"Jimmy in Saigon" | © Peter McDowell Productions

Queer Lisboa ’22 | Jimmy in Saigon, em análise

Em “Jimmy in Saigon,” o projeto do cinema documental torna-se numa investigação sobre história familiar, segredos antigos e verdades ignoradas durante décadas. O realizador Peter McDowell já levou o seu filme a vários festivais, incluindo o prestigioso BFI Flare em Londres. No Queer Lisboa 26, a fita integrou a competição para o prémio de Melhor Documentário.

Todos lidamos com a perda de modo diferente. Para alguns, a melhor maneira de encarar o trauma é afastando-o, fechando a dor numa caixinha atirada para os confins da psique e da memória. Deixar o passado ser passado, jamais intruso no presente, é o modo como muitos processam a agonia de perder quem mais amam. Outros, contudo, preferem confrontar o trauma de forma direta, uma colisão frontal em jeito de catarse. Para artistas, em particular, o ato de criar pode ser um veículo para esse luto, uma forma de criar um diálogo com o vazio deixado por quem partiu. No cinema, tais esforços podem tomar várias formas, entre elas o documentário.

jimmy in saigon critica queer lisboa
© Peter McDowell Productions

“Jimmy in Saigon” segue essa linha de pensamento, reescavando a História de uma família à procura de respostas, à procura de uma conclusão inalcançável. Peter McDowell é nosso guia nesta viagem pelas marés da memória, realizador americano cujo clã há muito se interroga sobre o que terá acontecido a Jimmy, seu irmão mais velho. Parte dos movimentos contracultura dos anos 60, ele era membro dessa juventude dessatisfeita com a América de Nixon que se viu forçada a servir na Guerra do Vietname. Ao contrário de outros soldados forçados à vida militar, Jimmy decidiu regressar à nação asiática, acabando por lá encontrar o seu fim, em 1972, quando morreu no Saigão.

Seu trágico fado foi cataclismo que reverberou por toda a família, mas já há anos que uma distância se abria qual fissura sísmica entre o homem e o seu sangue. De facto, perda é um fenómeno sentido por osmose no caso de Peter que nunca realmente conheceu Jimmy. O outro homem morreu quando o cineasta ainda era muito novo para ter memórias fortes, conhecendo o defunto principalmente através de histórias contadas por outros parentes e fotografias escondidas da luz. A matriarca McDowell nunca foi grande ajuda, agindo como se fosse melhor esquecer o filho mais velho e pensar nele somente como uma abstração distante, idealizada, irreal.

Por conseguinte, os esforços de Peter são tanto uma investigação do mistério como uma tentativa de encontrar um elo, alguma ligação visceral com o irmão. Isso torna-se ainda mais forte quando se levantam suspeitas que Jimmy talvez fosse gay, tal como Peter. O cineasta muito fala de como descobriu a sexualidade e se assumiu na década de 80, enfrentando o descontentamento materno e, sucessivamente, um esforço de negação sistemática. A mãe preferia pensar que era uma fase, fingir que não tinha percebido, que não tinha ouvido. Em certa medida, o modo como encarou a homossexualidade de um filho é semelhante ao seu luto pelo outro. Há que varrer tudo para debaixo do tapete.

Se essa senhora foge da verdade, seu filho artista corre na sua direção. Mas será que passa a meta? Isso é uma questão mais complicada. Há, obviamente, um problema no que se refere à informação fatual, especialmente à medida que o filme abandona território Americana e parte à descoberta pelo Saigão. Muitos documentos foram destruídos durante e no rescaldo da guerra, além de que nem todos os que conheciam Jimmy estão prontos para falar e o boato é mato. Por exemplo, levantam-se alguns rumores de abusos de droga que se provam infundados quando Peter consegue contactar um médico que tratou o defunto.

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© Peter McDowell Productions

A prova fotográfica é rica nos tempos de guerra, mas começa a ser escassa nos últimos meses de vida. No fim, é uma imagem de praia onde Jimmy está na companhia de outro jovem que acaba por ser aquilo mais próximo que o filme tem da revelação, da conclusão, da verdade. Assim se revela um romance antigo, história silenciada por uns e recordada por outros com muito amor. A mãe desse rapaz Vietnamita é a testemunha mais preciosa de “Jimmy in Saigon,” revelando mais sobre as realidades de ser assumidamente gay no passado histórico do que qualquer outra pessoa no documentário. Até o próprio Peter McDowell é culpado de não pesquisar ou apresentar contexto sociocultural, de desviar os olhos quando está perante algumas das facetas mais feias da sua família e da comunidade onde cresceu. Seu esforço fílmico vale pela sua importância pessoal, pela emoção lá contida, mas falha enquanto trabalho jornalístico, enquanto cinema de investigação.

Jimmy in Saigon, em análise
jimmy in saigon critica queer lisboa

Movie title: Jimmy in Saigon

Date published: 26 de September de 2022

Director(s): Peter McDowell

Genre: Documentário, 2022, 89 min

  • Cláudio Alves - 50
50

CONCLUSÃO:

Quando o documentário é um trabalho de memória familiar, uma ruminação híper-pessoal, será que o seu valor enquanto cinema interessa? Num contexto crítico, obviamente que sim. Infelizmente, aí está a desgraça de “Jimmy in Saigon,” um projeto cheio de boas intenções e portador de premissa estupenda que, no final, não corresponde às expetativas.

O MELHOR: O teor pessoal do exercício e as fotografias que Jimmy colecionou durante as suas estadias no Vietname.

O PIOR: Quanto Peter McDowell reduz a história do irmão a um reflexo direto da sua pessoa. O filme chama-se “Jimmy in Saigon,” mas talvez se devesse intitular “Peter in Saigon.” Também alguns interlúdios de animação mostram ser desnecessários, mais fragilidades a apontar.

CA

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