"Impetigore" | © MotelX

MotelX ’20 | Impetigore, em análise

Impetigore” é um brilhante filme de terror da Indonésia que se propõe a abordar temas raramente esmiuçados no contexto deste género cinematográfico. A obra encontrou-se integrada na secção Serviço de Quarto o 14º MOTELx.

Até que ponto sãos os filhos responsáveis pelos crimes dos pais? É o mal do passado algo que o presente tem que redimir e atonar? Na sociedade atual e contexto sociopolítico, questões de racismo e legado colonizador têm vindo a trazer tais perguntas à esfera do mainstream. Também a ideia de trauma intergeracional se torna mais comum, sublinhando a necessidade destas interrogações. Devemos acatar a responsabilidade de ações no passado do nosso sangue? Devemos exigir essa responsabilização de outros?

Em “Impetigore”, tais ideias são transpostas para o panorama do terror. Para grande surpresa nossa, o próprio filme mostra ambiguidade na sua resposta, vendo valor na afirmação e no negar de tais perguntas. Trata-se de um gesto de grande maturidade num género mais conhecido pela alegoria sensacional e pela busca desmiolada pelo prazer sanguinário. Não que este pesadelo indonésio seja um exercício em ponderação cerebral. Longe disso, este é um filme de terror eficaz, só que seu esqueleto concetual é rijo, bem estruturado e sem medo de confrontar o espetador com pensamentos abrasivos.

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© MotelX

Convém também esclarecer que “Impetigore” não começa logo numa posição de interrogador moral perante a audiência. Antes de qualquer ideia de responsabilidade vir à nora, o realizador Joko Anwar edifica um ponto de partida para a espiral de medo que se seguirá. Numa cidade da Indonésia, encontramos Maya, uma jovem a tentar sobreviver na selva urbana que, certa noite, é atacada por um homem misterioso. Com catana em mão, ele tenta matá-la e parece fascinado por uma cicatriz que ela tem na perna. Felizmente para a mulher, o homicídio é prevenido, mas o trauma fica na carne e na mente, gravado a ferro e fogo.

Mais tarde, depois do choque dessa noite diabólica ter esmorecido, Maya descobre que herdou uma propriedade campestre que, em tempos, pertencera à sua família. Em busca de rumo e de alguma fonte de subsistência, este rato da cidade lá se aventura em direção a zonas rurais. Ao seu lado vai uma fiel amiga, Dini, também ela fascinada pelos mistérios no passado de Maya e sempre pronta a apoiar a outra rapariga. O elo afetivo das duas mulheres é claro, sua amizade um toque de leveza necessária para o filme “Impetigore”. Tanto melhor para nos partir o coração quando Dini é separada da amiga e assassinada pelos aldeões como um animal de gado.

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Anwar mostra-nos o fim dessa rapariga risonha com admirável disciplina. Nota-se que há um respeito pela personagem na forma como a câmara se recusa a glamourizar o sofrimento, mas a audiência é obrigada a confrontar a dor do momento. Depois desse primeiro homicídio, o filme cai numa espiral de loucura à medida que a História da povoação é revelada, flashbacks se desenrolam e Maya descobre o conturbado passado da sua família.

Em termos muito resumidos, a nossa protagonista descende de uma linhagem privilegiada, senhores quase feudais daquela região da Indonésia. Décadas atrás, o primogénito da dinastia cometeu atrocidades para garantir a saúde de uma filha que nasceu sem pele, em carne viva e ensanguentada. Os nobres sacrificaram os pobres inocentes, magia negra foi praticada e agora, os fantasmas do passado amaldiçoam o presente. Para Maya, essa questão da responsabilidade levanta-se de forma cruel – o que é que vale mais, a sua vida ou a de bebés inocentes? É ela mais importante que os outros? Tem ela mais direito à vida?

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Com apelos ao folclore, à História ancestral e ao terror clássico (inclusive uma referência direta ao “Texas Chainsaw Massacre”), “Impetigore” é um conto angustiante que tanto perturba como assusta. Quando tomba para a tragédia, o filme ganha ainda mais valor, ancorado por prestações vividas dos atores e uma forma elegante, onde a arquitetura e a floresta vivem em simbiótica união. Só mesmo o fim nos faz recuar no elogio. Aquando do seu clímax e epílogo niilista, “Impetigore” borra a pintura, transcendendo o seu inteligente conceito e chegando a um patamar mais lúgubre e pobre do terror que choca só por chocar.

Impetigore, em análise
impetigore critica motelx

Movie title: Perempuan Tanah Jahanam

Date published: 12 de September de 2020

Director(s): Joko Anwar

Actor(s): Tara Basro, Ario Bayu, Marissa Anita, Christine Hakim, Zidni Hakim, Asmara Abigail

Genre: Drama, Mistério, Terror, 2019, 106 min

  • Cláudio Alves - 75
75

CONCLUSÃO:

Invocando os crimes do passado e a injustiça social que ainda perdura na Indonésia dos nossos tempos, “Impetigore” é uma formidável proposta terrorífica do realizador que, em anos anteriores, nos trouxe “Satan’s Slaves”. Parece que, para fãs do cinema de terror, Joko Anwar é um nome a celebrar.

O MELHOR: As questões levantadas pela premissa de uma maldição ancestral.

O PIOR: O clímax tomba para um melodrama pseudo-Shakespeariano que dá mais vontade de rir do que de gritar em terror. Mesmo assim, aplausos para os atores que “vendem” a absurdez com impressionante sinceridade. Além disso, o twist do fim é deplorável.

CA

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