14º IndieLisboa | Ciao Ciao, em análise

Ciao Ciao, a segunda longa-metragem do chinês Song Chuan, é um dos vários filmes com um forte teor de crítica sociopolítica em competição na 14ª edição do IndieLisboa.

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Nos últimos anos, tem emergido, no panorama do cinema chinês, uma certa tradição de filmes a explorar o efeito da vida na cidade em jovens da província à procura de novas oportunidades nos centros urbanos e industriais do país. Quase sem exceção, estes filmes tendem a retratar um tipo de capitalismo venenoso e desumano que nasceu do desenvolvimento económico da China e a apresentar pontos de vista não necessariamente moralistas, mas melancólicos sobre o estado atual do mundo. Wang Bing e Zhangke Jia são apenas dois dos realizadores que podemos associar a este cinema político intrinsecamente chinês.

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Agora, junta-se a eles o cineasta Song Chuan com Ciao Ciao. A coprodução franco-chinesa é a sua segunda longa-metragem e apresenta uma perspetiva semelhante, mas marcadamente diferente da dos outros realizadores referidos, não se assumindo como uma condenação da influência industrial. É, na verdade, um estudo dos conflitos nascidos do esforço de readaptação à província pela parte de jovens que foram expostos à vida cosmopolita.

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Em primeiro lugar, a cidade em si, nunca aparece em cena, sendo que o filme começa com a viagem de regresso da protagonista titular à sua terra natal. Assim que vemos a jovem em questão, qualquer dúvida de que ela já não pertence ao ambiente rural onde nasceu é apagada. Com roupas coloridas em cores garridas ou diáfanos tecidos e uma mala Louis Vuitton em permanente posição no seu delicado braço, Ciao Ciao é uma estrangeira nesta terra e a barreira invisível que a separa geracional, cultural, moral e sexualmente dos pais é quase palpável. Pela sua parte, o casal tem muito a dizer à filha, temendo que ela seja uma prostituta (um temor que nasce mais do medo dos rumores que de qualquer tipo de preocupação com o bem-estar da filha) e constantemente incitando-a a encontrar um homem rico com quem casar e assim assegurar o seu futuro.

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Durante a sua estadia, Ciao Ciao fala várias vezes com uma amiga que deixou na grande cidade, assegurando-a que não tarda muito vai voltar. Entretanto, porém, a nossa protagonista vê-se envolvida num triângulo amoroso com dois homens da terra. O primeiro a abordá-la é um jovem e gentil cabeleireiro que tem planos para ir abrir um salão na cidade. Depois, temos Li Wei que é filho de um comerciante que vende ilicitamente aguardente à população e está a ter um caso com a mãe de Ciao Ciao. Para além disso, ele é um bruto, está viciado em apostas e prostitutas e é, como Ciao Ciao, um retornado da vida nos centros industriais que está num estado de constante alienação para com a realidade rural que o envolve. Eventualmente, um encontro sexual sem preservativo traça o fado da protagonista contra a sua vontade.

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Tudo isto é filmado por Song Chuan com uma disciplina formalista impressionante. Alternando entre planos gerais que reduzem as personagens a pontos perdidos na paisagem e composições meticulosamente compostas à escala humana, a fotografia de Li Xuejun sublinha o estado de alienação das personagens e pinta os ambientes rurais circundantes em cores tão intensas que transcendem a mera beleza estética para se revelarem como algo tóxico. A banda-sonora de Jean-Christophe Onno, cheia de dissonâncias eletrónicas, também atiça as chamas da alienação, ao mesmo tempo que a montagem de Jean-Marie Lengellé traz precisão Bressoniana e lacerante humor negro à história.

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Há algo quase cruel no modo como, por exemplo, a descoberta do adultério de Ciao Ciao corta para uma imagem de mãe e filha em silêncio e a recusarem-se a olhar uma para a outra. Apesar dos seus muitos moralismos provincianos, a geração mais velha afoga-se nas suas próprias hipocrisias. Até a insistência no casamento da filha e consequentes trocas financeiras com a família do noivo, sugerem o matrimónio como uma transação não muito diferente da prostituição. Por seu lado, os filhos que tanto desejam distanciar-se da sua família presa ao mundo rural, acabam por cometer os mesmos erros que os seus pais. Ciao Ciao chega mesmo a desposar um homem que, em certos momentos, parece ser a cópia rejuvenescida do seu pai alcoólico.

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Eventualmente, a fuga para a cidade e derradeira renegação da província parece ser o caminho para a liberdade e para a felicidade, mas Ciao Ciao é um filme demasiado irónico, cínico e até sádico para permitir tal resolução risonha. Apesar disso, Song Chuan está longe de criar uma obra de miserabilismo panfletário, enchendo o seu filme com os já mencionados momentos de humor e subtil subversão sociopolítica. Como máximo exemplo dessa mesma qualidade, temos uma visão tão fatalista como hilariante do presidente da câmara a despedir-se de um grupo de jovens que vão partir para a cidade em busca de trabalho na indústria e, possivelmente, esposas. O tom da cena é de celebração, com uma banda fardada de vermelho e ouro a completar o quadro, mas a perspetiva de Song Chuan está longe de ser otimista ou festiva.

 

Ciao Ciao, em análise
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Movie title: Ciao Ciao

Date published: 10 de May de 2017

Director(s): Song Chuan

Actor(s): Liang Xueqin, Zhang Yu, Hong Chang

Genre: Drama, 2017, 83 min

  • Claudio Alves - 75
75

CONCLUSÃO

Ciao Ciao é um filme amargo e trespassado por uma considerável fúria da parte do seu cineasta que, mesmo assim, nunca sacrifica a elegância fílmica do projeto em nome da crítica panfletária. Diríamos mesmo que o enredo prosaico, simples e cliché da obra é elevado a grandeza pela disciplina formal com que foi filmado por Song Chuan.

O MELHOR: A disciplina formal de Song Chuan e seus colaboradores criativos.

O PIOR: De um ponto de vista técnico, a abismal sonoplastia. A nível dramatúrgico, o cabeleireiro é tão subdesenvolvido dentro da narrativa que o seu papel parece mais uma apressada solução mecânica e funcional para a propulsão do enredo que uma orgânica extensão dos temas e história desenvolvidos à sua volta.

CA

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