© Asatur Yesayants / ShutterStock

Wim Wenders Volta a Casa para Julgar o Mundo | 76º Berlinale

Presidir ao júri da Berlinale 2026 não é um cargo: é uma declaração de amor ao cinema, que o festival e a cidade de Berlim devolvem a Wim Wenders tudo aquilo que ele lhes deu.

Muitas decisões parecem estratégicas, outras diplomáticas, que resultam de longas reuniões cheias de powerpoints, compromissos e sorrisos tensos. Mas convidar Wim Wenders para Presidente do Júri da Berlinale 2026 é uma escolha tão óbvia, tão justa e tão simbolicamente carregada de emoção que quase soa mais a provocação. Como quem diz: “desculpem lá, mas o cinema ainda se leva a sério”.

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Porque isto não é apenas uma mera nomeação ou convite. É um gesto político, cultural e afectivo. É a cidade de Berlim a olhar-se ao espelho e a reconhecer uma das suas imagens mais bonitas. É o festival a dizer que a história não é um peso morto, mas uma bússola. E é Wim Wenders — cineasta, fotógrafo, viajante, cronista da solidão contemporânea — a regressar à sua cidade não como convidado de honra, mas como consciência crítica do mundo.

Wim Wenders
Bruno Ganz em “As Asas do Desejo” (1987) © Road Movies Filmproduktion

Wim Wenders nunca foi um realizador de modas nem de tendências. Fez carreira a filmar estradas, silêncios, cidades em trânsito e pessoas à procura de um lugar no mundo. Desde os tempos fundadores do Novo Cinema Alemão, pelo qual passou mais circunstancialmente, até ao sucesso inesperado e tardio de “Dias Perfeitos” (2023), há uma coerência rara no seu percurso: a ideia de que o cinema serve para olhar melhor, não para olhar mais depressa. Num tempo em que festivais competem por estreias relâmpago e polémicas instantâneas, Wenders presidir ao júri da Berlinale é quase um acto de resistência passiva, daquelas que incomodam, que mexem porque são elegantes.

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Wim Wenders nas edições passadas

Wim Wenders
Nastassja Kinski em “Paris, Texas” (1980) © Road Movies Filmproduktion

A Berlinale conhece-o de trás para a frente. Wim Wenders abriu edições, apresentou filmes, experimentou formatos, apostou no 3D quando muitos ainda torciam o nariz, ajudou a formar gerações no antigo Talent Campus e, em 2015, recebeu o Urso de Ouro Honorário. A ligação é tão profunda que esta presidência soa menos a convite e mais a regresso natural. Como se o festival dissesse: “agora senta-te aqui e ajuda-nos a decidir para onde vamos”.

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Rüdiger Vogler em “Alice nas Cidades” (1974) © Westdeutscher Rundfunk (WDR)

E a verdade é que poucos cineastas reúnem tantas condições para este papel. Wim Wenders conhece o cinema de autor, o cinema industrial, o documentário, a música, a fotografia, a tecnologia e, acima de tudo, conhece o tempo, esse material invisível que faz ou destrói um filme. É europeu sem ser provinciano, é internacional sem ser genérico, é clássico sem ser museológico. E isso, num júri, vale ouro. Ou melhor: vale Ursos.

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As palavras do presidente da Berlinale 2026

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“O Estado das Coisas” (1982), rodado em parte em Portugal |© Wim Wenders Stiftung

As próprias palavras Wim Wenders, de quando do anúncio hoje, disponíveis no site da Berlinale 2026, dizem tudo. O entusiasmo quase juvenil com a ideia de ver todos os filmes da competição, de discutir cinema “em profundidade” com pessoas inteligentes e apaixonadas, soa hoje quase revolucionário. Ver filmes. Falar sobre eles. Pensar. Parece pouco, mas é cada vez mais raro. Wenders não chega à Berlinale como juiz implacável, mas como espectador privilegiado e isso é talvez a melhor notícia para os filmes que vão estar em competição e que vão ser anunciados a 20 de janeiro de 2026.

Wim Wenders
Wim Wenders e Ibrahim Ferrer em “Buena Vista Social Club” (1999) © Road Movies Filmproduktion

Num festival tantas vezes acusado de ser mais político do que cinematográfico, esta escolha também funciona como uma reancoragem. Não elimina o debate, não apaga o mundo, não ignora a realidade. Mas lembra-nos que o cinema continua a ser, antes de mais, uma arte do olhar, da escuta e da empatia. Coisas que Wim Wenders pratica há mais de seis décadas, com teimosia e uma curiosidade quase infantil.

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Tão Longe, Tão Perto
Heinz Rühmann e Otto Sander em “Tão Longe, Tão Perto” (1993) © Wim Wenders Stiftung

Em fevereiro de 2026, quando o júri subir ao palco para entregar os Ursos de Ouro e de Prata, haverá ali qualquer coisa de circular, de fechado e ao mesmo tempo aberto. Wim Wenders, o cineasta que filmou anjos sobre Berlim (“As Asas do Desejo”, 1987), estradas sem fim (“Até Ao Fim do Mundo”, 1991) e homens à procura de sentido (“Paris, Texas”, 1984) estará a decidir que histórias merecem ser sublinhadas neste mundo cada vez mais barulhento. Não é uma homenagem formal. É melhor do que isso. É o seu a seu dono. E o cinema agradece.

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