Depois das polémicas envolvendo a substituição de Kevin Spacey e a disparidade salarial das refilmagens, “Todo o Dinheiro do Mundo”, de Ridley Scott, está finalmente nos cinemas. Mas não é bem aquilo que esperávamos.
Michelle Williams em “Todo o Dinheiro do Mundo”
Importa contextualizar toda a histeria em volta deste novo filme de Ridley Scott e da mediática substituição de Kevin Spacey por Christopher Plummer, para perceber que também Scott se rendeu ao capitalismo que ele tenta (?) criticar neste seu “Todo o Dinheiro do Mundo”. Estávamos a 29 de outubro do ano passado, quando o BuzzFeed publicava uma peça editorial na qual Anthony Rapp (da série “Star Trek: Discovery”) acusava Kevin Spacey de ter abusado dele quando este tinha apenas 14 anos. A bolha rebentou e nos dias subsequentes a carreira de Spacey estava destruída pela quantidade de histórias chocantes que foram sendo reveladas. Por esta altura, já Ridley Scott tinha montada a versão final de “Todo o Dinheiro do Mundo” que iria ter honras de encerramento do prestigiado festival do American Film Institute, a 16 de novembro.
Para salvar o seu filme de um desastre financeiro e para preservar o trabalho do seu elenco e equipa técnica, Ridley Scott tomou uma decisão sem precedentes: substituiu Kevin Spacey, refilmando todas as cenas com Christopher Plummer, ator que era a sua primeira escolha para o papel de J. Paul Getty mas que havia sido descartado no processo de casting uma vez que Spacey era, para todos efeitos, um nome maior e mais sonante do ponto de vista comercial. Comprometendo-se a manter a estreia do filme para o final de dezembro em terras americanas, Scott chamou Michelle Williams e Mark Wahlberg para uma ronda imparável de refilmagens que ficaram avaliadas em cerca de dez milhões de dólares. Contudo, nem todo o dinheiro do mundo conseguiu fazer milagres.
Christopher Plummer em “Todo o Dinheiro do Mundo”
Se é certo que houve uma mudança determinante no elenco (Christopher Plummer até tem mais tempo de antena do que imaginávamos), também é quase la paliciano que Scott se limitou a substituir cenas antigas por cenas refilmadas. Quer isso dizer que a montagem final que podemos ver hoje nos cinemas portugueses não será muito diferente daquela que poderíamos ter visto com Kevin Spacey. E isso é realmente preocupante.
A decisão de Ridley Scott merece todos os louvores possíveis mas é fundamentalmente motivada pelo dinheiro, esse dinheiro que preenche, direta ou indiretamente, quase todos os frames deste seu novo filme. Como se estivesse a correr contra o tempo (e contra o… dinheiro), Scott presenteia-nos com um conjunto de factos montados de forma impaciente e desleixada ao qual intitula de “Todo o Dinheiro do Mundo”. Teria sido mais prudente não acelerar o processo de refilmagem e repensar o objetivo que tinha para este seu filme. Mas já lá vamos.
O enredo, esse, é preenchido pelo rapto e tentativa de resgate de John Paul Getty III (Charlie Plummer), herdeiro do império de J. Paul Getty (Christopher Plummer), considerado o homem mais rico do mundo, em 1973. O que há de verdadeiramente hollywoodesco nesta encruzilhada – mesmo sabendo que estamos a presenciar o uma história real – é a recusa de J. Paul Getty em pagar o resgate milionário (17 milhões de dólares), levando a mãe (Michelle Williams) de Paul Getty III ao desespero.
Charlie Plummer é Paul Getty III em “Todo o Dinheiro do Mundo”
Em “Todo o Dinheiro do Mundo”, Scott tenta transmitir a ideia de como a plutocracia pode eliminar laços e destruir relações humanas, criando seres alienados no seu mundo e reféns da sua riqueza, mas nunca explora com veemência e objetividade esse lado trágico da história que está a contar. E, por isso, o filme parece estar carente de motivações e alicerces mais profundos que o ajudariam a poder usufruir de um suporte emocional do qual este nunca beneficia. No fim de contas, sobra apenas um conjunto aleatório de linhas narrativas (a mãe desesperada, o velho forreta, o filho destruído, o polícia bom), que se encaixam através do milagre da justaposição concebido numa deficiente sala de montagem. E sim, é bom que se diga que o trabalho de edição aqui é do mais deplorável que vimos no cinema de Ridley Scott, sobretudo na frágil contiguidade que oferece ao espaço e ao tempo da narrativa. A montagem, assinada por Claire Simpson, contribui de forma decisiva para uma ausência gritante de ritmo que arrasta o filme para uma longa (demasiado longa) jornada desarticulada, sem rumo e sem alma.
Nesse caminho sem destino, são Michelle Williams e Christopher Plummer quem nos guia, e o filme de Ridley Scott acaba por encontrar grandes momentos de redenção quando estes iluminam o ecrã com as suas interpretações explosivas. Podemos nunca vir a saber como seria Kevin Spacey no papel do desprezível J. Paul Getty, mas fica difícil imaginar outro ator a encarnar este papel que não Christopher Plummer. A performance de Plummer é facilmente o melhor que há para ver em “Todo o Dinheiro do Mundo”, um papel grotesco e deliciosamente vil que eclipsa quase todo o filme. Michelle Williams, no papel de uma mãe desesperada, oferece mais uma interpretação irrepreensível para juntar ao seu impressionante cânone. E quando Plummer se reúne com Williams em cena, o filme parece transformar-se.
Michelle Williams em “Todo o Dinheiro do Mundo”, de Ridley Scott
Quem também oferece uma prestação convincente é o promissor Charlie Plummer (que não tem qualquer relação familiar com Christopher Plummer). Ainda este ano, vamos poder vê-lo a protagonizar “Lean on Pete”, o novo e muito antecipado filme de Andrew Haigh, e esta sua introdução em “Todo o Dinheiro do Mundo” foi um saboroso aperitivo. Já Mark Wahlberg, apesar de competente e de ser um elemento ativo numa das cenas mais decisivas do filme, encarna um personagem supérfluo, cujo propósito na narrativa parece ser apenas o de servir de figura masculina protetora face à figura frágil feminina. Dispensável.
Ridley Scott, como curador da sua obra, sabe ainda pincelar a tela com belas composições fotográficas de Roma e Londres, cenários interiores e décors magnânimos e um guarda-roupa elegante que são reproduzidos ao som de uma banda sonora que, apesar de desinspirada, tem os seus momentos de genialidade Todos estes elementos ajudam a emancipar o poder das imagens, mas não elevam o conteúdo. “Todo o Dinheiro do Mundo”, não fossem Michelle Williams e Christopher Plummer, poderia ser um caso paradigmático de “estilo acima de substância”.
Verdadeiramente frustrante é chegar ao fim deste “Todo o Dinheiro do Mundo” e não perceber o que Ridley Scott queria contar, nem porquê.
Todo o Dinheiro do Mundo, em análise
Movie title: All the Money in the World
Date published: 28 de January de 2018
Director(s): Ridley Scott
Actor(s): Michelle Williams, Christopher Plummer, Mark Wahlberg, Charlie Plummer
Genre: Thriller, Drama
Daniel Rodrigues - 60
Rui Ribeiro - 65
José Vieira Mendes - 60
Cláudio Alves - 60
Luís Telles do Amaral - 60
61
CONCLUSÃO
Cinco anos depois de “O Conselheiro”, Ridley Scott presenteia-nos com uma nova narrativa “contemporânea” e volta a não sair-se bem. Este “Todo o Dinheiro do Mundo”, ainda que dotado de alguns momentos de notável entretenimento, falha em quase toda a linha por não saber aquilo que quer ser nem onde quer chegar. Um filme quase nulo que não merecia as fabulosas prestações de Michelle Williams e Christopher Plummer.
O MELHOR: Michelle Williams e Christopher Plummer. E, apesar de tudo, a ânsia que Ridley Scott oferece ao público de querer ver como tudo termina.
Sonho como se estivesse num filme de Wes Anderson, mas na verdade vivo no universo neurótico de Woody Allen. Sou obcecado pela temporada de prémios, e gostaria de ter seguido a carreira de cartomante para poder acertar em todas as previsões dos Óscares, Globos de Ouro (da SIC), Razzies, Troféus TV7 Dias e Corpo do Ano Men's Health. Mas, nesse universo neurótico e imperfeito em que me insiro, acabei por me tornar engenheiro. Sigam-me no Instagram para mais bitaites sobre Cinema, Música, Fotografia e outras coisas desinteressantes.