Sol (Naíma Sentíes), é a personagem que dá ao filme a sua perspectiva principal. ©73ª Berlinale

73ª Berlinale | Tótem: Uma Festa de Aniversário

Em ‘Tótem’, um termo indígena, a realizadora mexicana Lila Avilés constroi um filme muito delicado, penetrante, ultra-sensível que nos toca na alma, passado numa casa com uma grande família e num único dia. Mais um dos excelentes filmes da competição da Berlinale 73.

Tótem’ da mexicana Lila Avilés, apresentado em competição na Berlinale 73, não é um filme de grande dimensão intelectual ou abstracta. Pelo contrário é uma obra singela, que trata de várias das questões de uma família comum e universal, vista quase sempre pelo olhar de uma criança, de uma menina que vai perder o pai. Na sua segunda longa-metragem, depois ‘The Chambermaid’, o seu filme de estreia, passado num hotel, a realizadora mantem-se ligada às abordagens marcadas pelas relações humanas, interiores e espaços habitacionais. O cenário de ‘Tótem’ é agora uma grande casa onde a família e os amigos, celebram, num jardim iluminado por lanternas chinesas e cheio de plantas e bonsais, um duplo ritual: é o aniversário do pintor e jovem pai Tona (Mateo García Elizondo) e, provavelmente será o seu último, por isso celebra-se ao mesmo tempo uma despedida. E assim, o filme passa por dois registos: o ritmo frenético e a espontaneidade dos preparativos da festa de aniversário em família, e por o outro lado uma dimensão profunda arcaico-espiritual da cultura da América Latina, a que alude o título que significa, o símbolo de uma comunidade. O corpo enfraquecido, pela doença terminal de Tona, permanece na maior parte do tempo invisível ao espectador e fechado no seu quarto. É precisamente aí que. recolhido, Tona ganha forças para participar na sua festa de aniversário, onde vai receber todo o amor, carinho e conforto de que necessita para a sua jornada final.

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Tótem
Sol (Naíma Sentíes), é uma menina de sete anos que sabe da doença do pai. ©73ª Berlinale

‘O meu desejo é que o pai não morra’ este é um dos diálogos de Sol (Naíma Sentíes), com a sua mãe e efectivamente a personagem que dá ao filme a sua perspectiva principal: o de uma menina de sete anos, que sabe da doença do pai, que questiona, observa furtivamente, surpreende conversas, capta as agitações e oscilações de humor à sua volta, sem perceber muito bem, as preocupações dos adultos; e vive a sua vida simples no meio da emoção dos preparativos da festa de aniversário do pai. Há uma aparente alegria e tumulto total nesta velha casa de família gerida pelas suas duas tias e figuras tutelares, Nuri (Montserrat Marañon) e Alejandra (Marisol Gasé): ora cozinham, ora discutem na casa-de-banho, passam de um quarto para outro ou para o jardim repleto de insetos, com um baloiço, uma estufa e tudo, sempre sob o olhar atento do avô de Sol, que cuida dos seus bonsais, quando não se zanga, falando através da sua eletrolaringe. Mas outras personagens vão aparecendo aos poucos na festa, um exorcista, um tio, outra tia, primos adolescentes e a mãe de Sol, vinda do seu trabalho, o teatro, e com um número preparado para a festa, cada um trazendo uma coisa qualquer, para esta reunião familiar, participada também mais tarde por Cruz (Teresita Sánchez), a empregada-indígena e fiel cuidadora de Tona. É no desenrolar do dia e da noite que se aproxima, que conhecemos estas personagens, a maneira como comunicam, sabemos bocados do seu passado comum, questões urgentes do presente — por exemplo, o tratamento que Tona deveria ser sujeito, a necessidade de o fazer, poderia trazer-lhe alguma esperança de vida? E com que dinheiro? — as esperanças não são muitas e o dinheiro quase não chega para pagar à empregada. Por isso, com mais ou menos angústia, todos, inclusive Tona — e o apagar das velas é o momento de clímax do filme — aproveitam ao máximo esta pausa na luta e essa festa torna-se numa espécie da sua ‘luz do sol, nas sombras’. Na verdade, com o mesmo cuidado quanto o patriarca da família, o avô de Sol, poda os seus queridos bonsais, Lila Avilés concebe este seu belo, e ao mesmo tempo trágico, mosaico familiar, orientando as personagens e sentimentos no caminho certo, para uma comovente, mas grandiosa, celebração de amor, vida e morte. Porém cortando tudo o que é irrelevante e que possa ter alguma pieguice, na pouco mais de hora e meia de filme. O projecto, no fundo é a história de uma família em perda e de um homem relativamente novo que prepara a sua partida. Contudo, é uma obra repleta de signos, formas de vida e personagens muito reais, onde confluem animais, insetos, plantas e um desfile de pessoas maravilhosas, unidas pela força do amor. ‘Tótem’, é uma pequena pérola humanista, espontânea, frenética, arcaica e espiritual.

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JVM, em Berlim




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