Top 10 cinema italiano | 5. Viagem em Itália
Colaborando pela quarta vez com Ingrid Bergman, Roberto Rossellini criou em Viagem em Itália, um dos mais importantes marcos no desenvolvimento do cinema italiano, em que o neorrealismo morre e o cinema moderno emerge.
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Título Original: Viaggio in Italia
Realizador: Roberto Rossellini
Elenco: Ingrid Bergman, George Sanders, Maria Mauban
1954 | 85 min
De modo superficial, poder-se-ia descrever a terceira colaboração entre Roberto Rossellini e Ingrid Bergman, então esposa do realizador, como um drama matrimonial de um casal inglês que viaja por Nápoles enquanto o seu relacionamento é posto à prova por crescentes tensões pessoais. No entanto, mais do que um melodrama sobre um casamento em crise ou mesmo uma exploração realista da vida em Nápoles sob o olhar de dois estrangeiros, Viagem em Itália revela-se como um filme sobre cinema. O filme é quase que um estudo sobre si mesmo, representando a apoteose da exploração cinematográfica que Rossellini havia iniciado com Stromboli, confrontando e dissecando o classicismo romântico de Hollywood e o dogma do neorrealismo italiano, assim como outras linguagens cinematográficas como o drama aristocrático que esteve em voga durante o regime fascista.
Ao longo de Viagem em Itália, Rossellini constrói uma tapeçaria de cuidadas repetições estruturais, retratando metodicamente vários passeios turísticos tomados pela personagem de Bergman. Nessas deambulações, o autor começa por nos mostrar vislumbres quase documentais das ruas napolitanas, para de seguida se aventurar por contemplações simbólicas e belíssimas de vários pontos de interesse, como uma galeria de estátuas e o Vesúvio. Nesses momentos, o olhar do filme ganha asas e retrata, como que em transe, a magnificência deste espaços e objetos do passado ou da natureza, forçosamente injetando a vitalidade do cinema nesses artefactos da mortalidade. No clímax do filme, ao observar dois corpos preservados no momento da sua morte em Pompeia, Bergman fica apavorada. Por momentos, parece que o próprio filme se amedronta com o que observa, como se tivesse ganhado vida e se apercebesse que também ele é um artefacto do passado, uma imagem congelada daquilo que já morreu ou se esfumou na passagem do tempo. Não será o próprio cinema uma espécie de pagã magia capaz de tornar presente e vivo o que é passado e morto?
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Como um vulcão cinemático que rebenta com um universo de novas possibilidades, Stromboli, especialmente o seu final, rompeu com o dogma tanto de Hollywood como da vanguarda neorrealista. No final dessa primeira colaboração entre Rossellini e Bergman, por entre o espiritualismo e religiosidade cortante, temos algo de majestoso, o cinema em crescimento, em inovação, em nascimento e morte simultânea. Em Viagem em Itália esse novo cinema moderno já cresceu, aprendeu a observar e a olhar criticamente o passado, rejeitou-o e decidiu seguir em frente na direção do futuro, tal como o faz a câmara do mestre italiano após uma resolução classicista do drama matrimonial ocorrer como que conjurado por um êxtase religioso. O olho do filme e de Rossellini foca-se então na população, não de um modo realista, mas com algo que se aproxima de um lirismo modernista, tornando vida em poesia em movimento, efetivamente deixando o passado romântico de Hollywood, o cru neorrealismo e as restantes convenções, e expondo a si mesmo e às audiências um novo tipo de linguagem cinematográfica, o cinema moderno.
Tal como Rossellini usou estrelas do cinema internacional nesta sua obra-prima, também Visconti recorreu a glamourosos astros de Hollywood e do cinema francês na sua concretização do maior épico histórico do cinema italiano, na próxima página.
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