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75º Festival de Cannes | ‘Un Petit Frère’

A francesa Léonor Seraille encerrou a Competição do 75º Festival de Cannes com ‘Un Petit Frère’, um drama sóbrio que remonta uma jornada de imigração, desde os finais dos anos 80, até os nossos dias e sobre os modos de integração da França.

Ontem sexta-feira, pouco antes das 18h00, foi o último dia da Competição de Cannes 75, em vésperas do encerramento, que dará o seu veredicto esta noite de sábado, numa cerimónia que começará mais tarde que o habitual, isto é por volta da 20h30 (19h30 de Portugal) e que poderá ser seguida em directo no site do festival. A segunda longa-metragem de Léonor Seraille — Prémio Câmera de Ouro, pela sua primeira-obra ‘Jeune femme’ do Festival de Cannes 2017 — intitulada Un Petit Frère, protagonizada pela maravilhosa actriz senegalesa Annabelle Lengronne é uma evocação muito sóbria da imigração africana para a França e da forma como ela se integra no País símbolo da liberdade, igualdade fraternidade. Annabelle Lengronne faz parte também do elenco de ‘Novembre’ de Cédric Jimenez, (Fora de Competição), aliás com Stéphane Bak (que faz aqui do seu filho Jean), um filme na investigação que se seguiu aos ataques de Paris. Vista também em Uma Vida Melhor, de Cédric Kahn,  a atriz senegalesa é absolutamente deslumbrante neste seu papel da mãe Rose.

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75º Festival de Cannes
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Enquanto em ‘Tori e Lokita’, dos belgas Irmãos Dardenne — outro dos filmes que esteve na Competição e sobre o mesmo tema — escolheram um certo imediatismo e tensão, para descrever a viagem de dois jovens migrantes africanos em Liège (Bélgica), a jovem cineasta francesa Léonor Seraille expande-se na temporalidade, para contar, ao longo de um quarto de século, a instalação na França, de Rose (Annabelle Langronne) e dos seus dois filhos pequenos, Ernest e Jean — temos vários actores nos papéis, para representarem as idades dos protagonistas — que vieram da Costa do Marfim. Desde os finais da década 80, que ‘Un Petir Frére’, acompanha o difícil percurso de integração dessa família, em primeiro acolhida por parentes num pequeno apartamento nos subúrbios de Paris, antes de se mudar para a Normandia. Depois de ‘Jeune femme’, com Laetitia Dosch, a realizadora Léonor Seraille mais uma vez procura retratar uma mulher comum, que luta pelo seu próprio destino. Isto é numa missão quase impossível, numa França que só lhe oferece um emprego como camareira num hotel decadente, que vive várias histórias de amor sem paixão e que procura o sucesso à sua maneira. Na verdade, a coisa mais importante aos seus olhos é esse conceito abstracto de sucesso.

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VÊ TRAILER DE ‘UN PETIT FRÈRE’

Mas pode uma vida ser resumida ao sucesso? E como ter aspirações maiores quando as dificuldades do dia-a-dia parecem ser o único horizonte dessa mulher? Curiosamente o que ‘Un Petit Frère’ descreve com grande subtileza e inteligência é a história destas três personagens Rose, Jean e Ernest, não tanto através de uma visão do racismo e da descriminação — embora esteja sempre presente — que esses migrantes da Costa do Marfim enfrentam, mas antes a sua batalha diária, da mãe, das crianças, dos filhos , para se afirmarem e conseguirem uma vida melhor, na sociedade francesa. O que Serraille filma é mais uma espécie de ‘racismo social’, das dificuldades de integração, sobretudo porque os migrantes não partilham obviamente os códigos da cultura adoptada. É assim, que por mais brilhante que Jean, seja na escola, ele tem o sonho de um dia se tornar piloto da aviação civil, acaba por ter dificuldade em preparar-se e sentir confiança, para fazer os exames de admissão às Grandes Écoles. Ao passo que a sua namorada francesa, ao contrário, vê isso com a maior das naturalidades e leveza: ‘O que importa não são as notas. É a cultura ‘g’ (a cultura geral), e a impressão que se dá…’. Enquanto isso, Ernest, o irmão mais novo mais calmo e mais apagado, vemo-lo cheio de certezas, a discutir com os seus amigos e amigas adolescentes, vários assuntos. Ernest sonha com uma menina ‘que não grite, que seja calma’, ao passo que os seus amigos. sonham com uma inteligente e com humor…

75º Festival de Cannes
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Com a questão do capital cultural no centro do seu argumento,— Léonor Seraille, enche o seu filme de citações de Rimbaud, Ronsard ou Flaubert, parecendo ainda acreditar nos méritos da escola pública e republicana — ‘Um Petit Frère’ pinta um excelente retrato agridoce da integração ao estilo francês. Porém, recusa-se a dar um final feliz e fácil para os seus personagens, que vão continuar na sua luta, as suas escolhas por um futuro melhor. ‘Un Petit Frère’ é também apesar de uma boa interpretação dos actores mais jovens — Stéphane Bak, Kenzo Sambin, Ahmed Sylla, Laetitia Dosch, entre outros — um filme carregado às costas por uma atriz maravilhosa: Annabelle Lengronne. Em ‘Um Petit Frére’, Lengronne é notável tanto na leveza quanto na dor, trazendo uma grande espessura ao caráter dessa ‘mãe imperfeita’, que tenta manter a sua família unida, mesmo que, constantemente, as coisas não corram assim tão bem e não tome as melhores decisões. Um filme que vai sair daqui decerto com um prémio dos mais importantes de Cannes 75!

JVM, em Cannes

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