72º Festival de Cannes | Onde Estás Tarantino?
São para já 19 os filmes da Selecção Oficial em competição dos cineastas, a maioria dos quais habituais, que vão estar no Festival de Cannes 2019, que se realiza de 14 a 25 de Maio. Mas onde está o tão aguardado novo filme de Tarantino? Calma que vêm aí mais novidades!
Foi anunciada em conferência de imprensa realizada em Paris, há poucas horas, nesta quinta-feira santa, a Selecção Oficial do 72º Festival de Cannes. Trata-se novamente de uma selecção ‘santificada’ por Cannes porque na sua maioria estão representados os cineastas quase sempre presentes nas edições anteriores do festival: Jarmuch, Almodóvar, os Irmãos Dardenne, Dolan, Malick, Loach, Suleiman… mas aguardam-se surpresas, aliás como tem sido uma constante nos últimos anos, que depois do anúncio é costume acrescentar filmes à competição. Quentin Tarantino está a terminar ‘Once Upon a Time in Hollywood’, e Thierry Frémaux, o delegado-geral do festival, além do anúncio vai rezando a todos os santinhos e apóstolos para que a cópia em 35mm, (uma insistência do realizador) possa estar pronta a tempo de chegar para integrar a competição. Algo que teria um forte simbolismo já que se comemoram em 2019 os 25 anos da Palma de Ouro ganha por ‘Pulp Fiction’. Ficaram ainda de fora alguns filmes muito aguardados, mas vamos para já aos que foram anunciados na conferência de imprensa em que Thierry Frémaux e Pierre Lescure, respectivamente delegado-geral e presidente do festival, definiram como uma selecção ‘romântica e política’. Segundo Frémaux, trata-se mesmo de uma selecção de filmes do momento que representam uma galeria de zombies, juízes, desempregados, mafiosos, pintores e cantores como personagens; e depois que marca um ‘predomínio do cinema de género, mesmo que disfarçado’, como o novo filme do norte-americano Jim Jarmusch, intitulado ‘The Dead Don’t Die’, na abertura, a 14 de Maio, que junta um elenco muito pop e diverso, onde constam Chloë Sevigny, Adam Driver, Tilda Swinton, Bill Murray, Steve Buscemi, Tom Waits, Carol Kane, Danny Glover ou Iggy Pop. Um bom lote de estrelas para fazer brilhar a passadeira vermelha de Cannes logo no primeiro dia.
Depois vêm aí os suspeitos do costume, a começar pelos veteranos belgas Jean-Pierre e Luc Dardenne e o britânico Ken Loach que têm quase um lugar cativo na Croisette, sempre que terminam um filme. Os irmãos vão apresentar ‘Le Jeune Ahmed’, um filme com um ‘assunto escaldante para a Bélgica e para toda a Europa’, a questão do terrorismo islâmico, sobre um adolescente dividido entre os ideais do seu imã e os apelos à vida e que tem um plano para matar o professor, que estreia em França no mesmo dia de Cannes; o veterano Ken Loach, vencedor da Palma de Ouro em 2016 com ‘Eu, Daniel Blake’, ainda não se aposentou e regressa ao que parece em grande forma com ‘Sorry We Missed You’, sempre na linha do seu ‘cinema socialista’. Outros veteranos vão estar a competir como Terrence Malick, que regressa ao tema da II Guerra Mundial (que saudades de ‘A Barreira Invisível), com ‘Hidden Life’; ou Marco Bellochio, com ‘Il Traditore’, um filme sobre Tommaso Buscetta, um arrependido da máfia siciliana. Pedro Almodóvar, apresenta também ‘Dolor y Gloria’, já estreado em Espanha, que junta novamente Antonio Banderas e Penélope Cruz. A crítica espanhola rendeu-se a este filme que desenvolve um alter ego do próprio cineasta, em que Banderas encarna com uma comovedora honestidade Salvador Mallo, um realizador que, no ocaso da sua carreira e doente recorda os momentos e as pessoas que marcaram a sua vida. Desde a sua precária infância em Paterna, Valência, até às suas vivências (uma desilusão amorosa incluída) na agitada e apaixonante ‘movida’ de Madrid dos anos 80.
VÊ TRAILER DE ‘DOLOR Y GLÓRIA’
Por outro lado, há bastante lugar para os jovens, mas não menos habituais a começar com o canadiano Xavier Dolan, que volta ao festival, que o lançou internacionalmente, protagonizando igualmente, ‘Mathias & Maxime’. Jessica Haustner estreia-se com ‘Little Joe’ um filme sobre o polémico e sensível tema da manipulação genética. O coreano Bong Joon Ho regressa à competição com ‘Parasites’, que pouco se sabe sobre o tema. Foi no entanto com ‘Okja’, em 2016, o filme produzido pela Netflix a concurso, que começaram as reações da indústria francesa contra a plataforma de streaming. A partir daí o Festival de Cannes suspendeu a presença a concurso de filmes da plataforma e quem ganhou foi a concorrência, o Festival de Veneza, que o ano passado ficou com os filmes Netflix, entre os quais ‘Roma’, de Alfonso Cuarón, e outros tantos concorrentes aos Óscares. A questão parece estar adormecida mas este ano será decerto modo decisivo para o Festival de Cannes tomar uma posição em relação ao futuro do cinema em streaming, pois vêm aí mais plataformas como a da major Disney.
Vamos ver também em competição ‘It Must Be Heaven’, o novo filme do realizador ‘sem-terra’, o palestiniano Elia Suleiman (‘Intervenção Divina’). Todos os seus filmes — quase todos com uma forte ajuda francesa — têm sido apresentados no Festival de Cannes, e este é precisamente rodado entre Paris e Nova Iorque. O brasileiro Kleber Mendonça Filho, (apresentou em 2016 na competição ‘Aquarius’, com Sónia Braga) realizou em parceria com Juliano Dornelles, um ‘western nordestino’, intitulado ‘Bacurau’, um filme que pisca o olho a Tarantino, vai estar na competição; a francesa Céline Schiamma, (estreou um muito aplaudido ‘Bando de Raparigas’ na Quinzena dos Realizadores 2014), estreia-se na competição, com ‘Portrait de la jeune fille en feu’, um história de amor entre uma pintora e a sua bela modelo, passada na França do século XVIII. Na quota de filmes franceses está também a forte presença de mais um ‘homem da casa’, Arnaud Desplechin, com ‘Oh Mercy!’, um filme rodado em Roubaix, no Norte de França, a sua terra natal. Na lista dos filmes e cineastas a concurso estão igualmente alguns que criam grande expectativa como ‘The Wild Goose Lake’, de Diao Yinan, ‘Atlantique’, de Mati Diop, ‘Les Miserables’, de Ladj Ly, ‘The Whistlers’, do romeno Corneliu Porumboiu, ‘Sibyl’, de Justine Triet e ‘Frankie’, de Ira Sachs (‘Casamentos e Infidelidades’) com Isabelle Huppert, filmado em Portugal, e co-produzido pela O Som e a Fúria, aliás por agora o único reflexo do nosso país na competição oficial. Segundo as notas de imprensa ‘Frankie’ conta a história de três gerações de uma família europeia que se reúne na lendária cidade de Sintra, para uma última viagem antes que a matriarca da família enfrente o próximo, e último, capítulo da sua vida. Num dia fresco de Outubro, o cenário de conto de fadas desperta os impulsos mais românticos de todos, revelando tanto a distância entre eles quanto sentimentos de uma profundidade inesperada. Para já não há nenhum filme português na Seleção Oficial de Cannes 72. Vamos aguardar pelas selecções da Semana da Crítica e da Quinzena dos Realizadores.
De fora ficaram ainda alguns filmes muito aguardados para esta montra de Cannes 72 que ainda há esperança de virem a integrar a competição: ‘Ad Astra’, de James Gray, que quase de certeza que vai acabar por ser anunciado para acrescentar à competição; o mesmo não deve acontecer com um ‘filme francês’ intitulado ‘Verité’, com Juliette Binoche e Catherine Deneuve, curiosamente realizado pelo cineasta japonês Hirokazu Kore-eda, vencedor o ano passado da Palma de Ouro (‘Shoplifters: Uma Família de Pequenos Ladrões’), que não deve estar pronto a tempo; e ‘Mektoub My Love: Intermezzo’, a continuação de ‘Mektoub My Love: Canto Primeiro’, de Abdellatif Kechiche, que foi quase dado como certo neste Cannes 72.
Contudo, há muitos e bons filmes para dar algumas boas dores de cabeça, no melhor dos sentidos ao cineasta mexicano Alejandro González Iñárritu que vai presidir ao Júri e atribuir o Palmarés 2019 a 25 de Maio, um dia antes das Eleições Europeias. Esta edição de 72º Festival de Cannes está fortemente marcada, em primeiro lugar pelo recente desaparecimento da cineasta Agnès Varda, mas ao mesmo tempo celebrada com a figura da cineasta, no belíssimo cartaz, e depois pela homenagem ao actor Alain Delon que vai receber uma Palma de Ouro honorífica.
José Vieira Mendes