Os melhores guarda-roupas da TV | 3. Penny Dreadful
Na sua terceira e última temporada, Penny Dreadful continuou a afirmar-se como uma das séries mais belas e visualmente requintadas da televisão mundial.
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Entre filmes italianos, blockbusters de Hollywood e requintadas séries televisivas, a figurinista Gabriella Pescucci já vestiu mais de 60 produções ao longo da sua longa e muito celebrada carreira. Apesar disso e de já ter ganho um Óscar (A Idade da Inocência – 1993) e dois Emmys (Os Bórgias 2011 -2013), o seu esplendoroso trabalho em Penny Dreadful tem sido rudemente ignorado pela maioria das associações de prémios. Este ano, será a sua última oportunidade de ter uma indicação pela Academia da Televisão a condecorar o seu trabalho na série de John Logan mas tal reconhecimento parece cada vez mais improvável. Isto é uma verdadeira tragédia pois os figurinos criados por Pescucci para esta fantasia vitoriana são dos mais belos, requintados e inteligentes que a televisão recente teve o prazer de apresentar.
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Desde a primeira temporada que o trabalho de Pescucci se tem vindo a evidenciar como uma parte fulcral da construção visual da série, onde a Londres do final do século XIX é recriada com um toque de estilização gótica típica da literatura fantástica em que a narrativa e suas personagens se baseiam. Com tal componente fantasiosa, poderíamos julgar que toda a série se deixasse levar por devaneios de estilização completamente removidos da realidade histórica, mas o contrário aconteceu. Efetivamente, a Londres de Penny Dreadful é um pesadelo irreal, onde vampiros, lobisomens e demónios infernais se escondem nas sombras, mas esse horror é intensificado pela visceral credibilidade do ambiente envolvente.
Mesmo nas cenas mais saturadas de figurantes, as criações de Pescucci nunca falham, mostrando sempre uma visão unificada e estonteantemente detalhada. Materiais diversos mostram a estratificação social que rege a vida das personagens, silhuetas severas criam pinceladas de negrura nos tableaux góticos de cada episódio e a atenção ao verismo histórico exacerba a dimensão humana da história horripilante em cena. O melhor exemplo de tal jogo de fantasia, horror e veracidade é Vanessa, a protagonista interpretada por Eva Green, cujo guarda-roupa é um milagre de severidade vitoriana, historicamente correta, mas com um toque de fantasia dado pelo seu rígido esquema cromático de negrura quase constante.
De facto, o preto e as sombras dominam tanto a série que os próprios figurinos refletem o seu domínio, subvertendo, no entanto, as suas leituras mais convencionais. Em Penny Dreadful, a escuridão é tanto o local onde se escondem os monstros como um abraço reconfortante. O branco e a luz, pelo contrário, normalmente refletem a moralidade rígida e venenosa da época, asfixiando as personagens ou forçando-as a adotar máscaras públicas que escondem a sua complexidade humana e monstruosa. No quarto episódio da terceira temporada, tal relação chegou à sua apoteose visual quando Vanessa é aprisionada numa sala almofadada de ofuscante brancura e o espectro imaginado da sua psicoterapeuta, vestida dos pés à cabeça em preto e linhas masculinas, se evidencia como a máxima fonte de segurança.
É claro que, nesta terceira e última leva de episódios, também vieram algumas complicações à estética regular da série e suas dicotomias concetuais. O exército de prostituas vingadoras de Lillie, a noiva de Frankenstein, trouxe consigo uma explosão de cor assim como uma tirania do padrão que passou a servir de barómetro de poder na história desta mulher ressuscitada e continuamente subjugada pela patriarquia. Para além disso, na primeira metade da temporada, Pescucci acrescentou o western ao seu repertório de inspirações e registos estilísticos, abordando o Oeste Americano com tanto brio e sagacidade como a Inglaterra da mesma época. Contudo, no panorama americano, o branco e negro londrino foi substituído por uma panóplia de castanhos áridos rematados pela claridade de duas figuras antagónicas, o tolerante patriarca salvador e a bruxa Hecate, decidida a mergulhar o mundo nas trevas.
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Toda esta dinâmica de cor, verismo histórico e registos estilísticos chega ao fim no último episódio da série, uma hora angustiante e avassaladora, onde Gabriella Pescucci revela o seu génio ao vestir Eva Green num figurino que viola todo o estilo da série até esse momento. Fora do verismo histórico, nos seus últimos momentos em cena, Vanessa veste um vestido que apenas sugere levemente a moda vitoriana, sendo algo muito mais próximo da alta-costura contemporânea. Ao mesmo tempo, a cor da peça, um cinzento claro, sugere algo até aqui combatido pelas personagens, uma coexistência da luz e das trevas (o diálogo refere tal dinâmica humana e cósmica inúmeras vezes nesta temporada). Não queremos revelar mais detalhes sobre o final, ou sobre o modo como o discurso subjacente ao vestuário da série ajudou a pressagiar e delinear o final de Penny Dreadful. No entanto, deixamos aqui um apelo final, se não viste nenhum episódio desta série, retifica rapidamente a situação e deixa-te levar por este inebriante triunfo de horror, romance, fantasia, fausto visual e tragédia humana. Não te vais arrepender!
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Na página seguinte, vamos continuar a aventurar-nos pela capital inglesa, mas desta vez num registo menos fantasioso e mais preso a um incansável verismo histórico e elegância real. Não percas!