Filmado num falso plano-sequência e agraciado com uma cinematografia irrepreensível, 1917 é talvez o épico de guerra mais belo de sempre. O filme de Sam Mendes estreia em Portugal em Janeiro, mas nós trazemos hoje as primeiras impressões, vindas dos EUA.
Pirâmides de corpos decompostos, entranhas e órgãos despojados, sangue infiltrado na lama, ratazanas famintas. Como é que uma paisagem tão dantesca e desprovida de esperança pode tornar “1917”, a incursão de Sam Mendes pelos épicos bélicos, num filme visualmente tão deslumbrante? A resposta surge através de duas palavras: Roger e Deakins.
Deakins, mestre da luz, dos grandes e dos pequenos planos, da estética dos tons sépia, capta graciosidade do nascer do sol, a expressão facial exasperada do protagonista (soberbo George MacKay), um incêndio numa noite negra, as trincheiras imundas, as explosões que detonam e perseguem o protagonista (já dissemos “soberbo George MacKay”?), os rostos no escuro iluminados pela ténue luz de uma vela.
A influência de Roger Deakins no produto final é de tal forma significativo que “1917” parece, em primeira instância, um produto do seu diretor de fotografia e não do seu realizador.
O filme de Sam Mendes, inspirado nas histórias que o seu avô lhe contou, narra a viagem contra o tempo de dois soldados britânicos que, num dos momentos mais críticos da Primeira Guerra Mundial, terão de cruzar o território inimigo e entregar uma mensagem que cessará um ataque brutal e impedirá a morte de milhares de oficiais do exército britânico.
As referências são óbvias: a arquitetura da narrativa de Christopher Nolan em “Dunkirk” e o tour de force filmado por Alejandro González-Iñarritu em “The Revenant”. Mendes constrói uma obra, filmada num falso plano-sequência, que fica a meio caminho entre essas referências: nem exacerbadamente gélido quanto “Dunkirk” nem excessivamente lírico quanto “The Revenant”. A sua atenção ao formalismo estético traz a Sam Mendes o inegável proveito de ter realizado um dos filmes mais belos dos últimos anos.
O único senão é que, quando se faz close-up ao diálogo, à narrativa ou ao subtexto, observa-se que a estética não só está na origem do conteúdo, como se sobrepõem a ele. “1917” até pode possuir uma imagética admirável (cada frame é uma fotografia digna de museu), mas não nos parece suficientemente sólido, em toda a linha, para ser considerado um dos melhores filmes do ano.
Nota: A escrita deste artigo resulta do visionamento adiantado do filme nos EUA. “1917” estreia em Portugal a 23 de Janeiro.
1917
Movie title: 1917
Date published: 18 de December de 2019
Director(s): Sam Mendes
Actor(s): George MacKay, Dean-Charles Chapman, Mark Strong, Andrew Scott, Richard Madden, Claire Duburcq, Colin Firth, Benedict Cumberbatch
Sonho como se estivesse num filme de Wes Anderson, mas na verdade vivo no universo neurótico de Woody Allen. Sou obcecado pela temporada de prémios, e gostaria de ter seguido a carreira de cartomante para poder acertar em todas as previsões dos Óscares, Globos de Ouro (da SIC), Razzies, Troféus TV7 Dias e Corpo do Ano Men's Health. Mas, nesse universo neurótico e imperfeito em que me insiro, acabei por me tornar engenheiro. Sigam-me no Instagram para mais bitaites sobre Cinema, Música, Fotografia e outras coisas desinteressantes.