"Minyan" | © QueerLisboa

QueerLisboa ’21 | Minyan, em análise

Minyan” usa o contexto religioso e social de uma comunidade judaica na América dos anos 80 para explorar a autodescoberta de um jovem homossexual. O filme está na Competição Narrativa do QueerLisboa 2021.

Há alguns anos, a “Desobediência” de Sebastian Lelio passou no QueerLisboa, contando a história de uma mulher lésbica de regresso temporário à comunidade judaica ortodoxa que a rejeitou. Essa foi uma ilustração das ligações complicadas que ficam mesmo depois da separação decisiva, retrato centrado numa figura adulta já distante das inseguranças da juventude, da descoberta dos desejos que levou ao cisma e consequente ostracização social. Este ano, uma obra com milieu semelhante passa na competição principal do festival. Tal como o filme de anos passados, prima pelo sentido de especificidade autêntica.

Passando de Londres contemporânea para a Nova Iorque dos anos 80, de uma mulher adulta para um rapaz adolescente, quase poderíamos caracterizar “Minyan” como um antecedente desse tipo de história. Aqui, ao invés de revisitarmos uma comunidade abandonada, encontramos o momento em que o indivíduo queer questiona o seu lugar dentro do contexto religioso ortodoxo. O nosso herói é David, um adolescente estudante de yeshiva e filho de imigrantes judaicos de origem Russa, um rapaz encurralado na interseção da identidade sexual, fé e visão de si mesmo enquanto forasteiro na América.

minyan critica queerlisboa
© QueerLisboa

Nessa vertente, o conflito interno reflete um conflito religioso, onde questões são sempre recebidas com mais questões e nunca uma resposta final. Também existe uma componente familiar, crispações causadas por um pai abusivo e uma mãe incapaz de compreender o filho. É a relação próxima com o avô que acaba por abrir portas a um novo mundo para David. Acontece que uns vizinhos do senhor são casal homossexual, dois indivíduos discretos e envelhecidos, que parecem ter conseguido encontrar o equilíbrio difícil entre a fidelidade ao judaísmo russo e a verdade do seu coração, do seu sexo e imaginação.

Mesmo com o espectro da morte, da SIDA, abatendo-se sobre estes homens, David vê neles um raio de esperança, de possibilidades impossíveis de verbalizar. Seguindo o apelo desses pensamentos, esta narrativa emoldurada por ritos fúnebres, procura a vitalidade da noite nova-iorquina. Na companhia de um barman erudito, da prosa de Baldwin e o sabor do vodka, o jovem expressa nova plenitude e encontra novos prazeres também. Contudo, numa boa tradição judaica, a história é sempre inconclusiva e David é um Hamlet Becketiano, perpetuamente buscando um ponto final elusivo.

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Verdade seja dita, apesar da ligação judaica entre os dois trabalhos, “Minyan” quase se assemelha mais ao “Spa Night” de Andrew Ahn na História do QueerLisboa. De facto, ambas as obras se centram num registo de observação íntima, quase microscópica de um protagonista taciturno. A câmara examina a face jovem em busca das emoções que se escondem debaixo do estoicismo masculino. Se Joe Seo teve um desempenho sublime nesse “Spa Night”, o protagonista de “Minyan” não lhe fica muito atrás. Essa abordagem de lente perseguidora, tão próxima como o beijo de um amante, mostra ser o veículo perfeito para Samuel H. Levine traçar uma caracterização subtil.

Trata-se de uma tour de force que vive nas micro-expressões, nos olhares desviados, nos gestos abortados. Contudo, é aqui que a comparação com títulos de edições anteriores se afigura como desgraça para “Minyan” e seu maravilhoso ator principal. Apesar de estar só na casa dos 20, Levine nunca convence como um adolescente inseguro. Sua linguagem corporal está toda errada, o discurso físico revelando a confiança de um intérprete confortável com o corpo ao invés de uma mente a tentar aceitar os desejos da carne. Felizmente, o foco na cara adulta também sublinha o virtuosismo do ator, sua capacidade para transcender o casting duvidoso.

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© QueerLisboa

Se as cenas na escola nos fazem torcer o nariz, os serões passados com um amante mais velho primam pela careza de sentimento e sensualismo iluminante. Através da história de David e o primoroso trabalho de Levine, o realizador Eric Steel assim faz uma promissora transição do documentário para a ficção. Contudo, não querendo elogiar em demasia, devemos mencionar quanto a ambiguidade de “Minyan” tanto abençoa como trai o impacto final da fita. Apesar das simetrias na estrutura textual e no conto de David Bezmozgis em que o filme se baseia, o trabalho peca pela amorfia. Um elemento entendível no reino da não-ficção, tende a drenar poder neste paradigma narrativo. Ao invés de um bravo ato de resolução negada, a evasão de Steel sabe a imprecisão e cheira a um orgasmo interrompido, tudo suor e frustração.

Minyan, em análise
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Movie title: Minyan

Date published: 20 de September de 2021

Director(s): Eric Steel

Actor(s): Samuel H. Levine, Brooke Bloom, Mark Bruk, Alex Hurt, Carson Meyer, Mark Margolis, Zane Pais, Chris Perfetti, Ron Rifkin

Genre: Drama, 2020, 118 min

  • Cláudio Alves - 70
70

CONCLUSÃO:

“Minyan” captura um momento de transição na vida de um protagonista adolescente, concebendo um bildungsroman cinematográfica feito à medida do judaísmo nova-iorquino de décadas passadas. Ancorado por boas prestações e um laivo de erotismo subtil, a obra propor mais questões do que responde. Neste caso, isso tanto beneficia a obra como traz alguma frustração ao espetador. Nem sempre a reticência é preferível ao ponto final. Aqui, transmite a ilusão de insegurança, uma acusação estridente de inanidade. De forma geral, contudo, recomendamos “Minyan” vivamente.

O MELHOR:  A expressividade em surdina de Samuel H. Levine, uma luta nos balneários, uma manhã erótica na cama com um novo amante.

O PIOR: A música transitória é um truque risonho no início, mas, chegada a segunda hora da fita, parece-nos muito esquemático enquanto mecanismo. Alguma variação nas ululações do clarinete e o violino era bem-vinda. Além disso, a vertente histórica do filme nunca parece ser muito explorada.

CA

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