The Whistlers

72º Festival de Cannes: ‘The Whistlers’ e os outros

No seu novo filme ‘The Whistlers’, apresentado na competição, o realizador romeno Corneliu Porumboiu escolheu o tema ‘The Passenger’, de Iggy Pop, para começar  a assobiar na sua divertida homenagem ao filme noir. Mas houve mais filmes na competição….de Cannes 72.

O novo filme do realizador romeno Corneliu Porumboiu é uma viagem entre Bucareste e as Ilhas Canárias ou mais precisamente a Ilha de La Gomera que dá igualmente título a este filme. ‘The Whistlers’, (ou Os Assobiadores) centra a sua acção em Cristi (interpretado pelo, quase sempre presente nos filmes romenos, actor Vlad Ivanov), um sisudo policia de Bucareste que tenta libertar da prisão um homem ligado a negócios escuros. Para conseguir esse objectivo Cristi vai cruzar-se com uma mulher lindíssima (Catrinel Marlon), e viajar para uma das ilhas das Canárias, conhecida pela sua língua secreta de assobios que ele vai ter dominar. Tudo isto para confundir os outros policias e a procuradoria da sua missão secreta e dúbia, encomendada por uma organização criminosa.

‘The Whistlers’
Cristi é interpretado pelo, quase sempre presente nos filmes romenos, actor Vlad Ivanov.
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Ao contrário da maioria dos seus colegas do novo cinema romeno, que geralmente tratam temas bastante sombrios, Porumboiu, é talvez aquele que consegue fazer filmes mais engraçados, desconcertantes e absurdos. Em ‘O Tesouro’, (2015) já tinha acontecido isso com o homem que vê o seu futuro dependente de um detector de metais e de uma fortuna enterrada no quintal. A chave de ‘The Whistlers’, e o que o torna mais divertido é sem dúvida a descoberta desse método de comunicação pouco convencional (mas real) conhecido como o Silbo Gomero, típico da ilha das Canárias: esta estranha linguagem, teve de ser ensinada ao protagonista, um amador completo neste sentido, que se trata de fazer um assobio forte que exprime palavras, à custa de um dedo preso na boca. Quanto à história é uma convencional e clássica ‘golpada’, em jeito de ‘filme noir’ e com uma belíssima ‘femme fatale’ (Catrinel Marlon), chamada precisamente Gilda, de nos fazer saltar os olhos das órbitas e, com a câmara ‘babando-se’ frequentemente com todas a suas belas formas.

'The Whistlers'
Cris, o polícia vai ter que apanhar algumas pancadas e fazer alguns jogos de cintura.

Cristi não é o Danny Ocean (George Clooney) de ‘Oceans 11’, nem o Ned Racine (William Hurt) de ‘Noites Escaldantes’, — e  ‘The Whistlers’, também não termina numa ilha paradisíaca da Caraíbas, mas antes no insólito Jardim da Baia, com as suas árvores luminosas, em Singapura. Mas o polícia vai ter que apanhar algumas pancadas e fazer alguns jogos de cintura para levar em frente o seu plano pessoal de sacar dinheiro para a sua independência. O desafio é ver-mos se vai tudo correr bem, com muitas reviravoltas. As piscadelas de olhos cinéfilas são igualmente muitas neste neo-noir de Corneliu Porumboiu. Vão efectivamente desde a própria personagem feminina de Gilda, a uma sequência semelhante a de ‘Psico’, que não dá para conter as gargalhadas; mas não fica por aqui, porque depois há uma cena devidamente orquestrada num ecrã de televisão, que procura celebrar o papel de John Wayne, em ‘A Desaparecida’, de John Ford. No entanto, é esta ideia de introduzir, num filme policial, os assobiadores de La Gomera, é que é absolutamente genial e um tanto ou quanto improvável, num filme deste tipo. Dificilmente ‘The Whistlers’ ganhará um prémio mas é divertido e inteligente. Recorde-se que começa logo ‘à abrir’ com o ‘The Passager’, de Iggy Pop,  mas a banda-sonora é também excelente, com vários excertos de óperas, que são marcantes para certos momentos de suspense do filme.

'A Hidden Life'
‘A Hidden Life’ segue os grandes planos abertos da beleza da paisagem natural, de Mallick.

OUTROS FILMES DA COMPETIÇÃO

Espaço ainda para mais alguns filmes da competição que passaram mais ou menos irrelevantes, pelo menos pela crítica especializada aqui em Cannes, como é o caso de ‘The Wild Goose Lake’, o novo filme do chinês Diao Yinan, vencedor da Berlinale 2014 com ‘Carvão Negro Gelo Fino’ (e Prémio de Interpretação). ‘The Wild Goose Lake’ é uma obra de um assombroso virtuosismo estético e visual. Começa debaixo de uma chuva torrencial, com os reflexos amarelos das luzes da plataforma de uma estação de comboios aberta à noite, enquanto um homem espera escondido por detrás de uma grande coluna e é abordado por uma mulher que não reconhece. É o início para emergirmos em mais uma obra apaixonante também ao estilo de ‘neo-noir’ oriental, pautado com fugas, um ritmo vertiginoso e um frenesim de localizações e de personagens — que às vezes custa um pouco a identificá-las, como aliás na maioria dos filmes orientais — e, cuja a realização é impressionante e a velocidade é muito mais acelerada em relação ao filme anterior do realizador chinês.

'Portrait de la Jeune...'
Adèle Haenel, a loira está presente em vários filmes de Cannes 72, além deste.

O veterano norte-americano uma espécie de ‘bicho-do-mato’, Terrence Malick (‘A Árvore da Vida’) continua na sua linha narrativa de pendor existencial e profundamente religiosa — os conflitos entre o Bem e o Mal, na natureza humana e a imortalidade — com o seu novo filme ‘A Hidden Life’, bastante aguardado também nesta competição de Cannes 72. ‘A Hidden Life’ segue os grandes planos abertos da beleza da paisagem natural, uma montagem alternada e não-linear para contar a história verídica do ‘calvário’ de um objector de consciência austríaco Franz Jagerstatter, — interpretado pelo actor August Diehl (‘Sacanas Sem Lei’) —  e o sofrimento da sua família, pois este recusou-se a servir durante a II Guerra Mundial não só o exército, mas igualmente a seguir os ideais nazis. Por último, algumas palavras para ‘Portrait de la Jeune Fille en Feu’, da francesa Céline Sciamma (realizadora de ‘Naissance dês Pieuvres’ e co-argumentista de ‘A Minha Vida de Courgette’), um filme de época do século XVIII, passado numa ilha da Bretanha, que a pretexto da pintura de um retrato de uma noviça rebelde (Adèle Haenel), obrigada a casar pela família, acaba por se envolver com a sua retratista (Noémie Merlant). É um filme belo sobretudo na forma como o romance feminino vai evoluindo e ‘aquecendo’ ao longo da história, muito bem interpretado pela duas actrizes sobretudo nos silêncios e trocas de olhar. Recorde-se que a actriz francesa Adèle Haenel, está presente em vários filmes de Cannes 72, além deste: ‘Les Héros Ne Meurent Jamais’ (Semana da Crítica) e ‘Le Daim’ (Quinzena dos Realizadores).

José Vieira Mendes

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