"Raparigas Rebeldes de Paradise Hills" | © Pris

Raparigas Rebeldes de Paradise Hills, em análise

Emma Roberts é uma jovem encurralada num pesadelo patriarcal em “Raparigas Rebeldes de Paradise Hills”, uma alegórica proposta de ficção-científica feminista.

Usar os códigos do cinema de género para examinar as maladias da sociedade atual é algo que tem sido feito desde o início da expressão narrativa no grande ecrã. Mais facilmente um espectador engole uma mensagem social quando esta está inserida num divertimento distante da sua vida mundana. A ficção-científica, a fantasia, o western e o filme de ação são bons veículos para educar as audiências sem lhes dar a impressão de condescendência ou a aparência de desprezíveis devaneios didáticos. “Raparigas Rebeldes de Paradise Hills” pode passar-se num futuro incerto, mas a mensagem feminista que quer trespassar é indissociável da nossa presente realidade.

A primeira longa-metragem da cineasta espanhola Alice Waddington centra-se numa ideia de futuro distópico, onde uma jovem privilegiada se vê encarcerada pelas expetativas de uma mãe tirânica e de uma hierarquia social arcaica. Uma passou toda a vida nos píncaros do luxo e da riqueza, mas a sua condição é a perfeita prova que dinheiro não compra felicidade. Ajuda, como é evidente, mas não é um investimento garantido. O mesmo não se pode dizer dos serviços a que a mãe e pretendente de Uma pagam para a transformar numa esposa ideal e filha submissa. A Paradise Hills garante o sucesso absoluto e é precisamente nas suas garras que Uma se encontra quando a conhecemos a seguir a um prólogo misterioso.

raparigas rebeldes de paradise hills
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Ela acorda sem memória de como chegou ao paraíso de jardins requintados e arquitetura fantasiosa onde agora está presa. Paradise Hills é uma ilha e uma instituição, uma terapia cara para as filhas mais endinheiradas de uma América distópica de décadas futuras. Dirigida por uma figura que se autointitula de Duquesa, o engenho é o ponto médio entre uma prisão de alta-segurança e um colégio privado para ensinar meninas de bem a comportarem-se como senhoras da alta-sociedade. Há criados em tudo o que é sítio, mas os seus afazeres são tão prestáveis como ameaçadores, e a beleza do lugar é tão tóxica como a mais venenosa das cobras exóticas.

Juntamente com a protagonista, somos convidados a descobrir os recantos desta instituição e nos afeiçoar às suas restantes residentes. Chloe é uma herdeira sulista cuja mãe a quer forçar a perder peso. Yu é filha de chineses que agora vive com outros parentes que desejam que ela se comporte como alguém de classe alta ao invés de uma simplória plebeia. Finalmente, temos Amarna, com quem Uma estabelece uma relação próxima, quase romântica, e que foi enfiada em Paradise Hills para se tornar mais dócil. Sendo uma estrela pop, ela terá feito carreira com base numa imagem rebelde, mas a sociedade futura não vê com bons olhos gestos abertos de subversão. Tanto para a sua família como para a empresa discográfica, tudo estaria melhor se Amarna se parecesse mais com uma Stepford Wife do que com Lady Gaga. Neste mundo, elas devem ser adornos para os homens poderosos e pouco mais que isso.

Este trio, Uma e a Duquesa são praticamente as únicas personagens a ser desenvolvidas pelo guião. Apesar disso, esse desenvolvimento é anémico e pueril, decidindo-se ficar pelos mais airosos arquétipos e clichés. “Raparigas Rebeldes de Paradise Hills” pode celebrar individualismos femininos e liberdade, mas a sua construção textual sugere uma história desprovida de especificidade humana. Estas pessoas são ideias e nunca criaturas de carne e osso, com psicologias tão retorcidas como as cenografias onde se enquadram. De facto, esse é o maior problema e o maior triunfo do filme. Tudo o que se refere à componente visual da obra é um sucesso, mas essa mesma qualidade evidencia os fracassos da restante construção cinematográfica e narrativa.

As questões e os problemas que o filme levanta são óbvios e tão gritados que não há espaço para a nuance ou para a subtileza. Da interseção de vários tipos de opressão social nem se fala. Há alguns gestos feitos na direção de desigualdades económicas nesta distopia, mas, tal como as personagens, tais fenómenos são meramente esboçados e nunca aprofundados. Esta é uma crítica social e uma alegoria que nunca tenta ir além da superfície, uma futilidade com boas intenções. Felizmente, “Raparigas Rebeldes de Paradise Hills” nunca aborrece e suas espetaculares visões de um futuro regressivo tanto horrorizam como seduzem.

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Os uniformes das raparigas são um bom exemplo dessa mesma união do belo e do horrível. Há uma clara referência a contos de fada tradicionais, com mangas tufadas e corpetes singelos, assim como uma celebração de ideias conservadoras de feminilidade com pasteis, padrões florais e saias rodadas. No entanto, essa mesma beleza rosada é entrecortada pelos detalhes que aprisionam e sufocam. Falamos da inclusão de rufos plastificados que apertam o pescoço e uma infinidade de cintos de cabedal que tornam os vestidos num colete de forças especialmente glamouroso. Os cenários seguem semelhante jogo, parecendo o sonho de uma menina de cinco anos com uma paixão sintomática pelo cor-de-rosa e pela arquitetura impossível que se vê nas mais adocicadas animações sobre princesas risonhas.

Com tudo isto dito, seria impossível negar que esta espetacularidade estética ocasionalmente nos arrebata. As cenas que abrem e encerram a película são irresistíveis graças a estes maximalismos estilísticos. Podemos não acreditar nestas personagens, não nos investirmos emocionalmente no seu fado ou achar a sua história de interesse intelectual, mas, sensorialmente, o filme está bem longe de ser um fracasso. Oxalá, esta talentosa realizadora consiga levar o brio estético a textos mais merecedoras dessas qualidades, concebendo produções que tanto espantam pela superfície glamourosa como pelo enredo e tapeçaria temática. Enfim, não se pode criticar em demasia um filme que torna Mila Jovovich numa vampira obcecada com rosas e clones cosméticos. Só por isso “Raparigas Rebeldes de Paradise Hills” merece alguma admiração. Afinal, por aqui, adoramos aplaudir ambição e loucura cinematográfica.

Raparigas Rebeldes de Paradise Hills, em análise
paradise hills

Movie title: Paradise Hills

Date published: 11 de November de 2019

Director(s): Alice Waddington

Actor(s): Emma Roberts, Mila Jovovich, Eiza González, Awkwafina, Danielle Macdonald, Jeremy Irvine, Arnaud Valois

Genre: Fantasia, Ficção-Científica, Thriller, 2019, 95 min

  • Cláudio Alves - 60
60

CONCLUSÃO:

“Raparigas Rebeldes de Paradise Hills” é uma endiabrada experiência de ficção-científica feita de uma perspetiva subversiva e feminista. Emma Roberts lidera um elenco cheio de boas atrizes que, apesar do talento, não conseguem elevar as caracterizações esboçadas do guião. Cenários e figurinos elaborados não conseguem ofuscar todos os superficialismos temáticos da obram. Contudo, ajudam a fazer desta aventura uma experiência que pode ser desmiolada, mas também é agradável.

O MELHOR: Os figurinos, especialmente os uniformes das residentes de Paradise Hills.

O PIOR: As personagens são superficiais demais e a crítica social, mesmo que valiosa e bem-intencionada, segue-lhes o exemplo.

CA

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  1. Frederico Daniel 8 de Janeiro de 2020

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