Tudo na boa!, em análise
“Tudo na Boa!”, ou no original “No Hard Feelings”, é uma comédia para maiores de 14 (nos EUA R-Rated, maiores de 18) protagonizada por Jennifer Lawrence, que como sempre é uma força da natureza em qualquer género cinematográfico. Mas será a longa de Gene Stupnitsky valorosa por si só?
Com distribuição assegurada pela Big Picture, a comédia adulta com um toque de romance “Tudo na Boa!” chegou às salas de cinema portuguesas a 22 de junho de 2023. Como a primeira comédia mainstream protagonizada e co-produzida pela oscarizada Jennifer Lawrence, “No Hard Feelings” recebeu bastante atenção de imprensa antes da sua estreia, quer devido a esta transição interessante de registo para uma das grandes atrizes da sua geração, como devido à polémica temática.
Realizado por Gene Stupnitsky, o autor de “Good Boys” ou “Bad Teacher”, e um dos argumentistas regulares nos bastidores da versão americana de “The Office”, “No Hard Feelings” situa-se algures entre uma comédia romântica e um bromance (mas não entre dois bros, antes entre uma mulher na casa dos 30 e um adolescente). Tematicamente, deve mais às comédias inapropriadas dos anos 80 do que aos filmes politicamente corretos (um termo ao qual torço o nariz, mas que aqui parece fazer sentido) que se fazem na segunda década do século XXI. Por vezes, tal funciona a favor do filme, embora nem todos os elementos da narrativa sejam ‘fáceis de engolir’.
Esta é a história de Maddie (Jennifer Lawrence), uma jovem mulher no início da casa dos 30 que vive num bela casa que a mãe lhe deixou, em Montauk, Long Island. Esta propriedade é a sua única ligação à família que perdeu, mas perante a gentrificação do seu bairro, que serve de residência de verão para as famílias mais ricas de Nova Iorque, os impostos sobre a propriedade tornam impossível para Maddie manter a casa, mesmo trabalhando em dois empregos – como servente num restaurante na marina e como condutora de Uber.
O filme começa com o carro de Maddie a ser apreendido devido às suas dívidas. Agora, a nossa protagonista já não conseguirá mais suportar a sua casa, ao perder a sua fonte de rendimento como condutora de Uber. O destino alinha-se e Maddie descobre um anúncio ridículo e inverosímil no website Craigslist: dois pais galinha procuram que o filho de 19 anos, Percy (Andrew Barth Feldman) perca a virgindade antes de partir para a Universidade (uma Ivy League, claro está). E por muito absurda que seja a premissa inicial, parte da piada advém do facto do enredo se basear num anúncio real, que Gene Stupnisky havia encontrado há muitos anos e que inclusive havia mostrado à sua amiga Jennifer Lawrence.
Maddie está bem acima da idade pretendida pelos pais (que procuram uma ‘namorada’ para o filho entre os 20 e 20 e poucos anos), mas com o dom da retórica lá convence estes estereótipos caricaturais de pessoas ricas, vestidos com as suas vestes brancas e zen, a dar-lhe uma oportunidade. Em troca de “andar” com o filho, Maddie irá receber um carro da família e retomar a sua atividade, salvando a sua casa.
Tudo o que se segue é bastante previsível: embora a sua interação comece de uma forma bastante caótica, rapidamente Maddie e Percy estabelecem uma amizade franca e fundada na partilha. Pelo meio, claro que Percy se apaixona e se magoa. Nos entretantos, existem também muitas cenas cómicas, com a comédia física a ocupar uma parcela grande do argumento. Tão grande que por vezes duvidamos de algumas cenas que se apresentam em ecrã. Em particular, e perdoem-me o SPOILER ligeiro, há uma cena em que Jennifer Lawrence luta, em nu frontal, com alguns rufias na praia que roubaram a roupa do par enquanto estes faziam skinny dipping.
Esta é a cena mais bizarra de 2023, e, vários dias depois de a ver, ainda não consigo compreender se existe potencial humorístico nesta sequência. O valor-choque é ensurdecedor, embora reconheça que para Lawrence, acabada de dar à luz antes de gravar este filme, uma cena de luta nua possa ter sido bastante poderosa. Não obstante, onde é que Maddie aprendeu a lutar assim? O absurdo, por vezes, rebaixa uma longa-metragem que tem vários elementos positivos a seu favor.
Andrew Barth Feldman, um ator não muito conhecido e que beneficia de treino formal de Academia e de uma carreira prévia na Broadway, é encantador no papel de Percy e contribui, em grande parte, para a humanização de uma personagem-tipo (o arquétipo do adolescente tímido e solitário). Embora o argumento de “Tudo na Boa!” seja razoável, com vários momentos em que efetivamente nos rimos alto e bom som (o que não acontece nalgumas rom-coms que exageram na parte do romance e poupam na comédia), são mesmo os dois intérpretes centrais que embelezam esta tela e a elevam.
Em particular, destaque para as cenas mais emocionalmente elevadas, como o momento em que Percy toca e canta uma versão acústica de “Maneater” durante um jantar formal, encantando e surpreendendo Maddie. A expressão facial de Lawrence nesta cena recorda-nos os seus grandes momentos dramáticos e até os seus close-ups mais memoráveis durante a saga “Hunger Games”, aludindo uma vez mais à atriz dramática para lá da farsa cómica. Não obstante serem estes os momentos mais enternecedores e valorosos, a comédia física assenta muito bem a Lawrence, de subir escadas em patins a tentar separar um carro de um reboque.
“No Hard Feelings” não tem muito a acrescentar ao género da comédia adolescente, da comédia sexual, ou mesmo de “coming of age”, funcionando um pouco como um mosaico de inspirações. O seu maior trunfo é recordar-nos de que uma grande atriz de drama também pode vingar na comédia, e que as sensibilidades mais tenras também podem ter lugar no reino da comédia parva. Não fosse o nu frontal prolongado, “Tudo na Boa!” seria um candidato ideal para filme de fim de semana.
TRAILER| TUDO NA BOA! ENCONTRA-SE JÁ NAS SALAS DE CINEMA
Tudo na Boa!, em análise
Movie title: Tudo na Boa!
Movie description: Prestes a perder a casa onde cresceu, Maddie (Lawrence) descobre um curioso pedido de emprego: pais “galinha” procuram alguém para “andar” com o seu introvertido filho de 19 anos, Percy, antes deste ir para a universidade. Para sua surpresa, Maddie descobre que o peculiar Percy tem muito que se lhe diga.
Date published: 23 de June de 2023
Country: EUA
Duration: 103'
Author: Gene Stupnitsky
Director(s): Gene Stupnitsky
Actor(s): Jennifer Lawrence, Andrew Barth Feldman
Genre: Comédia, Romance
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Maggie Silva - 71
CONCLUSÃO
“No Hard Feelings” é uma verdadeira salada de frutas. Uma comédia capaz de construir uma relação de amizade genuína entre os seus protagonistas e estranhamente centrada na temática da gentrificação, “Tudo na Boa!” desfruta de dois protagonistas em estado de graça. Jennifer Lawrence, apesar do seu brilhantismo no campo do drama, é tão naturalmente engraçada quanto as maiores estrelas da comédia deste século, de Jennifer Anniston a Sandra Bullock. Há uma musicalidade natural no seu ar desengonçado. Tal, aliado à capacidade de entrega em cada papel, garante que cada fala de “Tudo na Boa!” é entregue com alma e convicção. O jovem Andrew Barth Feldman também não lhe fica nada atrás.
Pros
- Trauma, perda, isolamento e gentrificação são temáticas fortes numa “comédias parva”, uma surpresa agradável e bem-vinda;
- Uma dupla central imperdível;
- A audácia de um argumento agressivo que ainda assim, mesmo falhando por vezes na punchline, consegue levar-nos a rir ao longo do filme.
Cons
- O humor físico torna-se por vezes grosseiro e excessivo, superando qualquer barreira razoável de realismo;
- O enredo é naturalmente previsível;
- Este é um filme acerca de crescer, de primeiros amores e sair da casca. É certo que a perspectiva de Percy deveria ter sido a escolhida, mas a estrela de Jennifer Lawrence acaba por ser o que aqui brilha mais alto. A certa altura, uma frase do diálogo até lhe chama “America’s Sweetheart”. A partir daí, vemos Lawrence a fazer uma comédia e não Maddie.