Conclave, a Crítica | Ralph Fiennes no centro de intrigas papais
“Conclave” marca o regresso do realizador Edward Berger depois do sucesso de “A Oeste Nada de Novo.” O filme é um dos favoritos aos Óscares, com Ralph Fiennes um forte candidato ao prémio para Melhor Ator.
O Papa morreu. Assim começa “Conclave,” uma adaptação do romance homónimo de Robert Harris que nos propõe um olhar sobre o Vaticano no meio de eleições, quando cardeais de todo o mundo se reúnem para votar naquele que será o próximo a sentar-se na Cátedra de São Pedro. O Cardeal Lawrence é quem encabeça o processo, seguindo à letra as responsabilidades que lhe foram deixadas pelo pontifíce defunto. Ele é um homem que obedece aos seus deveres e acredita no valor de toda esta pompa e circunstância, todas as regras e costumes, todo o rito católico que entra em ação no momento em que o Papa morre.
A câmara de Edward Berger dá muita atenção a essa cerimónia, com a montagem a cortar o gesto ao gosto de um ritmo quase musicado. É solene, mas também é um espetáculo, um evento teatral para a audiência diminuta que prepara o corpo. Assim colabora a edição de Nick Emerson com a banda-sonora de Volker Bertelman, mas ambas são subalternas à fotografia de Stéphane Fontaine. Através do seu olhar, o Vaticano em si torna-se numa entidade viva, como um titã monumental que consome as pobres almas que se perdem em louvores pelos seus corredores de mármore veiado e polido até ao ponto em que toda a superfície é um espelho que demanda contemplação.
O Vaticano é monstro, sepultura e paraíso.
Ou talvez, mais do que um monstro, este lugar sagrado seja uma sepultura. Não só do Papa que morreu, mas de todos aqueles que se reúnem em seu torno. Os corações ainda batem, mas já habitam num mausoléu por si mesmos construído. Quando as missivas de Lawrence trazem os muitos candidatos e votantes ao Vaticano, sentimos que, na busca do poder, estes homens caminham para uma cova que não parece cova por graça da talha dourada. Edward Berger faz por salientar estas dimensões tenebrosas, interessado na geometria do grupo e no modo como rito e arquitetura drenam humanidade e representam o Homem enquanto engrenagem de um sistema imperfeito, cheio de segredos e mentiras.
Mas estas estratégias todas, por muito que sublinhem a mortandade espiritual dos cardeais, só fazem o coração do espetador bater mais forte. Este cineasta germânico sabe como puxar pela adrenalina, mesmo quando aquilo que dramatiza são burocracias clericais, votos secretos e coscuvilhices da Santa Sé. Em certo modo, vemos, através dos seus olhos, a pequenez destes assuntos sem, no entanto, deixar de sentir a grandiosidade que todos aqueles que acreditam sentem no seu âmago. Ou, mais que isso, a ambição que arde como chama infernal no coração de tanta gente, esses cardeais de cruz d’ouro ao peito e esquemas a matutar secretamente.
Nesse sentido, “Conclave” é um drama político, mesmo que situe a intriga num lugar que muitos presumem estar acima de tais mesquinhezas. Além do mais, é um drama político que quer servir de espelho à contemporaneidade, refletindo os conflitos que assolam o mundo do espetador. Por isso mesmo, temos, entre outros, um candidato conservador que proclama a necessidade de se regredir aos valores de outros tempos e usa a figura do imigrante como bode expiatório, o ódio xenófobo mais uma ferramenta para assegurar o poder. Por outro lado, há liberais moderados que tanto sacrificam em nome da vitória que talvez até traiam a sua ideologia.
Essa vertente da fita chega ao seu máximo exponencial em duas cenas de retórica exposta em forma de monólogo, como que sublinhando todas as intenções do projeto sem a mais mínima sutileza. Assim é o cinema de Edward Berger, mais marreta que escalpe, sempre predisposto a arremessos brutos em detrimento de uma abordagem cirúrgica. O problema devém das incongruências formadas entre tais estratégias, as moralidades honrosas da história, e a natureza sensacionalista do livro original. Robert Harris pode ter escrito “Conclave” em estilo de realpolitik, mas o seu produto final assemelha-se é à revista pulp. Enfim, é leitura de aeroporto.
Salva de palmas para um elenco de luxo.
Por conseguinte, há um certo melodrama intrínseco à obra, um gosto essencial pela surpresa barata, conspirações obscuras, reviravoltas e absurdezas. Em forma de filme, “Conclave” brilha suprassumo quando Berger se rende a tais qualidades, puxando pela diversão do espetador sem a sombra da seriedade a tudo escurecer. Contudo, ele não é um cineasta habituado ao estilo da telenovela política exigida pelo texto. Assim, o seu trabalho fraqueja, tentando sempre dar prestígio e respeitabilidade a algo que vingaria mais sem esses pretensiosismos. Admitamos que as passagens finais da história são ridículas e de mau gosto, o tipo de coisa que funcionaria melhor num contexto menos sobrecarregado com o dever da seriedade.
Nada disso invalida os prazeres de “Conclave,” ou detrai das mensagens honrosas que Berger e companhia querem difundir. Além do mais, por muito que o texto vacile, o elenco está sempre em alta. No papel de Lawrence, Ralph Fiennes é um milagre, capaz de nos fazer transcender quando se confronta com a inocência em pessoa. Isabella Rossellini traz uma perspetiva feminina e um choque para o sistema, enquanto Sergio Castellitto puxa pelo teatral. Lucian Msamati traz ao drama uma dimensão trágica, na mesma medida que Stanley Tucci e John Lithgow trazem a presença de estrelas de Hollywood. No fim, o filme vale pelo elenco – uma salva de palmas!
“Conclave” ainda está em algumas salas do país. Depois disso, terá direito a distribuição digital, quiçá a tempo dos Óscares.
Conclave, a Crítica
Movie title: Conclave
Date published: 11 de January de 2025
Duration: 120 min.
Director(s): Edward Berger
Actor(s): Ralph Fiennes, Stanley Tucci, John Lithgow, Isabella Rossellini, Carlos Diehz, Sergio Castellitto, Lucian Msamati, Brian F. O'Byrne
Genre: Drama, 2024
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Cláudio Alves - 60
CONCLUSÃO:
“Conclave” é um forte candidato aos Óscares e dá para perceber porquê. O filme deixa-se embalsamar nas aparências de seriedade e mensagens importantes, ao mesmo tempo que produz o tipo de emoções fortes e surpresas jocosas que definem a popularidade das telenovelas mais bem-amadas. Fazem-se mensagens de cariz profundo, mas o entretenimento está acima de qualquer ideologia. O projeto vale sobretudo como montra para o talento dos seus atores e a habilidade de Berger e companhia em reproduzir o fausto católico do Vaticano.
O MELHOR: O trabalho coletivo do elenco, com destaque especial para Ralph Fiennes. Tudo o que brilha nos seus olhos naquele momento em que o novo Papa escolhe o nome. Só esse instante já merece nomeação para o Óscar.
O PIOR: As reviravoltas perto do final. O modo como tais extravagâncias acabam por trivializar uma identidade marginalizada e reduzem a personagem mais importante da fita a uma surpresa de mau gosto.
CA