O Último Destino: Descendência, a Crítica | O regresso da saga e o adeus de Tony Todd
“O Último Destino: Descendência” de Zach Lipovsky e Adam B. Stein, também conhecido como “Final Destination: Bloodlines,” marca a revitalização de um franchise do terror que já se achava morto. Este sexto capítulo acrescenta novas notas emocionais à saga, sem descurar no gore nem no humor negro.
Em 2000, o primeiro filme de “O Último Destino” chegou aos cinemas, com realização de James Wong e um argumento formulado com Glen Morgan e Jeffrey Reddick, assim como um batalhão de notas dos estúdios. O conceito da coisa era simples – apresenta-se um elenco de várias personagens das quais uma tem a premonição de um desastre enorme, conseguindo salvar algumas pessoas que, subsequentemente, são perseguidos pela Morte na forma de acidentes inusitados. Tony Todd também costuma aparecer como o médico legista Bludworth, dando conselhos aos protagonistas na sua infrutífera corrida contra o destino que os espera.
Aquando da estreia, “O Último Destino” marcava um ponto de transição no slasher de Hollywood, tendo as marcas da ironia juvenil de “Gritos” ao mesmo tempo que apontava para a crueldade mais sanguinária que viria a caracterizar o género na primeira década do século XXI. Ao longo dos próximos onze anos, estreariam mais quatro permutações da história, sempre com a mesma premissa e estrutura. somente algumas modificações menores. As maiores transformações ocorreram enquanto reflexo das tendências do género, como a mania do 3D despoletada pelo “Avatar” de James Cameron que resultou no burlesco CGI dos quarto e quinto filmes.
Não será, por isso, nenhuma surpresa que, no seu glorioso regresso aos cinemas, a saga viesse a demonstrar outra transmutação. Desta vez, ocorre à medida do terror mainstream como ele existe em 2025, onde a metáfora do trauma e histórias familiares dominam o género. A influência das obras distribuídas pela A24 nos EUA é forte, assim como o furor de sucessos como o “Sorri,” “Nós” e tantos outros. Além disso, a moda das sequelas e reboots obcecados com o legado dos antecessores também se manifesta, contextualizando “O Último Destino: Descendência” ao lado de projetos como a nova trilogia “Halloween” de David Gordon Green.
Mas, antes do pesadelo da “Descendência” se abater sobre o clã Campbell, tudo começa de um modo tão familiar como estranho para os fãs de “O Último Destino.” Por um lado, trata-se da história do costume. Iris é uma jovem apaixonada, levada pelo namorado à inauguração de um restaurante no topo de uma torre, onde ele planeia pedi-la em casamento. Só que, por uma série de coincidências e acidentes, a noite descarrila em calamidade, com todo o edifício ruindo e levando consigo todas as pobres almas lá reunidas em festa. No entanto, alguns detalhes marcam a diferença entre esta calamidade introdutória e cenas semelhantes nos outros filmes da saga.
O trauma está na moda em cinema de terror.
Nomeadamente, a ação decorre em 1968 com todo o fausto de um filme de época e uma quebra na cronologia do “Último Destino.” Além do mais, quando se passa da premonição sangrenta para a perspetiva do protagonista, não regressamos a Iris. Pelo contrário, “Descendência” salta para a contemporaneidade, onde Stefani Reyes é atormentada pelo mesmo sonho sempre que dorme. A toda a hora ela revive os horrores do restaurante Sky View, não conseguindo pregar olho e fazendo colapsar a sua carreira académica. No suplício, Stefani regressa a casa, onde descobre, contra a vontade do pai e dos tios, que Iris é a sua avó.
Sem querer descrever todo o enredo de “Descendência” fica a ideia da Morte em perseguição ancestral, ceifando cada vida que sobreviveu ao desastre de 1968 pela mão de Iris. Demora tanto tempo que, inevitavelmente, não presta contas só aos sobreviventes, mas a todos os seus descendentes também. Neste paradigma, todos os capítulos de “O Último Destino” unem-se enquanto a grande odisseia da mortalidade absoluta contra o legado de Iris Campbell, um gesto meio absurdo que, mesmo assim, consegue conferir um sentimento de culminação dramática a este novo filme. E essa emoção será o outro elemento chave nesta obra de Zach Lipovsky e Adam B. Stein.
Como estas tragicomédias dependem sempre da aniquilação do elenco, as personagens de “O Último Destino” raramente são desenvolvidas. Quando os argumentistas se dão a esse trabalho, o resultado costuma assentar na odiosidade das figuras, promovendo o divertimento do espectador quando a Morte finalmente os apanha. Há um aspeto de punição e moralismo nisto tudo, mas raramente se manifesta a empatia ou a preocupação genuína entre público e personagem. “Descendência” vira a dinâmica de pernas para o ar, construindo uma panóplia de personalidades tridimensionais e relações afetivas que exigem o investimento emocional da audiência.
Por outras palavras, desta vez, estamos todos contra a Morte e torna-se muito mais difícil tirar prazer dos horrores a que a família Campbell é sujeita. Não é impossível, entenda-se. E aí está muita da astúcia dos realizadores e seus muitos parceiros do crime, concebendo uma alquimia tonal muito volátil, em constante oscilação dos extremos do grotesco ao choroso drama humano. O elenco é grande ajuda, com vários destaques entre os atores secundários. As duas Iris, Gabrielle Rose no presente e Brec Bassinger no passado, são exemplares, explodindo com carisma e a teatralidade necessária para este tipo de projeto onde naturalismo e subtilezas são extrâneas.
Temos o melhor elenco na História da saga!
Muitos parabéns para a química fraternal entre Kaitlyn Santa Juana como Stefani e Tep Briones no papel do seu irmão mais novo. Rya Kihlstedt, Alex Zahara, April Telek e Tinpo Lee são ótimos a sugerir toda uma vida de arrependimentos fora dos limites da narrativa, enquanto Richard Harmon e Owen Patrick Joyner são essenciais para que as sequências mais angustiantes destas “Descendências” resultem. O circo infernal de uma loja de tatuagens em chamas e a câmara de tortura em que se torna uma sala de ressonâncias magnéticas são o píncaro da sua contribuição para esta sexta história na saga “O Último Destino.”
É claro que, não obstante as qualidades do elenco novo, será Tony Todd quem merece mais destaque. O ator ganhou fama com “Candyman” em 1992 antes de os filmes desta franquia o terem consagrado como um ícone do terror moderno. Com uma voz grave e presença pesada, ele sempre foi capaz de fazer com que o texto mais inócuo ressoasse como um solilóquio de Shakespeare e “Descendência” tira proveito máximo dos seus talentos. Ainda bem, pois este será o último filme da estrela que morreu antes da estreia e a quem os cineastas dedicaram a obra. Se “O Último Destino” ficar por aqui, terá sido um final justo, nem que seja pela despedida honrosa de Tony Todd.
Nem tudo é perfeito, como seria de esperar, com a estrutura meio desengonçada a soluçar pelo terceiro ato. Quase parece que o filme perde o gás quando devia estar a ganhar fôlego, drenando muito do poder das reviravoltas finais. Também a dependência em efeitos digitais diminui o impacto das mortes, especialmente quando as comparamos com os efeitos práticos dos primeiros dois filmes da franquia, ou até os pregos pelo crânio no terceiro e a imolação em alcatrão derretido do quinto título. Por isso diríamos que uma desgraça em camião de lixo merece as honras para melhor chacina de “Descendência,” pois consegue capturar alguma dessa perversidade perdida.
E, enfim, há que reconhecer como os riscos tomados pela equipa de “Descendência” nem sempre compensam. Ao refletir as tendências do género na sua forma presente, os cineastas também acabam por replicar os seus vícios e a assombração da Morte enquanto trauma congénito é um conceito com claros limites. O equilíbrio tonal também vacila, de vez em quando, e, verdade seja dita, nada no restante filme consegue superar o êxtase da abertura em 1968. Tanto assim é que quase desejávamos ver uma obra dedicada à jovem Iris ao invés da sua família. Considerando os resultados de bilheteira, se calhar veremos o nosso desejo concretizar-se no futuro, mas nunca é bom sinal quando vemos um filme e nos distraímos com sonhos de uma possível prequela.
O Último Destino: Descendência, a Crítica
Movie title: Final Destination: Bloodlines
Date published: 1 de June de 2025
Country: EUA
Duration: 110 min.
Director(s): Zach Lipovsky, Adam B. Stein
Actor(s): Kaitlyn Santa Juana, Teo Briones, Rya Kihlstedt, Richard Harmon, Owen Patrick Joyner, Anna Lore, Alex Zahara, April Telek, Tinpo Lee, Tony Todd, Brec Bassinger, Gabrielle Rose, Max Lloyd-Jones, Brena Llewellyn, Natasha Burnett, Jayden Oniah
Genre: Terror, 2025
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Cláudio Alves - 7/10
7/10
CONCLUSÃO:
Para fãs da saga “O Último Destino,” esta sexta desventura é mais do mesmo com uma dimensão emocional um tanto ou quanto mais profunda que o habitual. Dito isso, não dizemos tal coisa em jeito de crítica negativa. Há algo mágico na simplicidade destes filmes e, apesar de alguns trejeitos estilísticos e narrativos, “Descendência” marca um regresso glorioso, uma celebração de um legado lendário, e um magnífico adeus a Tony Todd que tem aqui o melhor material que alguma vez teve no franchise. Nem tudo é um triunfo, mas o esforço merece aplausos.
O MELHOR: O desastre de 1968, a qualidade do elenco de forma geral, com parabéns especiais para Tony Todd em gesto de despedida.
O PIOR: Como nada no resto do filme se compara à calamidade do Sky
CA