72º Festival de Cannes: ‘The Whistlers’ e os outros
No seu novo filme ‘The Whistlers’, apresentado na competição, o realizador romeno Corneliu Porumboiu escolheu o tema ‘The Passenger’, de Iggy Pop, para começar a assobiar na sua divertida homenagem ao filme noir. Mas houve mais filmes na competição….de Cannes 72.
O novo filme do realizador romeno Corneliu Porumboiu é uma viagem entre Bucareste e as Ilhas Canárias ou mais precisamente a Ilha de La Gomera que dá igualmente título a este filme. ‘The Whistlers’, (ou Os Assobiadores) centra a sua acção em Cristi (interpretado pelo, quase sempre presente nos filmes romenos, actor Vlad Ivanov), um sisudo policia de Bucareste que tenta libertar da prisão um homem ligado a negócios escuros. Para conseguir esse objectivo Cristi vai cruzar-se com uma mulher lindíssima (Catrinel Marlon), e viajar para uma das ilhas das Canárias, conhecida pela sua língua secreta de assobios que ele vai ter dominar. Tudo isto para confundir os outros policias e a procuradoria da sua missão secreta e dúbia, encomendada por uma organização criminosa.
![‘The Whistlers’](https://www.magazine-hd.com/apps/wp/wp-content/uploads/2019/05/thewhistlers2.jpeg)
Ao contrário da maioria dos seus colegas do novo cinema romeno, que geralmente tratam temas bastante sombrios, Porumboiu, é talvez aquele que consegue fazer filmes mais engraçados, desconcertantes e absurdos. Em ‘O Tesouro’, (2015) já tinha acontecido isso com o homem que vê o seu futuro dependente de um detector de metais e de uma fortuna enterrada no quintal. A chave de ‘The Whistlers’, e o que o torna mais divertido é sem dúvida a descoberta desse método de comunicação pouco convencional (mas real) conhecido como o Silbo Gomero, típico da ilha das Canárias: esta estranha linguagem, teve de ser ensinada ao protagonista, um amador completo neste sentido, que se trata de fazer um assobio forte que exprime palavras, à custa de um dedo preso na boca. Quanto à história é uma convencional e clássica ‘golpada’, em jeito de ‘filme noir’ e com uma belíssima ‘femme fatale’ (Catrinel Marlon), chamada precisamente Gilda, de nos fazer saltar os olhos das órbitas e, com a câmara ‘babando-se’ frequentemente com todas a suas belas formas.
!['The Whistlers'](https://www.magazine-hd.com/apps/wp/wp-content/uploads/2019/05/thewhistlers4.jpeg)
Cristi não é o Danny Ocean (George Clooney) de ‘Oceans 11’, nem o Ned Racine (William Hurt) de ‘Noites Escaldantes’, — e ‘The Whistlers’, também não termina numa ilha paradisíaca da Caraíbas, mas antes no insólito Jardim da Baia, com as suas árvores luminosas, em Singapura. Mas o polícia vai ter que apanhar algumas pancadas e fazer alguns jogos de cintura para levar em frente o seu plano pessoal de sacar dinheiro para a sua independência. O desafio é ver-mos se vai tudo correr bem, com muitas reviravoltas. As piscadelas de olhos cinéfilas são igualmente muitas neste neo-noir de Corneliu Porumboiu. Vão efectivamente desde a própria personagem feminina de Gilda, a uma sequência semelhante a de ‘Psico’, que não dá para conter as gargalhadas; mas não fica por aqui, porque depois há uma cena devidamente orquestrada num ecrã de televisão, que procura celebrar o papel de John Wayne, em ‘A Desaparecida’, de John Ford. No entanto, é esta ideia de introduzir, num filme policial, os assobiadores de La Gomera, é que é absolutamente genial e um tanto ou quanto improvável, num filme deste tipo. Dificilmente ‘The Whistlers’ ganhará um prémio mas é divertido e inteligente. Recorde-se que começa logo ‘à abrir’ com o ‘The Passager’, de Iggy Pop, mas a banda-sonora é também excelente, com vários excertos de óperas, que são marcantes para certos momentos de suspense do filme.
!['A Hidden Life'](https://www.magazine-hd.com/apps/wp/wp-content/uploads/2019/05/ahiddenlife.jpeg)
OUTROS FILMES DA COMPETIÇÃO
Espaço ainda para mais alguns filmes da competição que passaram mais ou menos irrelevantes, pelo menos pela crítica especializada aqui em Cannes, como é o caso de ‘The Wild Goose Lake’, o novo filme do chinês Diao Yinan, vencedor da Berlinale 2014 com ‘Carvão Negro Gelo Fino’ (e Prémio de Interpretação). ‘The Wild Goose Lake’ é uma obra de um assombroso virtuosismo estético e visual. Começa debaixo de uma chuva torrencial, com os reflexos amarelos das luzes da plataforma de uma estação de comboios aberta à noite, enquanto um homem espera escondido por detrás de uma grande coluna e é abordado por uma mulher que não reconhece. É o início para emergirmos em mais uma obra apaixonante também ao estilo de ‘neo-noir’ oriental, pautado com fugas, um ritmo vertiginoso e um frenesim de localizações e de personagens — que às vezes custa um pouco a identificá-las, como aliás na maioria dos filmes orientais — e, cuja a realização é impressionante e a velocidade é muito mais acelerada em relação ao filme anterior do realizador chinês.
!['Portrait de la Jeune...'](https://www.magazine-hd.com/apps/wp/wp-content/uploads/2019/05/portrait1.jpeg)
O veterano norte-americano uma espécie de ‘bicho-do-mato’, Terrence Malick (‘A Árvore da Vida’) continua na sua linha narrativa de pendor existencial e profundamente religiosa — os conflitos entre o Bem e o Mal, na natureza humana e a imortalidade — com o seu novo filme ‘A Hidden Life’, bastante aguardado também nesta competição de Cannes 72. ‘A Hidden Life’ segue os grandes planos abertos da beleza da paisagem natural, uma montagem alternada e não-linear para contar a história verídica do ‘calvário’ de um objector de consciência austríaco Franz Jagerstatter, — interpretado pelo actor August Diehl (‘Sacanas Sem Lei’) — e o sofrimento da sua família, pois este recusou-se a servir durante a II Guerra Mundial não só o exército, mas igualmente a seguir os ideais nazis. Por último, algumas palavras para ‘Portrait de la Jeune Fille en Feu’, da francesa Céline Sciamma (realizadora de ‘Naissance dês Pieuvres’ e co-argumentista de ‘A Minha Vida de Courgette’), um filme de época do século XVIII, passado numa ilha da Bretanha, que a pretexto da pintura de um retrato de uma noviça rebelde (Adèle Haenel), obrigada a casar pela família, acaba por se envolver com a sua retratista (Noémie Merlant). É um filme belo sobretudo na forma como o romance feminino vai evoluindo e ‘aquecendo’ ao longo da história, muito bem interpretado pela duas actrizes sobretudo nos silêncios e trocas de olhar. Recorde-se que a actriz francesa Adèle Haenel, está presente em vários filmes de Cannes 72, além deste: ‘Les Héros Ne Meurent Jamais’ (Semana da Crítica) e ‘Le Daim’ (Quinzena dos Realizadores).
José Vieira Mendes