Black Country, New Road (foto por Bjorn Lebowski)

Black Country, New Road lançam “Sunglasses”

Seis meses depois do lançamento oficial do seu primeiro single, “Athens, France”, os Black Country, New Road retornam com uma alucinante jornada de nove minutos que percorre uma panóplia de géneros musicais e comprova uma evolução a nível harmónico e melódico.

Seis meses depois do lançamento oficial do seu primeiro single, “Athens, France”, a banda britânica Black Country, New Road divulgou, através da editora discográfica Speedy Wunderground (Black Midi, Squid), a canção “Sunglasses“, presença assídua nos alinhamentos dos seus concertos, juntamente com outros temas anónimos cujas versões de estúdio esperamos poder noticiar num futuro próximo, e previamente tocada na Near Future Session (sessão exclusivamente dedicada à difusão de artistas e bandas em início de carreira) de 12 de Março de 2019 do programa de rádio BBC Radio 6 Music, apresentado pela DJ e jornalista de música Mary Anne Hobbs.

Oriundos da cidade de Cambridge e estabelecidos no Sul de Londres, o versátil grupo de seis instrumentistas formou-se posteriormente à separação dos Nervous Conditions, projecto de pós-punk experimental fundado no ano de 2018 e constituído por alguns dos actuais elementos dos Black Country, New Road, entre os quais a violinista Georgia Ellery (integrante do duo Jockstrap, reputado pela singular combinação de bedroom pop com bossa nova e pela contribuição para a secção de cordas do EP Soul On Fire (2018) de Dean Blunt), o saxofonista e flautista Lewis Evans e a baixista Tyler Hyde (filha de Karl Hyde, membro do grupo electrónico Underworld). Os intensos concertos no bar Brixton Windmill (espaço de eleição dos artistas associados à Speedy Wunderground) têm gerado burburinho entre as bandas e o público integrantes da próspera cena alternativa londrina, sendo que a canção “Sunglasses” já foi tida em alta conta por um pequeno número de revistas de música populares, evadindo, parcialmente, a cultura de nicho que a concebeu.

Em Janeiro deste ano, aquando da disponibilização de “Athens, France” nos serviços de streaming e do primeiro contacto com a sonoridade dos Black Country, New Road, salientámos o registo spoken-word de Isaac Wood que, cacofónico e severamente atormentado por demónios interiores, nos encaminha pelo seu calvário, um itinerário de sofrimento e desespero, assim como o esquema de guitarras outrora idealizado pelos Slint, ferramenta empregue na ampliação da imutável sensação de inquietude. “Athens, France”, ode ao intelecto musical e à arte subversiva constituída por subtilezas mordazes expositivas do inegável talento dos Black Country, New Road e isoladoras da sua persona de referências ou actos paralelos, colocou os seis artistas num pedestal e tornou excepcionalmente desafiadora a incumbência de preservar esta essência do seu trabalho. “Sunglasses” não só confirmou o tão desejado cenário, como uma evolução a nível harmónico e melódico da música dos Black Country, New Road, do seu savoir-faire da concepção da estrutura de uma peça musical e, consequentemente, de como desconstruí-la.

Capa do single “Sunglasses”

A alucinante jornada de nove minutos divide-se em dois capítulos adstritos por um discurso novamente operado como método de distanciamento. A diferença reside na opinião de que, enquanto em “Athens, France”, o procedimento é aplicado com o intuito de consentir ao ouvinte uma libertação da identificação com a temática e da decorrente manipulação emocional, possibilitando a sua apreciação enquanto obra-de-arte autónoma por meio de uma conservação das aptidões analíticas imparciais e de uma conduta amoral e dessensibilizada, em “Sunglasses” esta característica é publicamente assumida como “imagem de marca” de uma banda que procura ser distinguida pelo puro formato de “olho que tudo vê” e não de “entidade julgadora”. A condição imposta ao público para examinar, justamente, o produto artístico dos Black Country, New Road é introduzida na própria essência da banda e da sua exposição oral.

[“Sunglasses”] descreve uma sequência de eventos, vagamente conectados e ainda por acontecer. A canção foi conceptualizada com o objectivo de ser inspirativa. Por vezes, a letra aborda símbolos de prosperidade ou riqueza, mas não foi escrita de um ponto de vista crítico ou mesmo externo. – Isaac Wood

Produzida por Dan Carey (Bat For Lashes, Kate Tempest), fundador da Speedy Wunderground, o primeiro segmento de “Sunglasses” inicia com uma caracterização pormenorizada, porém inexpressiva, do quotidiano no mundo ocidental, ausência de laços emocionais entre elementos das famílias modernas e dependência dos recursos tecnológicos enquanto “companhia ideal”  (“I lose myself in the light of the TV, courtesy of her father”), escoltada por uma batida e cordas que transbordam solitude. A sublime entrada do saxofone conduz a inédita tentativa de Isaac Wood de simular, recorrendo ao já inconfundível spoken-word, o sentimentalismo exclusivamente gerado pela instrumentação, expondo o desassossego causado pela paridade entre o estilo de vida convencional das desesperançadas gerações jovens e os respectivos antepassados (“And in a wall of photographs, in the downstairs living room, I become her father and complain of mediocre theatre in the daytime, and ice in single malt whiskey at night”).

O caótico desmoronamento sonoro do primeiro capítulo, apontado por uma sessão de jazz livre, converte “Sunglasses” numa composição musical polirrítmica, definida por uma linha de baixo sincopada, incessante colisão entre o violino, saxofone e guitarras, instrumentos que se alinham, ciclicamente, em harmonias prazenteiras, para, seguidamente, se voltarem a desanexar, gerando um objecto absolutamente dissonante, e uma batida frenética que corre atrás da mais recente “máscara” de Isaac Wood: uma criatura autoconfiante, vaidosa e frívola, refugiada nos seus óculos-de-sol (“I am invincible in these sunglasses, I am the fonz, I am the jack of hearts, I am looking at you and you cannot tell, I am more than the sum of my parts”) e representativa de uma sociedade corporativista afectada por divisões de classes progressivamente mais acentuadas e alicerçada nas nítidas imperfeições do sistema de educação contemporâneo.

BLACK COUNTRY, NEW ROAD | “SUNGLASSES”

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *