seja realmente coerente.

MHD: O Queer Lisboa e o Queer Porto 2020 tiveram menos verbas devido aos cortes orçamentais reajustados à atual pandemia. Porque razão continua a ser cultura o setor mais martirizado em situações de crise?

JF: Essa pergunta não é nada fácil de responder. Obviamente compreendemos que numa situação de pandemia, que é uma novidade, existam emergências médicas em relação às quais o governo português – e os governos em geral – têm que fazer frente. A questão é que, e como diz realmente, a cultura é sempre o setor mais afetado e isso é infelizmente uma desvalorização que está entranhada na nossa cultura política.

Lamentavelmente, os nossos diferentes ministros da cultura não têm conseguido inverter esta situação. Digo mesmo que é uma situação bizarra porque, na verdade, comparado com o orçamento geral que o estado tem para distribuir pelas diferentes áreas governativas, a cultura não precisa assim de tanto apoios. Neste sentido, espero que saia desta pandemia uma maior sensibilização para o setor e para que esta situação se altere.

EL PRINCIPE
“El Principe” ©Queer Lisboa 2020

MHD: Apesar de tudo isso, parece que nos últimos anos Portugal estava a crescer em termos de ofertas de festivais de cinema, de norte a sul do país. Não acha?

JF: Sim, isso é verdade e é fácil de explicar. Hoje percebemos o porquê de existirem cada vez mais festivais de cinema. Por um lado, a oferta das salas comerciais é cada vez mais condicionada pelos grandes distribuidores, por outro responde cada vez menos àquilo que as pessoas procuram. A programação das salas de cinema está cada vez menos relacionada com a arte e está cada vez mais relacionada com os poderes económicos.

O certo é que essas salas de cinema estão em crise e há um público que quer ver cinema de autor e que encontra resposta nos festivais e nas salas independentes com uma larga oferta de programação. Acho que é uma mudança que vamos assistir ainda mais nestes próximos anos.

MHD: A edição do Queer deste ano terá filmes de Peter Strickland, Jennifer Reeves e Karol Radziszewski, entre outros nomes. Porquê estas escolhas?

JF: Gostaria de deixar claro que quando começámos a preparar a edição deste ano nem sabíamos se esta iria acontecer fisicamente. A partir de certa altura percebemos que essa realidade ainda era provável, só que estaríamos condicionados não só a nível orçamental, mas pela restrição de trazermos convidados.

Então pensámos em jogar com uma série de conceitos que foram esses do “Cruising, Sex, Bodies, Skin, Play e Memory” e, portanto, a presença destes realizadores vai ao encontro de explorar estes conceitos. A nossa ideia vai um bocadinho adiar esta exigência do distanciamento físico, que agora estamos sujeitos, e pensar no cinema Queer como uma cultura de desejo fortemente relacionada com o toque. Organizámos um conjunto de filmes de artistas menos conhecidos para pensar na importância da proximidade.

la casa dell amore
“La Casa dell’Amore” ©Queer Lisboa 2020

MHD: Que outros filmes considera essenciais nesta edição?

JF: Conseguimos uma seleção variada, que vai tocar em diferentes temas hoje importantes para a cultura queer, e fortemente sentidas no cinema que se fez nos últimos dois anos aproximadamente.

Teremos por exemplo um filme de encerramento do Sébastien Lifshitz, que já foi nosso convidado no passado e, cuja cinematografia que temos acompanhado. O seu filme “Petite Fille” fala de uma questão do género numa rapariga muito jovem e, na maneira como os pais vão lutar pela sua identidade. Teremos também uma sessão ao ar livre na esplanada da Cinemateca Portuguesa que se trata de uma obra clássica do Lionel Soukaz em parceria com o Guy Hocquenghem de nome “Race d’Ep!”. Este foi um documentário central sobre as origens do ativismo em França.

Posso dizer que foi um ano bom em termos de colheita do cinema queer. Teremos ainda um filme brasileiro apresentado em Berlim intitulado “Vento Seco” do Daniel Nolasco, em competição nas longas-metragens. Nos documentários, há que assinalar o regresso do Gustavo Vinagre com “Vil, Má” e ainda a presença do documentário “Welcome to Chechnya” do David France, sobre a atualidade da comunidade LBGTI na Chechénia. São muitos filmes que vão ao encontro das problemáticas faladas antes com linguagens muito diversas.

les nuits de allonzo
“Les nuits de Allonzo” ©Queer Lisboa 2020

MHD: Quais têm sido os maiores desafios da linguagem queer do cinema dos últimos tempos?

JF: Eu julgo que estes maiores desafios prendem-se sobretudo às histórias que queremos contar e das realidades que queremos retratar e adaptar isso às diferentes plataformas que temos hoje disponíveis para o cinema.

Há, no entanto, uma coisa que eu sinto que não tem mudado e está relacionada com a pouca atenção que os cineastas têm tido no retrato dessa realidade – seja documental, ficcional, longa ou curta metragens, seja experimental, seja mesmo através da animação -, de procurar que a cultura queer seja transposta em todas as plataformas. Há aqui uma questão obviamente geracional, ou seja, de procurar mostrar essas histórias às novas gerações e que irrompe como um dos principais desafios.

A responsabilidade do nosso festival é de total abertura, para receber e comunicar os novos objetos artísticos de diferentes formas e aos diferentes públicos.

O Queer Lisboa começa a 18 de setembro e segue até ao próximo dia 26 de setembro. Já o Queer Porto decorre entre 13 e 17 de outubro. Conhece cada um dos filmes e assiste aos trailers na página oficial do festival

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