The Post

The Post, em análise

The Post” é o mais recente filme a valer a Steven Spielberg uma nomeação para o Óscar Melhor Filme e a Meryl Streep uma indicação para Melhor Atriz.

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Em 2005, Steven Spielberg estreou “Munique”. O filme é putativamente sobre a sanguinária resposta israelita ao massacre nas Olimpíadas de Munique de 1972, mas funciona sobretudo como uma crítica cinematográfica de Spielberg à Guerra ao Terror e à administração Bush. Em 2017, Spielberg assinou “The Post”, um filme que é supostamente sobre a divulgação dos Pentagon Papers em 1971. No entanto, como já muitos reconheceram, o filme é também uma óbvia crítica à administração Trump ao mesmo tempo que se propõe como uma celebração de liderança feminina. De facto, os paralelos entre os dois filmes são ainda maiores que as semelhanças entre “The Post” e os últimos dois projetos com teor político do realizador, “Lincoln” e “A Ponte dos Espiões”, sendo que até os dois projetos partilham uma tendência para resvalar em imagéticas um pouco óbvias e cenas em que as personagens praticamente gritam os temas do filme ao espetador.

Para se ser mais específico, esta é a história de como o analista militar Daniel Ellsberg copiou ilegalmente milhares de páginas de relatórios de um estudo interno sobre a Guerra do Vietname e depois os divulgou a jornais que assim desvendaram como a Casa Branca tinha passado décadas a mentir ao público americano com o intuito de não sofrer a humilhação de ser o lado perdedor de um conflito bélico. Quando o The New York Times publicou os seus primeiros exclusivos, Nixon fez o que mais nenhum presidente americano havia jamais ousado fazer, e proibiu o jornal de publicar mais informações relativas aos Pentagon Papers. No seguimento disto, a equipa do The Washington Post, cuja situação financeira era extremamente precária, teve acesso aos documentos e, com consentimento da sua dona Kay Graham, publicaram aquilo que o governo havia proibido o Times de publicar. O que se seguiu foi uma batalha jurídica onde estava em risco a liberdade da imprensa americana e, no final, os jornais saíram vitoriosos naquilo que se provou ser somente o prelúdio do escândalo que viria a acabar com a Presidência de Richard Nixon. Com Trump na Casa Branca, tais dilemas de influência governamental na liberdade de imprensa não poderiam ser mais urgentes.

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É claro que “Munique” tinha como principal argumentista o dramaturgo Tony Kushner, cuja capacidade para subverter o usual sentimentalismo populista de Spielberg é infinitamente maior que a dos argumentistas de “The Post”. No entanto, por muito que os atores interrompam o fluir da narrativa para se desdobrarem em monólogos desprovidos de qualquer nuance, ou que o final seja um tiro no pé do mais alto calibre, este é um dos melhores filmes que Spielberg fez no século XXI. Aliás, apesar de o projeto ter sido jocosamente apelidado como o derradeiro filme de “Oscar buzz” pelas suas políticas atuais facilmente digeríveis, imagética polida e elenco de luxo, reduzir os feitos de Spielberg e companhia a uma mera tentativa de ganhar umas quantas estatuetas doiradas parece cínico demais. Por muitos pequenos problemas que possa ter, “The Post” é essa rara criatura que é um filme mainstream americano sobre política e, enquanto um thriller jornalístico com intenções panfletárias, este é um triunfo indisputável.

Até Meryl Streep se eleva acima do expectável, dando aqui a sua melhor prestação da última década e merecendo, como poucas vezes mereceu, a nomeação para o Óscar. Trata-se da sua 21ª indicação ao galardão e já muitos críticos se manifestaram contra tal, gozando com a Academia pela sua paixão para com a atriz e assim menosprezando a qualidade do trabalho em cena. É que “The Post”, ao mesmo tempo que é um thriller jornalístico e crítica política, apresenta-se como o arco narrativo de Kay Graham a impor-se enquanto líder a um grupo de homens, composto por seus conselheiros e subalternos hierárquicos, que, pelo seu sexo, passaram toda uma vida a caracterizá-la como vagamente incapaz ou mesmo incompetente para o seu papel de proprietária do jornal.

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Spielberg está muito ciente disso e foca cenas inteiras na cara da atriz, capturando o mecanismo do seu pensamento e fazendo de uma conversa telefónica, em que Graham decide se vai publicar ou não a informação dos documentos, numa das sequências mais empolgantes da temporada. Em tempos, a lendária Katharine Hepburn criticou Meryl Streep pelo modo como era impossível não perscrutar os cliques das suas escolhas de atriz, suas decisões e abordagem calculada. Em “The Post” esses cliques são postos a bom uso e, mesmo antes de Sarah Paulson verbalizar os sacrifícios da dona do The Post no pior monólogo do filme, já a audiência se apercebeu das inseguranças de Kay Graham, do modo como ela mesma acredita que o seu lugar talvez seja a organizar festas e não a dirigir um jornal. Quando, por exemplo, numa reunião com acionistas, Graham cede a palavra a um dos seus conselheiros, Streep pinta com gestos e silêncios uma longa história pessoal de sentimentos de inferioridade a que a audiência, de outro modo, nunca tem acesso.

Com tudo isso dito, há que deixar bem claro como Streep está longe de ser a única pessoa a fazer bom trabalho em frente às câmaras. Aliás, este é um filme com um elenco de luxo e, de entre os seus muitos nomes sonantes, talvez só mesmo Tom Hanks, como o editor chefe do jornal, se mostre um pouco frágil. Por um lado, é fantástico ver o estilo de trabalho cerebral e controlado de Streep em comunhão com a abordagem intuitiva e relaxada de Hanks, mas o ator parece passar metade do filme a tentar encontrar o registo tonal apropriado para a personagem e seu papel na narrativa. Por detrás das câmaras, a equipa é principalmente composta por colaboradores habituais de Spielberg e todos, quase sem exceção, estão a fazer algum do seu melhor trabalho dos últimos anos. O diretor de fotografia Janus Kaminski é merecedor de especial destaque pelo facto de ter finalmente abandonado alguns dos seus tiques mais irritantes, tendo aqui feito um filme agradavelmente desprovido de imagens de salas fumarentas com gordos raios de luz a entrarem por todas as janelas à vista.

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Ocasionalmente, o curto período de pré-produção disponível torna-se evidente. Falhas de continuidade são algo de particular destaque, especialmente no que diz respeito às inconsistências do penteado de Meryl Streep de cena para cena, mas os ritmos conseguidos pelo diálogo e geral estrutura do filme fazem esquecer tais problemas com brutal eficiência. “The Post” está repleto de momentos de graça na montagem, realçando pequenos detalhes no trabalho dos atores, como o andar idiossincrático de Carrie Coon, Paulson a contar para quantas pessoas tem de fazer sanduíches ou Streep a retirar os brincos antes de atender o telefone. Essa dinâmica de fragilidades serem compensadas por excelência tanto em detalhes como em grandes partes do edifício fílmico caracteriza todo o projeto, mesmo o seu lado ideológico. Enfim, não é um filme perfeito, mas é algo ainda mais interessante que a perfeição. “The Post” é um filme que vibra com o entusiasmo de quem o fez, tornando mais intenso o seu discurso político, sua esperança por fazer a diferença e tornar o mundo melhor ao cristalizar um instante de justiça e coragem numa narrativa cinematográfica. Não é subtil, mas por vezes a subtileza é sobrevalorizada.

The Post, em análise
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Movie title: The Post

Date published: 25 de January de 2018

Director(s): Steven Spielberg

Actor(s): Meryl Streep, Tom Hanks, Bob Odenkirk, Tracy Letts, Carrie Coon, Sarah Paulson, Matthew Rhys, Bruce Greenwood, Alison Brie, Michael Stulbargh, Bradley Whitford, Jesse Plemons, Zach Woods, David Cross

Genre: Drama, Biografia, História, 2017, 116 min

  • Cláudio Alves - 85
  • Rui Ribeiro - 100
  • Daniel Rodrigues - 75
87

CONCLUSÃO

“The Post” é o mais recente sucesso de Steven Spielberg que, sem sacrificar o seu usual estilo de sentimentalismo populista associado a virtuosismo em linhas clássicas, assina aqui um dos seus mais inteligentes trabalhos. As intenções políticas do projeto são óbvias e apresentadas sem grande nuance, mas não são por isso menos valiosas. Uma equipa técnica de veteranos do cinema de Spielberg e um elenco de luxo elevam o filme aos píncaros da excelência.

O MELHOR: A cena do telefonema, que une cinco personagens em acesa discussão e termina com um dos momentos mais soberbos na carreira luminosa de Meryl Streep. A cereja no topo do bolo é o cafetam doirado com que a figurinista Ann Roth vestiu a atriz e que, de momento para momento, a faz parecer uma majestosa rainha ou uma figura enfezada no meio de uma montanha de tecido. Classicismo virtuoso de Hollywood no seu melhor!

O PIOR: O final absolutamente desnecessário no hotel Watergate.

CA

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