Via 79º Festival de Veneza/'Blonde'

79º Festival de Veneza: ‘Blonde’ e os Muros do Irão

Cinquenta anos após o desaparecimento de Marilyn Monroe, o realizador neozelandês Andrew Dominik apresentou na competição de Veneza 79, o muito aguardado ‘Blonde’. Mais do que um filme que explora o mito de Marilyn, este tenta viajar pela intimidade de Norma Jeane, interpretada pela bela Ana de Armas.

Já correram rios de tinta, teorias da conspiração e quilómetros e quilómetros de película, sobre a vida de Marilyn Monroe. Agora o ponto de partida deste ‘Blonde’, de Andrew Dominik é o romance homónimo de Joyce Carol Oates. E até pode ser que o realizador e escritor neozelandês tenha um regresso feliz à competição de Veneza 79, depois de em 2007, ‘O Assassinato de Jesse James pelo Covarde Robert Ford’, ter permitido a Brad Pitt ganhar a Copa Volpi. Em 2012, Dominik levou ‘Killing Them Softly’ à competição em Cannes, antes de regressar novamente a Veneza, fora da competição em 2016, com ‘One More Time With Feeling’. Efectivamente, neste seu novo filme, mistura-se muito de verdade ou ficção tentando mostrar outra(s) faceta(s) do mito: Marilyn como uma mulher profundamente traumatizada, já o sabíamos.

VÊ TRAILER DE ‘BLONDE’

Porém, ‘Blonde’, procura distinguir com grande sensibilidade, aquilo que era a sua imagem pública e da sua intimidade privada, antes e depois de se ter tornado a grande estrela. O esforço parece que rendeu, embora tenha dividido muito as opiniões da crítica. ‘Blonde’, tenta enfim, focar-se na relação de Norma consigo mesma, nos seus traumas provocados pela sua mãe, a ausência ou melhor o total desconhecimento do pai; e como isso vai influenciar a outra pessoa, Marilyn, que  funciona como a sua armadura, quanto esses mesmos traumas, que ameaçam consumi-la. E neste sentido o filme não é um biopic convencional. É curioso  igualmente verificar o rigor da pesquisa de arquivos e ver como as cenas do filme são inspiradas em imagens existentes e dos filmes reais que conhecemos com Marilyn: o digital é utilizado para usá-las como imagens de fundo colocando neles Ana de Armas.  A actriz está efectivamente muito parecida com Marilyn, mas falta-lhe ainda aquele carisma com as grades estrelas de cinema de então possuíam e neste caso só a autêntica. De qualquer forma, Ana De Armas dá tudo de si por Marilyn, — provavelmente está no maior papel da sua careira — mostrando muita responsabilidade em dar-lhe autenticidade e colocando-se num incansável compromisso e desafio de representar Marilyn Monroe. O que à partida não é nada fácil. De qualquer modo Ana de Armas conseguiu captar a essência de Marilyn, demonstrando uma extraordinária sensibilidade, que lhe pode abrir uma nomeação para os Oscar e ser um candidata aqui ao Prémio de Interpretação. É apesar de tudo a actriz que é a grande figura do filme. ‘Blonde’, após a estreia aqui em Veneza, vai estar já disponível na Netflix a partir de 23 de setembro.

VÊ TRAILER ‘BEYOND THE WALL’

Já estamos habituados a que os filmes do Irão, dada a sua elevada qualidade, estejam sempre na disputa aos Leões ou a outros prémios dos festivais internacionais. É o caso deste ‘Shab, Dakheli, Divar’ (‘Beyond The Wall’), do realizador Vahid Jalilvand — Prémio Orizzonti por ‘No Date, No Signature’ (2017) — uma parábola moderna sobre doença, solidão e a maternidade. ‘Beyond The Wall’ trata-se antes de uma metáfora das prisões iranianas e mais uma representativa visão deste país na actualidade, depois dos outros dramas que temos seguido, do papel das mulheres ao tráfico e consumo de droga, à pena de morte. Em ‘Beyond The Wall’ encontramos o grande ator Navid Mohammadzadeh — também já premiado aqui em outra edição — no papel de Ali, um cego que, depois de tentar em vão o suicídio, descobre que Leila (Diana Habibi), procurada pela polícia, refugiou-se no seu apartamento. Ou será apenas uma ilusão? De qualquer modo vemos, que a mulher sofre de epilepsia e está angustiada com o destino do seu filho de quatro anos, que se perdeu durante um protesto dos trabalhadores de uma fábrica, que terminou em caos e confrontos com a polícia. O filme tem meios e cenas extraordinárias ao melhor estilo da indústria de Hollywood, algo surpreendente para um cinema considerado quase autoral e marginal. Hoje estreou-se aqui também outro filme iraniano a concurso: ‘No Bears’, um thriller pouco convencional ou duas histórias de amor que acabam mal, de Jafar Panahi, que está retido no seu país, por ser um dissidente do regime. Juntamente com este filme ‘Beyond The Wall’ de Jalilvand tornou-se, apesar do labirinto narrativo proposto por Panahi, mais uma oportunidade para refletirmos, sobre a sociedade iraniana e apoiar o seu extraordinário e corajoso cinema.

JVM

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