Os figurinos arquetípicos de Okja | Figura de Estilo

Okja, a aventura tragicómica de uma menina coreana chamada Mija e a sua amada superporca titular, é um filme onde elementos visuais como os figurinos se impõem aos próprios atores como forças principais da experiência cinematográfica.

okja figura de estilo

Apesar de ser falado em inglês e ter sido produzido pela Netflix, Okja é intrinsecamente um filme do visionário sul-coreano Bong Joon-ho. Ou seja, longe de estarmos a falar de um projeto orientado por uma complexa narrativa ou pelas nuances encontradas no trabalho de ator, referimo-nos a um filme singularmente apoiado numa expressão cinematográfica formalista. É um conto moralista, mas, acima disso, é um espetáculo de som e imagética delirante, cheio de figuras definidas pela sua caricaturesca aparência e desenvolvimentos emocionais proporcionados pelo ambiente sombrio de um cenário ou a batida idiossincrática da banda-sonora. Com isso em conta, será justo dizer que o trabalho da equipa de figurinistas composta por Choi Se-yeon e Catherine George constitui um dos principais elementos criativos de Okja.

Lê Também: Os figurinos icónicos da Mulher Maravilha

Aliás, no primeiro plano do filme um par de sapatos de salto alto desenhados por Tom Ford domina a imagem. Na narrativa de Okja, ele pertence a Lucy Mirando, a herdeira de uma poderosíssima corporação agroquímica cujo passado está manchado por uma série de sanguinários escândalos. Quando a encontramos, ela está a tentar renovar a imagem da Mirando Corporation com um plano apresentado como a solução para a fome mundial, e essa limpeza da imagem pública é a principal linha de pensamento a definir o seu estilo pessoal. Com uma cabeleira loira oxigenada e cortada num estilo rígido e ligeiramente infantil, um vestido de linho branco, a tez pálida de Tilda Swinton e aparelho nos dentes, Lucy é uma personificação enfaticamente curada de uma ideia de pureza que, no final, é tão intimidante como ridícula.

okja figura de estilo

okja figura de estilo

Como principal fonte de inspiração para este conjunto e para os outros figurinos envergados pela personagem, Catherine George usou imagens de pessoas como Ivanka Trump e Gwyneth Paltrow, procurando uma sintetização grotesca dos seus estilos executivos. Mais ou menos como essas figuras do mundo real, Lucy é uma pessoa cuja aparência é totalmente motivada pela sua tentativa de manipular a opinião pública, edificando-se a si mesma como uma gloriosa salvadora não só do seu negócio familiar como do mundo. Com isso em mente, George olhou ainda para o estilo pessoal do magnata Richard Branson, para decidir o que é que a personagem deveria vestir aquando do clímax do filme, onde a superporca Okja é apresentada ao mundo numa elaborada cerimónia em Nova Iorque.

Lê Também:   Esta minissérie de 7 episódios baseada em factos reais já é a mais vista da Netflix a nível mundial

okja figura de estilo

Branson tem por hábito vestir os estilos tradicionais dos países que visita, num ato que trespassa tanto cinismo como condescendente apropriação cultural, e Lucy Mirando faz o mesmo. Como Okja e sua juvenil companheira Mija vêm da Coreia, ela enverga uma versão estilizada de um hanbok tradicional que George foi buscar a uma das mais recentes coleções da Chanel. Graças às ligações de Tilda Swinton com a marca, muito do guarda-roupa imaginado por Catherine George para a atriz escocesa foi tirado dos arquivos e confecionado pela equipa da Chanel. O seu hanbok, por exemplo, foi feito com praticamente o mesmo desenho, mas numa paleta cromática diferente daquela apresentada nas passerelles internacionais.

okja figura de estilo

okja figura de estilo

Mas George não desenhou só os figurinos de Lucy Mirando. Também interpretada por Tilda Swinton, Nancy Mirando é a tenebrosa irmã gémea de Lucy e o seu estilo pessoal reflete não só a sua monstruosa severidade como os anos que passou na Grã-Bretanha. Com um pouco de Camilla Parker-Bowles e de Theresa May, Nancy é uma personificação de conservadorismo capitalista à moda inglesa. Para além das irmãs, temos também o irreverente Johnny Wilcox, cujos conjuntos de calções e camisas havaianas em padrões garridos foram principalmente inspirados por uma série de verdadeiros apresentadores de programas infantis sobre ciência e animais que George estudou.

okja figura de estilo

okja figura de estilo

okja figura de estilo

 

Consulta Ainda: Guia das Estreias de Cinema | Julho 2017

 

okja figura de estilo

okja figura de estilo

okja figura de estilo

Por fim, os membros da Frente de Libertação Animal (ALF) vestem cores escuras e peças práticas que, apesar da sua geral uniformidade, denotam pequenos detalhes diferenciadores das suas personalidades e histórias pessoais. Silver, por exemplo, é tão fanático nas suas crenças ambientalistas que se recusa a comer, pelo que Catherine George o vestiu em roupas para ciclismo de modo a salientar a sua magreza e criou-lhe uma máscara de esqui diferente das dos seus companheiros na medida em que sugere a forma de um coração, um símbolo representante da compaixão extrema e autodestrutiva de Silver.

Lê Também:   The Witcher, da Netflix, recebe novidades sobre o seu futuro

okja figura de estilo

okja figura de estilo

Depois de meses a comunicarem por mail e Skype, foi graças ao aparecimento dos membros da ALF e de Johnny Wilcox na primeira metade do filme que Catherine George pode conhecer em pessoa a figurinista responsável por vestir a protagonista humana de Okja e seu avô durante a secção coreana da história. Longe dos extremos caricaturados dos figurinos de George, o trabalho de Choi Se-yeon sugere algo mais natural em algodões leves e cores fortes que, apesar de não reproduzirem as tonalidades das florestas envolventes, sugerem uma existência em harmonia com a Natureza. Só mesmo quando Mija segue o rasto de Okja até à capital coreana é que os seus figurinos entram em violento contraste com o ambiente que a envolve, com tons de vermelho e roxo a pintarem violentas manchas de cor no meio de ambientes esterilmente urbanos.

okja figura de estilo

okja figura de estilo

Tal como o resto da execução formal de Okja sugere, o contraste estilístico dos figurinos define a vivência campestre da primeira metade da narrativa como um paraíso bucólico pelo qual vale a pena lutar, não obstante a espetacularidade violenta do mundo ocidental e seus exageros empresariais. Repare-se que o único grande figurino desenhado por Catherine George para Mija, uma versão infantil do hanbok Chanel de Lucy Mirando, é algo que por muito pseudo coreanas que seja a silhueta ou muito suaves que sejam as cores dos tecidos, é apresentado ao público como uma perversa pretensão de harmoniosa inocência. Não há adoráveis fatiotas cor-de-rosa capazes de esconder o horror do matadouro industrial. Quando essas peças assinadas por Lucy Mirando ficam cobertas por sangue de animais chacinados em massa e de pessoas agredidas por polícia de intervenção, a hipocrisia da Mirando Corporation e a tenebrosa desumanidade da indústria da carne são perfeitamente sumarizadas num só figurino.

okja figura de estilo

okja figura de estilo

Depois de toda a polémica gerada pela distribuição de Okja nos cinemas e na Netflix, será que o trabalho da sua formidável equipa criativa vai ser recordado quando chegarmos à Awards Season no final do ano? Uma coisa é certa, os magistrais esforços destas duas figurinistas nos filmes passados de Bong Joon-ho como Mother e Snowpiercer foram injustamente subvalorizados e merecem mais atenção. Concordas?

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *