Girls Will Be Girls, a Crítica | Preeti Panigrahi e Kani Kusruti são sublimes
“Girls Will Be Girls” marca a estreia de Shuchi Talati na realização de longas-metragens. O drama indiano considera questões da adolescência e conta com duas prestações extraordinárias de Preeti Panigrahi e Kari Kusruti.
Quando o cinema almeja o universal, raramente o atinge. Pelo menos, assim é quando a arte se faz com a intenção explícita de capturar uma qualquer experiência universal. É através da especificidade que se alcançam tais objetivos, mergulhando nas particularidades de personagens e vidas retratadas, sem sacrifícios feitos em nome de uma mensagem mais generalizada. “Girls Will Be Girls,” a primeira longa-metragem da cineasta indiana Shuchi Talati reconhece estas verdades, mesmo que elas não tenham sido conscientemente consideradas, delineando o despertar sexual de uma adolescente e sua complicada relação com a figura materna.
A ação decorre no sopé dos Himalaias, onde uma escola privada de elite reúne alunos de várias províncias indianas. Entre os corredores e nas salas de aula fala-se inglês, uma Torre de Babel para um mundo contemporâneo. É neste contexto que a câmara descobre Mira, uma jovem adolescente que se apresenta como aluna exemplar, o tipo de estudante que conquista a admiração de professores, mas tem dificuldade em ganhar o afeto dos colegas. De facto, neste início do ano letivo, Mira é reconhecida como a aluna com melhores resultados académicos, tornando-se na primeira rapariga na História do internato a ser assim honrada.
Um retrato da adolescência, suas folias, suas paixões.
Numa linguagem típica do cinema realista, Talati – premiada em Sundance e Berlim pela sua obra – retrata estes momentos com um olhar atento, despido de estilizações ou modulações enfáticas. Dito isso, há uma certa aliança com a subjetividade da sua protagonista, aliando o espetador à rapariga cujo bom comportamento esconde ansiedades e desejos, vontades de se liberar, de se afirmar, de renegar os ditames maternos. E por falar nessa presença matriarcal, as primeiras cenas de “Girls Will be Girls,” quando Anila, a mãe de Mira, aparece entre o corpo estudantil, oferecendo doces aos miúdos e travando conversa com as professoras, cheia de orgulho.
Não que a sua filha aprecie o gesto. Os idiomas observacionais da realizadora denunciam a tensão entre as duas mulheres mesmo antes de elas falarem. Porque, apesar da fita se assumir enquanto um “coming of age” ou “bildungsroman” sobre a rapariga em crescimento, trata-se de um retrato duplo. Na mesma vertente em que descobrimos a psique de Mira, também nos apercebemos da interioridade complicada da sua mãe. As circunstâncias só se intensificam quando Mira trava amizade com Srinivas, um rapaz amistoso recém-chegado à escola com quem ela começa a estudar. Quando não o podem fazer na escola, as sessões de estudo passam para o lar, sob o olhar atento de Anila.
Outros artistas teriam construído um corriqueiro melodrama de supervisão parental em conflito com as paixões da juventude. Mas Talati tem outas realidades em mente, focando-se nas contradições, as revelias, as fantasias e dores latentes a um contexto sociocultural onde a sexualidade feminina é reprimida. Porque esta não é só a história de uma menina a tornar-se mulher, sonhando com o primeiro beijo e algo mais, usando a privacidade do chuveiro para imaginar como seria tocar no rapaz que a deixa sem fôlego. O estudo intimista de “Girls Will be Girls” estende-se além de Mira, por muito que a sua psique seja o centro da ação.
Anila não é somente uma polícia dentro do ambiente doméstico, sempre a ver se nenhuma transgressão decorre debaixo do seu teto. Acima disso, ela é alguém que também já foi uma adolescente a sofrer o mesmo tipo de dinâmicas que agora definem os dias da filha. Um turbilhão de vergonha revolve sob a superfície da serenidade materna, conjugado com algo semelhante ao ciúme. Será que, mais do que sentir censura para com a crescente desobediência de Mira, a mulher mais velha tem inveja? Haverá ressentimentos ocultos em jogo? Será que Anila gostaria de estar no lugar da adolescente a viver o fulgor do primeiro amor? Ou estará ela já a pressentir as desilusões prestes a abater-se sobre a filha?
As duas atrizes principais fazem milagres.
Novamente, deparamo-nos com um cenário em que artistas menores teriam optado por uma resposta fixa, apurando o melodrama ao invés da confusão inerente à verdade humana. Talati, a diretora de fotografia Jih-E Peng e a editora Amrita David, deixam que estas possibilidades coexistam sem se tornarem incongruentes. Desse modo, também se evitam moralismos desnecessárias. Por muito que “Girls Will be Girls” interrogue o comportamento das suas personagens, jamais se deixa cair em julgamentos e críticas rígidas. Não há uma lição definida para o espetador. Pelo contrário, demarca-se o conflito de ideias e o confronto, uma exigência de empatia e entendimento das vidas alheias.
Se tanto, o filme acusa uma cultura em que os homens podem fazer tudo e onde as mulheres são vistas como culpadas de qualquer avanço feito sobre elas, proibidas de sentirem os desejos comuns de todos e ainda recriminadas quando obedecem a todas as regras. Nessa conjetura, “Girls Will be Girls” depende imenso das atrizes nos papéis principais. Para nossa sorte, a parelha de Preeti Panigrahi e Kani Kusruti é incrível, esmiuçando todas as nuances no texto e direção da sua realizadora e dando ainda mais dimensões à fita. Através delas, da especificidade que conseguem sugerir, o filme torna-se num tratado de valor universal sobre a juventude e as realidades da mulher na Índia dos nossos dias.
No papel de Mira, Panigrahi é uma estreante cheia de potencial, cada cena uma descoberta para a personagem e sua intérprete. Quiçá o único problema será quanto ela eclipsa Kesav Binoy Kiron que é forte como Sri, mas não está ao mesmo nível das suas parceiras de cena. Kusruti – uma revelação em “All We Imagine as Light” do ano passado – é ainda melhor no papel da mãe. Nela vemos uma mulher cheia de arrependimentos e a rapariga que ela em tempos foi, passado e presente em comunhão. Pelos seus esforços, ela foi nomeada para o prémio Independent Spirit para Melhor Prestação Secundária e, se houvesse justiça no mundo, teria sido indicada a honras ainda maiores. Uma salva de palmas para ela!
Girls Will Be Girls, a Crítica
Movie title: Girls Will Be Girls
Date published: 24 de March de 2025
Duration: 118 min.
Director(s): Shuchi Talati
Actor(s): Preeti Panigrahi, Kani Kusruti, Kesav Binoy Kiron, Kajo Chugh, Nandini Verma, Devika Shahani, Aman Desai, Sumit Sharma, Jitin Gulati, Akash Pramanik, Ved Amrita
Genre: Drama, Romance 2024
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Cláudio Alves - 80
CONCLUSÃO:
“Girls Will be Girls” é mais um filme recente que brilha pelo modo como retrata a vida das mulheres na Índia moderna. Shuchi Talati é uma realizadora em ascensão cuja sagacidade enquanto contadora de histórias, retratista e na direção de atores lhe põem o nome no mapa. Mal podemos esperar para ver o que se segue na sua carreira e dizemos o mesmo das suas intérpretes em cena – a jovem Preeti Panigrahi e Kan Kusruti. O filme prova que há muito mais no cinema indiano que Bollywood, ação, música e melodrama.
O MELHOR: A dinâmica periclitante entre mãe e filha, brilhantemente dramatizada pelas atrizes principais. Kani Kusruti merecia um Óscar.
O PIOR: Considerando o contexto socioeconómico da fita, é estranho quão pouco se confronta as problemáticas de classe. É um detalhe que diminui o poder da fita sem o invalidar por completo. Dizemos o mesmo do modo como retrata as barreiras culturais entre estudantes, todos unidos pela língua franca do Inglês sem que isso seja explorado em forma de enriquecer o texto.
CA