Tornados, a Crítica | Glen Powell é uma estrela em ascensão nesta sequela
Uma catástrofe climática serve de pano de fundo a “Tornados,” sequela ao sucesso de bilheteiras nos anos 90. Lee Isaac Chung realiza, com Daisy Edgar-Jones e Glen Powell nos papéis principais.
Durante a promoção do seu mais recente filme, o realizador Lee Isaac Chung tem feito questão de sublinhar como as mudanças climáticas nunca são assim nomeadas em “Tornados,” também conhecido como “Twisters.”Segundo o cineasta, a sua intenção era evitar a polémica e o moralismo, privilegiando o entretenimento acima da mensagem. Perante tais dizeres, é difícil não revirar os olhos e denotar covardia no discurso. Contudo, as palavras de Chung não refletem bem a realidade da fita. Certamente nunca se fala no aquecimento global ou na crise climática por esses termos específicos. Mas a calamidade está lá e só quem for parvo é que não entenderá.
Fala-se de uma crescente quantidade de tornados, cada vez mais numerosos e violentos, devastando o interior dos EUA à medida que desalojam pessoas e destroem vidas. A certa altura, fala-se de um passado recente quando a situação não era tão grave, um ontem qualquer em que ainda havia esperança ao invés do caos quotidiano que define o presente. Em certa medida, o diálogo é um apelo à nostalgia. Só que, nesse gesto, Chung revela o coração escuro da história, uma natureza amargurada que trespassa o sonho de Hollywood e parece conectar com um público cheio de ansiedades e temores face ao futuro incerto.
Lee Isaac Chung salta do drama íntimo para o cinema de ação
Nem “Tornados” nem Chung são únicos nesta dinâmica. Em 2024, muitos são as grandes produções que, por acidente ou intenção, revelam o desespero generalizado. O cinema é o reflexo da cultura e até o blockbuster mais escapista força o espetador a considerar a verdade revelada nesse espelho em forma de filme. Talvez por isso, estas obras tendem a triunfar no horror e a descurar quando nos tentam convencer com o final feliz. Nesse sentido, “Tornados” é muito diferente de “Tornado,” esse sucesso de bilheteiras de 1996 cujo charme é inegável. Tanto assim foi que, mesmo décadas depois do seu auge, ainda havia interesse em sequela.
Contudo, convém conferir que “Tornados” pouco se apega ao primeiro filme além do fenómeno meteorológico no centro da narrativa. Não há personagens comuns e nenhumas dessas baboseiras de legados passados de pais para filhos, o cinema preso em redundância nostálgica. Se há um passado que assombra a história, é um trauma original logo estabelecido em jeito de prólogo. Trata-se também da melhor sequência da fita, primando pelo modo como sugere o tornado enquanto força quase cósmica, imprevisível e com poder inimaginável. O aparato de cenas seguintes está em falta, mas há valor na simplicidade.
O prelúdio decorre cinco anos antes da ação principal, quando Kate Carter é uma estudante com sonhos grandiosos e ambições desmesuradas. Uma rapariga acostumada às paisagens do Oklahoma, ela quer ajudar a população local com uma tecnologia capaz de ‘domar’ os tornados típicos da região. Para provar a teoria, ela tem que pôr os estudos em prática, levando uma equipa de aventureiros cientistas para o centro de uma tempestade. Infelizmente, a experiência dá para o torto. Num abrir e fechar de olhos, Kate testemunha a morte de dois grandes amigos e seu namorado. Só ela e o colega Javi sobrevivem ao episódio.
Meia década depois, ela virou as costas às loucuras da juventude, trabalhando em Nova Iorque, bem longe das suas origens e dos tornados que lhe roubaram aqueles que mais amava. Só que a dor da perda perdura, assim como a vontade de fazer do mundo um lugar melhor. Por isso mesmo, quando Javi reaparece na vida dela, Kate aceita ajudá-lo a recolher informação sobre tornados, guiando-o na caça à tempestade em Oklahoma. Só que a equipa deles não é a única a perseguir tornados. Com o advento das redes sociais, a atividade virou moda e até há estrelas que fazem a vida através do streaming das suas peripécias.
Esse é o caso de Tyler e sua trupe de personagens coloridas, sempre na procura de um novo horror climático para filmar e converter em espetáculo de massas. Às vezes, disparam fogo de artifício na ventania, noutros casos prendem o carro com brocas ao chão e fazem vídeo no meio da confusão. Consigo segue um jornalista que pretende contar a história do seu sucesso. Contudo, assim que este se depara com a melancolia palpável de Kate, logo o escritor descobre novo foco para a investigação. Não é o único cativado por ela. A química entre a meteorologista e Tyler é instantânea e mesmo que nunca surja o romance, a atração não se pode negar.
Dividindo lealdades entre o projeto de Javi e o charme do videógrafo celebridade, Kate leva o filme através de uma questão moral sem resposta concreta. Será que faz sentido aliar-se ao capitalismo ferrenho que quer tornar tudo em lucro se esses mesmos sistemas financiarem possíveis soluções a longo prazo? Mas e o que acontece no imediato, quando a vida de milhares é devastada pelo clima violento? Está certo lutar no momento, mesmo sem efeitos longevos ou deveríamos focar toda a atenção em garantir o futuro? A ambivalência nesta matéria é a faceta mais matura de “Tornados” e aquela que sai ilesa de um final insonso.
A história de personagens não tem a mesma sorte, indo contra aquilo que fez do original dos anos 90 tão amado. Sejamos francos, Daisy Edgar-Jones é um poço profundo de anti carisma nesta fita, incapaz de trazer a mesma qualidade de estrela com que Helen Hunt brilhou no primeiro “Tornado.” De facto, até lhe falta a dimensionalidade que a atriz já evidenciou em “Normal People.” Sendo ela a protagonista primária, a sequela perde muito, quebrando o investimento emocional do espetador numa tentativa lamentável de drama sério. O pior é que “Tornados” é extremamente centrado em Kate, não dando margem de manobra aos cineastas para compensarem pelo elo mais fraco do projeto.
Como Lee Isaac Chung fez fama com “Minari,” esperaríamos uma maior ênfase no trabalho coletivo, especialmente quando os atores secundários são tão formidáveis como aqueles aqui reunidos. Anthony Ramos, Brandon Perea, Maura Tierney, Sasha Lane, Daryl McCormack, Kiernan Shipka, David Corenswet e Katy O’Brian merecem muito mais do que “Tornados” lhes dá. Além do mais, fora dos momentos calmos, Chung luta contra as demandas do filme de ação e perde a visceralidade de 1996 devido a um paradigma atual onde os efeitos práticos deram lugar ao CGI como standard da indústria.
O elenco é de luxo, mas meio desperdiçado
Há um momento muito simbólico, quando os heróis se refugiam num cinema antigo em projeção de clássicos do terror da Universal. A sétima arte na sua pureza ancestral é um santuário, mas nem ela consegue resistir ao flagelo da tempestade digital. No píncaro da destruição, até a tela é sugada pelo tornado, perdendo-se a imagem analógica num turbilhão de ruído gerado por computador. Quer Chung quisesse quer não, esse instante é emblemático do seu filme, sem peso e sem sentido de risco, cheio de boas ideias e execução aquém das expetativas. Pelo menos, a sonoplastia é fantástica, tanto aqui como noutros momentos altos.
Nesse aspeto, talvez até supere o “Twister” de 96. Dito isso, os efeitos sonoros em nada se comparam à grande mais-valia desta sequela, sua suprassuma estrela e principal razão para se comprar o bilhete de cinema. É ele Glen Powell, ator em ascensão meteórica desde que engraçou as audiências em “Top Gun: Maverick,” e veio confirmar o seu estatuto com o “Hit Man” de Richard Linklater. No papel de Tyler, ele é um autêntico herói de matiné, um ídolo nascido para ser amado pela câmara e venerado pelos espetadores. Aquele sorriso maroto, aquela sinceridade radical, aquela beleza clássica – Powell está a tornar-se num fenómeno tão poderoso dentro de Hollywood como os tornados são nas planícies do Oklahoma.
Tornados, a Crítica
Movie title: Twisters
Date published: 8 de August de 2024
Duration: 122 min.
Director(s): Lee Isaac Chung
Actor(s): Daisy Edgar-Jones, Glen Powell, Anthony Ramos, Maura Tierney, Brandon Perea, David Corenswet, Harry Hadden-Patton, Sasha Lane, Tunde Adebimpe, Katy O'Brian, Daryl McCormack, Kiernan Shipka, Nik Dodani
Genre: Ação , Aventura, Thriller, 2024
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Cláudio Alves - 65
CONCLUSÃO:
E tudo o vento levou, desde o charme romanceado das estrelas de cinema até à materialidade dos efeitos práticos. “Tornados” supera o seu predecessor em matéria de densidade de ideias, mas peca em muitas outras áreas. O maior problema é Daisy Edgar-Jones e sua falta de presença, sempre eclipsada por um Glen Powell em topo de forma. Dito isso, acumulam-se mais fragilidades até um final estranhamente anti climático. Ficam as boas intenções e um grande elenco meio desperdiçado, a ambição de Lee Isaac Chung atrás das câmaras e a sonoplastia épica.
O MELHOR: Powell e aquele fatalismo apocalíptico que infeta toda a narrativa, um cancro imparável que metastiza em novas dimensões.
O PIOR: Edgar-Jones, a centralidade debilitante de Kate, a falta de fisicalidade nas sequências de terror e tormenta.
CA