© Ricardo Leite / RTP

Capitães do Açúcar | Entrevista exclusiva ao realizador Ricardo Leite

Uma das séries de ficção mais recentes da RTP, “Capitães do Açúcar”, mostra-nos a qualidade dos novos criadores. Por isso tivemos à conversa com o realizador Ricardo Leite. 

Nos últimos tempos, a RTP têm apostado fortemente na ficção nacional, como é o caso de “Cavalos de Corrida“, “Motel Valkirias“, “Abandonados” e “O Crime do Padre Amaro“. Recentemente, apostou também em duas séries criadas por jovens criadores, “Capitães do Açúcar” e “Emília”, dois projetos que refletem bem os problemas dos jovens de hoje em dia, cada uma à sua maneira. Apesar da RTP ter colaborado há mais tempo, ainda no tempo da pandemia, só agora é que ambas as séries chegaram ao canal um. Nesse sentido, estivemos à conversa com o realizador Ricardo Leite, da série “Capitães do Açúcar”, cujo o terceiro episódio estreou ontem na RTP1. No entanto, a série já está totalmente disponível na RTP Play.

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Ricardo Leite é Mestre pela Escola Superior de Media, Artes e Design do Instituto Politécnico do Porto, cujo o seu tema de estudo foca-se no trabalho com atores. Com um vasto percurso teórico, Ricardo Leite também trabalhou em vários projetos, com destaque para um filme que escreveu e realizou, “A Instalação do Medo” (2016), que valeu lhe o Prémio Sofia Estudante – Melhor Curta-Metragem de Ficção. Agora, e a propósito do seu mais recente trabalho, “Capitães do Açúcar“, tivemos à conversa com o realizador sobre a série e as dificuldades em ser um jovem criador em Portugal.




Capitães de Açúcar
© Ricardo Leite / RTP

MHD: De onde surgiu a ideia que levou à série “Capitães do Açúcar”?

Ricardo Leite: A ideia base é do Tiago Sarmento. Foi ele que teve a ideia, esta parte da ideia de que esta malta tinha esta droga, que vendia nos pacotes de açúcar. Seria uma coisa dificilmente detectável. Eles conseguiram encontrar aqui este esquema. Antes deles começarem a circular esta substância, era só para eles, um bocado como um processo de autoconhecimento e de criação. E depois eles decidiram começar a vende-la, para no fundo, conseguirem ser independentes. É tudo malta que está a estudar. Curiosamente, eles na série pouco estudam. Eles não vão às aulas, mas foi aí que começou a ideia. Uma das coisas que mais gostei logo desde inicio, e porque gosto muito de trabalhar esta parte das camadas, é que de repente temos este conceito que eles vendem isto, mas no fundo, eles são um grupo muito unido. Isto partiu também dos “Capitães da Areia”, porque os dois (Tiago Sarmento) inicialmente lemos o livro do Jorge Amado. Não é que a história seja sequer uma inspiração, mas se calhar é um ponto de partida, porque eles são uma família, um bocadinho como os “Capitães da Areia” são uns para os outros. Os problemas familiares, que os leva a criar este novo laço de família.

Uma geração como a nossa, em que quase toda a gente conhece casos de amigos que viveram com outros amigos, dividiam as despesas, dividiam casa. Eu próprio já vivi com amigos, e portanto, e isso foi uma coisa que me chamou logo muita atenção. Como é que se cria este conceito de família? É um porto seguro, não é? E aí eles são isso tudo, uns para os outros. Andamos aqui à volta destes conceitos de família e todas estas personagens. Depois aí, quando o Tiago Correia entrou para a parte de escrever, na parte de criação, chegámos a esta conclusão de que todas estas personagens têm de ter um problema familiar que os vai definir a todos.




MHD: O desenvolvimento da série foi um trabalho continuo mas demorado, com uma pandemia pelo meio. Que experiências pode retirar-se desse caminho?

Ricardo Leite: Inicialmente, nós fizemos o Pit para a RTP. Já há 4 anos, ou seja, foi há 4 anos, que começamos o processo de criação e ficamos fechados em casa. Então o COVID passou a ser inicialmente o meu maior receio, de repente estar a passar do Porto, as curtas metragens para um projeto grande. Mas de repente isso relativiza de uma forma muito natural, porque o meu medo era, será que eu vou conseguir fazer a série? Ninguém sabe o que é rodar em COVID.  Mas trouxe muita coisa positiva, porque de repente nós conseguimos ter as condições de estarmos parados. E escrever. O grande ponto positivo foi o convívio, até nos ajudou bastante, porque de repente estamos às 3 da manhã à noite, só a conversar e a explorarmos o que são estas personagens e o que esta história que queremos? Isto é o que se torna muito difícil agora, por exemplo, na fase em que estou, nós estamos num processo de criação, e normalmente nunca estou a escrever só um projeto. Eu gosto sempre de ter vários ao mesmo tempo. E está a ser um bocadinho mais difícil nesse sentido, por uma questão de metódica, porque de repente tenho mais trabalhos para fazer fora, e torna-se assim um bocado difícil, mas lá está, só com muita disciplina nesse sentido.

Capitães do Açúcar
© Ricardo Leite / RTP

MHD: Depois dos “Capitães do Açúcar”, o que se segue?

Ricardo Leite: Eu tenho uma adaptação de um livro de um autor que eu gosto muito que, o Manuel Jorge Marmelo. Ando em concursos para tentar financiar, mas é uma longa-metragem. É um projeto que gostava muito de concretizar. E depois tenho de escrever também séries, uma delas já está um bocadinho mais avançada e mesmo em termos de financiamento. É e outra, vamos, estamos agora mesmo a começar.




MHD: Enquanto jovem cineasta em Portugal, como é criar e viver neste meio?

Ricardo Leite: É extremamente complexo nesse sentido, porque eu não posso estar só a criar. No fundo, os financiamentos não é para a malta nova. Ou seja nós temos de andar a concorrer durante imenso tempo, ir fazendo algumas coisas para conseguirmos ter o financiamento. Existe o financiamento do apoio à escrita. Mas qualquer financiamento é difícil de ter, portanto, acabo sempre por fazer outras coisas no fundo, dentro da área. Felizmente, consigo estar sempre dentro da área e faço videoclipes, faço institucionais e programas de televisão, e no meio disto tudo, tento arranjar tempo para escrever e para criar. Tem de haver uma disciplina muito, muito grande. É porque nós não estamos a ser pagos para fazer a parte da criação. Da nossa geração, conheço poucas pessoas que estão só mesmo a conseguir sobreviver com o cinema e audiovisual.

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MHD: Que tipo de medidas poderiam melhorar a criação audiovisual em Portugal, no que toca à educação?

Ricardo Leite: Eu vou bastante às faculdades e às escolas, e há um problema. É que eu sinto, e é sistemático, em quase todas ninguém nos ensina a candidatar. Na grande maioria das escolas não ensina o que é fazer uma candidatura, como é que se faz uma consulta de conteúdos ou algo do género. Não há essa formação. Eu inclusive, já tive um professor a perguntar-me. Como é que se faz?

É porque a verdade é essa. Eu sempre tive contato, numa área de perceber como é que funciona o mercado, tinha noção antes de estudar. Senti sempre essa falha que não há essa parte, ninguém te prepara, ninguém te ensina a preparar um projeto, nem te ensinam como é que vai se candidata e quais são as estratégias que podem candidatar. Também aqui na parte da formação, eu sou do Norte, de Espinho, e aqui não há tanta produção quanto isso. Felizmente, a RTP tem investido. O nosso caso é um desses casos. E espero que seja para continuar. Se todos os anos um jovem criador descentralizado,  de qualquer parte do país possa fazer uma série, possa fazer um filme. Com estes investimentos, um bocadinho mais baixos, porque estas séries foram feitas com orçamentos mais curtos, acho que isso é muito positivo. É sempre uma boa hipótese fazer. É sempre melhor fazer do que não fazer, do que estarmos sempre a queixar-nos que não recebemos e que o dinheiro não chega. Porque a verdade, é que, foi o maior orçamento com que eu já trabalhei, não chegou, não chega.

Esta entrevista foi cuidadosamente transcrita e editada a fim de proporcionar uma leitura mais clara. Durante o processo de transcrição, foram feitos ajustes e melhorias na redação, de modo a tornar as ideias e informações expressas pelo Ricardo Leite mais acessíveis ao leitor. Com o intuito de preservar o conteúdo essencial e o tom da entrevista, as edições foram feitas respeitando a integridade das respostas e das perguntas, assegurando que o sentido original não fosse modificado. O resultado final é uma versão mais fluída e legível da entrevista, mantendo sua essência e destacando os pontos-chave abordados.

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Já começaste a ver a série? 

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