© Outriders

Entrevista exclusiva com Rúben Pereira | Estúdios Indies numa Pandemia

A MagazineHD teve o prazer de conversar com Rúben Pereira, cofundador do estúdio Outriders que está a produzir “Back Then”, para termos uma noção do que se passa dentro de um pequeno-grande estúdio, em tempos de pandemia.

Atualmente no meio de uma pandemia, é possível presenciar vários desaires na indústria dos videojogos, muitas das vezes causados por negligências, demasiada confiança, ou pressões exteriores. Todas estas situações vêm a público o mais rápido possível com o poder de partilha que a internet tem. No entanto, o impacto que esta mesma pandemia tem em estúdios mais pequenos, é pouco ou nada falado. Posto isto, convidámos Ruben Pereira, cofundador do estúdio independente português, Outriders, que estão a desenvolver “Back Then“, um jogo sobre Alzheimer (lato sensus) e o impacto que esta doença tem, tanto no paciente, como no seu redor. “Back Then” já ganhou vários prémios, entre eles o de “Melhor Jogo” na PlayStation Talents 2019, e o “People’s Choice” no IndieX 2019.

MagazineHD: Se puderes, apenas como introdução para os nossos ouvintes, fala um pouco sobre ti. De uma forma sintética, diz-nos o mínimo e o máximo que conseguires.

Rúben Pereira: Eu tenho uma piada entre mim e os meus amigos mais próximos, que basicamente é: olá eu sou o Rúben e faço jogos. Esta piada significa imenso para mim, porque eu já tenho pessoas a acompanhar a minha carreira desde os meus 16/17 anos, que até hoje se dão comigo e, felizmente, dizem que nunca mudei de personalidade, nem nada do género. Era uma coisa que a sempre me afugentou um bocado, sempre tive medo da spotlight, digamos. São situações que me geram imensa ansiedade e, como sou uma pessoa bastante ansiosa, falar em público e coisas do género, só em pesadelos.

MagazineHD: Agora esses pesadelos tornaram-se uma realidade, não? Qual é que é a diferença entre aquilo que tu pensavas, e o que realmente aconteceu?

Rúben Pereira: Sim, felizmente, os pesadelos tornaram-se realidade, mas sem a parte de serem um pesadelo. É estranho, antes de eu entrar, seja em palco ou numa palestra, estou super nervoso. Mas mal começo a falar, mal começo a desenrolar o que eu faço, o que estou a fazer etc., simplesmente sai-me. Acho que já estou habituado a explicar às pessoas o que é um “game development” em Portugal. Aqui, a mentalidade está um bocado aquém do que eu gostaria que fosse, ou seja, tenho de explicar a mesma coisa várias vezes, e acho que já cheguei ao ponto de conforto de dizer “Eu faço programação para videojogos e estamos a trabalhar no «Back Then», etc.” e a partir daí desenvolvo. 

Back Then - Entrevista Rúben Pereira
© Outriders

MagazineHD: Tu disseste que havia pessoas que acompanham a tua carreira desde os teus 16 anios, mas que carreira? Porquê essa carreira? 

Rúben Pereira: (risos) Chamar carreira aos 16 é um bocado hipérbole. Como hobby, comecei a desenvolver jogos com os meus 12/13 anos e o meu pai farta-se de contar esta história porque eu e ele na altura jogávamos “World of Warcraft”, intensa e religiosamente. Houve um dia que lhe perguntei como se faziam videojogos, e ele reagiu com um debruçar de braços e disse-me para ir ao Google. Foi a melhor decisão da minha vida… 10 anos depois aqui estou eu com o meu próprio estúdio. Em termos de carreira, mesmo a sério, começou aos meus 19. Após o liceu, fiz um curso de programação profissional e a PAP, que para quem não sabe, é um projeto de aptidão profissional, e o último projeto de curso. Fiz um jogo, que acabaria por lançar na Steam no ano a seguir. Com o jogo, fui à Lisboa Games Week e estive numa banca. Atirei-me de cabeça. 

MagazineHD: Como é que é passar de “Vou ao Google aprender a fazer um jogo” para “Vou apresentar o meu jogo na Lisboa Games Week”? Sendo tão novo na altura, sentiste alguma dificuldade em conseguir gerir essa diferença na visibilidade, ou foi natural? 

Rúben Pereira: Eu por acaso nunca tive medo de ser exposto, ou de expor um projeto. Eu tinha imenso medo era de não ter feito o suficiente. Ou seja, podes perguntar a qualquer pessoa que tivesse uma banca ao pé de mim, eu parecia uma barata tonta a distribuir folhetos e cartões. Fartava-me de chamar pessoas para verem o meu projeto, ano após ano. 

MagazineHD: Melhor é tendo colegas que lutam ao nosso lado e que pensam como nós, tem outro sabor. 

Rúben Pereira: Eu não trocaria a minha equipa por nada sinceramente, temos a mesma mentalidade. Queremos fazer um jogo, mas não é mais um jogo de “Ok, matei 10 cavalos e chamo um AC-130 e disparo bombas para toda a gente”. Queremos fazer algo com uma mensagem, algo que ao final do jogo te deixemos a pensar nalguma coisa.

MHD: Achas que é essa procura por um significado que vos faz sobressair como estúdio?

RP: A meu ver, esse é um dos nossos goals como equipa, sempre foi. Fazer projetos fora da caixa, fora do comum, que consigam comunicar com o consumidor comum, e ter uma mensagem poderosa por trás. Neste caso, é o “Back Then”, que é um jogo pessoal para todos nós. Ainda por cima em Portugal, que é o país com a quarta maior taxa de Alzheimer do mundo, portanto é um assunto pertinente.

MHD: Como é que a pandemia afetou o vosso processo, desenvolvimento e progresso?

RP: Em fevereiro de 2020, antes da pandemia e do confinamento, nós tínhamos planos para ir a Londres, ao London Games Finance. Uma série de eventos agendados e, de um dia para o outro, pareceu que tudo desapareceu. Ficámos sem várias chances de conseguir financiamento, ou um publisher, coisas que nos iriam ajudar eventualmente para publicar o projeto. Isto, obviamente, aconteceu a todos na indústria. O progresso de adaptação tem sido longo mas temos visto frutos. Neste momento, os triple A‘s estão-se todos a adaptar, como por exemplo, a trabalhar em cada, enquanto que os estúdios indies já têm feito isso há mais tempo. Temos estado a comunicar todos os dias, para lançar o projeto este ano, isso já posso dizer.

MHD: Portanto, aqui, nota-se um pouco a discrepância de impacto entre os estúdios indies e os “grandes” estúdios. Como tu disseste, eles ainda se estão a adaptar, no entanto, sinto que as grandes empresas não se estão a querer adaptar, e querem empurrar um pouco as regras para manter a fórmula. Estão há procura de como moldar as regras para manterem a postura. Ao invés de tentarem mudar a sua postura para diminuir as consequências, preferem manter a mesma estrutura, sendo que os impactos serão atrasos inevitáveis. 

RP: Isso é um velho problema do corporate world. O que a pandemia estragou mesmo foi o facto de as grandes empresas de videojogos já terem objetivos e orçamentos fixos. Ou seja, mal a pandemia caiu forte e feio, ninguém sabia o que fazer. Depois deu o espalhafato que deu com um tal, “Cyberpunk 2077”, por exemplo.

MHD: Ao fazer um jogo, em que é que vocês, como equipa, gastam mais recursos? O que é que vos tira mais daquilo que vocês têm para dar?

RP: Isto varia um bocado de projeto para projeto, mas com o “Back Then” é mesmo decisões de design. Como o tema em si é tão abstrato, nós temos que fazer o jogo um pouco de maneira diferente e fora da caixa. Temos quer ter elementos que, por muito abstratos que sejam, façam sentido na narrativa do jogo.

Back Then - Entrevista Rúben Pereira
© Outriders

MHD: Até porque de certa forma são vocês que estão a criar o caminho porque, apesar de terem inspirações, não há um livro de regras como nos FPS’s em que o jogador tem que ter uma arma, tem que sprintar e que conseguir apontar e disparar. Vocês estão um pouco mais livres, e não têm tanto por onde pegar, certo? 

RP: Sim, as famosas regras de ouro dos FPS não se aplicam aqui. Primeiro porque no “Back Then” não há armas para disparar, ponto número dois, nem sequer há inimigos para disparar. Nós temos um pouco de mais liberdade, não só em termos de mecânicas, mas também em termos de como realmente mostramos visualmente o que o é que o jogador está a experienciar em relação ao protagonista. Ao mesmo tempo que estamos a mostrar o deterioramento da doença ao longo do tempo, também estamos a mostrar o lado familiar dele, ou seja, como é que ele reage à família, como é que a família reage com ele. Cada personagem tem a sua personalidade e lida de uma maneira diferente, o que é super comum. Há uma coisa neste jogo que eu quero mesmo que aconteça, e é que o jogador chegue ao fim e que pense realmente na doença em si. No sentido de não tratar isto como tabu, porque se conseguimos falar de SIDA e de cancro, também conseguimos falar sobre Alzheimer, não há diferença nenhuma. 

MHD: Aliás, se existem jogos que não têm vergonha nenhuma em mostrar matéria explícita como o consumo de drogas e sexo, porquê que estas matérias, que nem são explícitas e que detêm uma gravidade tão maior, não são tão abordadas? 

RP: Medo. Nós nunca sabemos a reação que as pessoas vão ter quando estás a criar um projeto. 

MHD: Tu achas que as pessoas não querem jogar um jogo por ser sobre Alzheimer? Então qual é que tu achas que é o ingrediente para essencial para isso? Supostamente, pelo que disseste há pouco, é esse nicho que faz com que as pessoas queiram jogar o “Back Then”.

RP: Sim, tens razão, o objetivo é esse.

MHD: Qual é que é o teu grande sonho para o futuro? Aquele pelo que tinhas de lutar mais que os outros todos, em termos de videojogos. 

RP: Há duas coisas que eu sempre quis fazer, e que são super complicadas. Um deles é apresentar um projeto no palco da E3, apresentar o meu jogo a todo o mundo e dizer “Here’s my game, b******”. O segundo é ganhar um “Game Award”. 

Back Then - Entrevista Rúben Pereira
© Outriders

MHD: Que já ganhaste… não foi um dos TRIPLE-A, mas já ganhaste um na PlayStation Talents. 

RP: Sim, mas eu quero é aquele “Indie Of the Year”. 

MHD: Achas que é através do “Back Then” que vais conseguir competir com os “Dying Light”, no plural, de hoje? 

RP: Isso é uma pergunta que não te sei responder. Nós próprios não sabemos como é que o jogo vai ser recebido, quando lançar. Temos uma leve visão do que podemos esperar. Obviamente queremos ter um breakeven para fazer outro projeto e podermos ter dinheiro para comer. Isto a meu ver pode correr entre de três maneiras diferentes: o jogo sai, tem sucesso e, não digo viral, mas é um sleeper hit. Isso já era excelente, porque a partir daí já tinha muito mais mão de manobra para partilhar o jogo para grandes corporate e participar em outros concursos que outrora não conseguiria. 

MHD: Tem-se visto que, tudo o que é português, quando vai lá para fora, é do melhor. Se os melhores se juntassem cá em Portugal é que era interessante.

RP: Eu fui às finanças registar-me como programador de videojogos e isso não existia. Eu estou a trabalhar e não tenho reforma, nada. Mal eu consiga ir para fora, apesar de não saber como é que a vida vai estar daqui a 2 ou 3 anos, se estivesse a fazer o mesmo cargo que faço aqui, eu teria não só seguro de vida, seguro de saúde, férias pagas e etc.. Aqui, se não tiveres um trabalho normal numa secretária, ninguém te leva a sério. Estou tão farto desta mentalidade dos Portugueses, porque não faz sentido nenhum, nem têm argumentos para contra-atacar.

TRAILER | “BACK THEN”

Esta conversa, inicialmente planeada para ser uma entrevista, acabou por se desenrolar  em detalhes privados que não podemos partilhar relativamente ao “Back Then”, mas temos a certeza que vais amar o jogo, que será lançado ainda este ano. Não obstante, ficou claro que há de facto uma discrepância entre o impacto sentido pelos diferentes tipos de estúdio, ficando também patente a ideia de que a mentalidade da sociedade poderá não estar a acompanhar o desenvolvimento desta vertente do entretenimento. Um enorme agradecimento ao estúdio Outriders, em especial ao Rúben Pereira, pela disponibilidade e simpatia. Que continuem a quebrar barreiras e a elevar o potencial de Portugal a novos patamares.

 O que pensas desta conversa? Concordas com a mensagem que foi passada? 

One thought on “Entrevista exclusiva com Rúben Pereira | Estúdios Indies numa Pandemia

  • Fantástica entrevista ,muito bem conduzida . Fiquei fã

    Obrigado

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *