Berlinale 67: Teresa Villaverde em ‘Colo’, um herdeiro dos verdes anos

Teresa Villaverde apresentou-se no concurso de Berlim com ‘Colo’ um filme sobre o tempo e o modo da crise no seio de uma familia em risco, que traz também a adolescência, e um pouco da herança dos ‘verdes anos’ do novo cinema português.

Colo, da portuguesa Teresa Villaverde teve há pouco (quarta, 15) a sua estreia oficial na competição, com a presença de Luis Filipe Castro Mendes, Ministro da Cultura, que apesar das recentes polémicas sobre o financiamento do cinema português, marcou presença numa das maiores representações nacionais na história da Berlinale.

Colo
‘Colo’, um filme sobre a ausência de afectos.

Foi com certa diplomacia e optimismo que a realizadora Teresa Villaverde contornou esta questão, na conferência de imprensa de Colo, sem com isso deixar de agradecer a todos os signatários e os apoios internacionais ao manifesto amplamente divulgado: Temos tido ciclicamente, este problema em Portugal e, de degrau em degrau, vamos conseguindo resolver as coisas. Estou confiante que isto se vai resolver e que vamos conseguir ultrapassar esta situação.

Vê trailer de ‘Colo’ 

Polémicas à parte, há um grande entusiasmo de um largo sector da crítica nacional e internacional, em volta de Colo, da Teresa Villaverde, que na verdade não se sentiu na sessão de imprensa da manhã: o filme foi recebido com aplausos contidos e discretos. No entanto, e talvez seja esse o seu mérito, Colo é um filme que tem algo de diferente das restantes obras até aqui apresentados na competição: não tem estrelas conhecidas, os protagonistas na verdade são os jovens (Clara Jost, Tomás Gomes e Alice Albergaria Borges), e por isso é um filme herdeiro dos ‘verdes anos’ do novo cinema português; tem uma narrativa poética, e procura abordar sobretudo num processo de incomunicabilidade — o filme assenta muito nos silêncios — até à desintegração de uma familia de classe média, sendo que o jovens são decerto modo as principais vítimas desta situação.

Vê Conferência de Imprensa de ‘Colo’ 

E por isso, Colo é um filme na linha do cinema português mais psicológico que realista e que segue os filmes anteriores de Teresa Villaverde, como Os Mutantes, por exemplo, que em parte a história nos conduz ao universo e aos conflitos da adolescência.

Colo
Alice Albergaria Borge, um novo rosto no cinema português.

O filme desenrola-se a partir da história de um casal em ruptura, João Pedro Vaz (Cartas da Guerra) é um desempregado de longa duração em desespero, Beatriz Batarda (Cisne), está cansada da relação com o marido — sente-se ao nível dos afectos pois nunca se tocam — do duplo emprego para conseguir sustentar a casa; e a filha adolescente, (Alice Albergaria Borges, um novo rosto a ter em conta no cinema português), trocada pelo namorado (Tomás Gomes) que prefere a música, tem que fazer pela vida e  escolhas, dadas as limitações financeiras e a ver os progenitores ir cada um para seu lado, inclusive o pai com a sua melhor amiga (Clara Jost).

Colo a primeira experiência de Teresa Villaverde no cinema digital — tem uma belíssima fotografia do ‘mestre’ Acácio de Almeida — passa-se quase todo no interior de um apartamento de cores fortes, com o skyline (diurno e noturno) de Lisboa oriental, virado para o rio em fundo ou nas ruas escuras e jardins secos de um bairro novo. É mais uma vez a geometria dos edificios do bairro de classe média dos Olivais — que João Salaviza, já tinha filmado em Montanha — mas agora vistos do alto, que é o palco desta desconstrução familiar em tempo de crise económica e sobretudo de valores e afectos. Depois há o Bairro Alto sujo a seguir a uma noite de copos e o mar, esse mar, para onde todos os portugueses se viram e se têm libertado historicamente nas suas crises, como o faz um dos protagonistas.

Colo
O casal em ruptura: João Pedro Vaz e Beatriz Batarda.

Se Colo é um filme sobre a solidão das pessoas, o desespero dos adultos e a história de uma crise familiar em tempos difíceis, o que sobressai mais são os jovens, os seus problemas, as suas inseguranças face ao falhanço dos pais e a sua perspectiva de futuro nesta democracia cheia de dúvidas e incertezas. 

No entanto, parece que todas as personagens estão a precisar talvez de um colo, pois quase nunca se tocam,— cobrem-se com a camisola — ou como explicou a propósito Teresa Villaverde: Estamos num momento confuso e precisamos de algo que não sabemos bem o que é. E Colo é um filme que reflecte exactamente isso!

JVM em Berlim

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