"Ventajas de Viajar en Tren" | © MotelX

MotelX ’20 | Ventajas de Viajar en Tren, em análise

Inspirado num romance de Antonio Orejudo, “Ventajas de Viajar em Tren” é cinema da insanidade e do choque. Trata-se também de uma das obras que competiu no 14º MOTELx.

Quem conta um conto acrescenta um ponto. Assim é e sempre foi. Assim é a verdade cósmica que vive no coração de “Ventajas de Viajar en Tren”, o mais recente filme do espanhol Aritz Moreno. Dividido em três capítulos distintos, a obra parte da premissa do encontro ao acaso entre dois estranhos num comboio. Nesse não espaço, nesse transporte transicional, Helga, uma editora literária, cruza caminhos com Ángel, um psiquiatra cheio de histórias bizarras para partilhar.

Primeiro, contudo, “Ventajas de Viajar en Tren” faz questão de estabelecer os paradigmas estilísticos da sua história. Em narração especulativa e em voz-off, ouvimos falar do fado triste de Helga. Um dia, chegou a casa e encontrou o marido a remexer nos excrementos. O senhor tinha tido um devaneio insano e, quando nos deparamos com sua esposa no comboio, ela acabara de internar o marido. Há assim um apelo ao choque, ao horror da loucura, mas também ao efeito que esta tem nos que a rodeiam.

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Mais ainda, esse prólogo lembra-nos que há muitas maneiras de contar uma história destas. Apesar do detalhe textual, nunca vemos nada de extremo e o hediondo da situação vive na reação silenciosa de Helga. À medida que o filme avança, essa contenção esmorece. É como se, entre a editora e o psiquiatra, entre quem ouve e quem conta, quem lê e quem escreve, as barreiras do bom-gosto fossem caindo. Eles seguem o caminho um do outro, acrescentando mais um toque de grotesco com cada nova partilha.

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Revelar em demasia as histórias desta Matrioshka narrativa seria roubar a surpresa ao espetador. Ángel conta vários incidentes dos seus pacientes doidos, mas a narrativa principal segue toda uma teia de conspiração sensacional e obscena. Fala-se de engodos familiares e lixo revisto pelo Governo, de uma rede pedófila e homicida, de humilhações familiares e pessoais. As histórias de Ángel e seus pacientes vão crescendo, passando de anedota a monumento.

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Em contraste, o que Helga tem para partilhar connosco é mais íntimo, mas também mais perturbador. Até certa medida, as dimensões estapafúrdicas do que Ángel nos relata são tão loucas que facilmente nos distanciamos da possibilidade que sejam verdade. Helga, no entanto, partilha um demónio da memória, um trauma da relação amorosa virada em abuso e virada em desumanização sistemática. Tal é o horror da sua vida passada que, enquanto espetadores, aplaudimos a fantasia de um homicídio brutal em que o cérebro de um namorado vira comida de cão.

“Ventajas de Viajar en Tren” é uma boneca russa de delírio e temos que admirar o ímpeto e a confiança de Moreno. O seu estilo nunca vacila e há uma clara metodologia no trabalho com atores e na sobreposição de camadas de falsidade declarado. Contudo, coragem impetuosa não conduz necessariamente a bom cinema. Este objeto cinematográfico vive para o choque lúgubre e há algo de infantil nessa limitação, uma superficialidade que faz com que o desconforto nunca se metastize em medo ou em êxtase criativo. O choque e a ofensa têm méritos, mas não são suficientes para sustentar uma longa-metragem assim.

Ventajas de Viajar en Tren, em análise
Ventajas de viajar en tren critica motelx

Movie title: Ventajas de Viajar en Tren

Date published: 14 de September de 2020

Director(s): Artiz Moreno

Actor(s): Pilar Castro, Ernesto Alterio, Luís Tosar, Quim Gutiérrez, Belén Cuesta, Macarena García, Javier Godino, Javier Botet

Genre: Comédia, Mistério, Terror, 2019, 106 min

  • Cláudio Alves - 50
50

CONCLUSÃO:

Em cores de vómito e diarreia, de plástico sujo e carne podre, “Ventajas de Viajar en Tren” é uma provocação desbocada do realizador espanhol Arits Moreno. Aplaudimos a audácia, mas questionamos a superficialidade do projeto e seu amor pelo choque visceral, mas sem substância.

O MELHOR: Os efeitos de maquilhagem são estupendos. O gore aqui abomina e entretém muito também.

O PIOR: A demonização sistemática de pessoas com problemas mentais. Sem querer cair em retórica moralista, há algo de pueril e fácil nessa provocação. Seria mais surpreendente ver um cineasta tomar outra análise na construção do terror.

CA

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