Maggie Gyllenhaal escolheu Olivia Colman para interpretar Leda em ‘A Filha Perdida’, um filme da Netflix, (mas que estreia nas salas) baseado no romance homónimo de Elena Ferrante. Trata-se do primeiro filme da atriz como realizadora. É um belo retrato sobre uma mulher e as suas difíceis escolhas entre a família e a carreira.
‘A Filha Perdida’ é um filme que marca a estreia na realização da actriz Maggie Gyllenhaall, — uma das juradas de Cannes 2021 — a irmã de Jake, que é considerada uma intérprete refinada e intelectual e que na sua carreira nunca fez escolhas fáceis em termos de trabalho. Talvez por isso, parece que está muito tempo parada e a realização desta história assenta-lhe como uma luva. Basta pensarmos por exemplo em ‘A Secretária’, filme que protagonizou e que se tornou numa espécie de escândalo do ano de 2002 e que a manteve aparentemente algo afastada dos ecrãs. Porém, Maggie Gyllenhaall relançou a sua carreira, que atingiu o seu limiar nos Óscares em 2009, como actriz secundária e com uma brilhante interpretação em ‘Crazy Heart’: o filme que deu a estatueta a Jeff Bridges. Agora Gyllenhaall decidiu dar igualmente continuidade à sua tradição familiar, passando para detrás das câmeras, já que ambos os pais são realizadores e argumentistas: o seu pai, Stephen, é autor de alguns filmes interessantes, como ‘Paris Trout’ou ‘Uma Mulher Perigosa’ e de alguns episódios de ‘Twin Peaks’, entre outras obras não menos relevantes. ‘A Filha Perdida’ é uma história sensível e no feminino que tocou imediatamente a nova realizadora-actriz, que quando leu o romance e pediu a Elena Ferrante para adaptá-lo ao cinema.
O que mais deseja Leda (Olivia Colman) é ir de férias descansada. Para isso, reservou um pequeno apartamento num resort à beira-mar na Grécia — com a ilha de Spetes a fornecer-nos, lindíssimas localizações e dar-nos vontade de fazer o mesmo que ela — para que pudesse tirar alguns dias para si própria, sozinha, para ler, nadar e escrever. No entanto, rapidamente percebemos que a paz é algo que Leda não vai conseguir. Pouco depois de sua chegada, Leda conhece Nina (Dakota Johnson), uma jovem mãe de férias com sua família barulhenta, autoritária e ligada à máfia italiana. Enquanto isso, estranhos e funcionários do resort assediam-na com conversas mundanas, aliás como o próprio zelador, um americano chamado Lyle (Ed Harris), que mostra a sua bondade e até mesmo uma pitada de romance. Leda recua, range os dentes e tenta superar isso, mas sua natureza compulsiva e azeda, fá-la soltar comentários rudes e pouco lisonjeiros, quase aliás contra sua vontade. Algo parece haver de errado com Leda. Solitária e aborrecida, Leda vai observando de perto a tal família, particularmente Nina, cujo relacionamento com sua pequena filha Elena, lembra-lhe muito o seu próprio tenso relacionamento com Martha e Bianca, as suas duas filhas adultas, obviamente ausentes. Quando Elena desaparece na praia repentinamente é Leda quem a encontra e a devolve para Nina, mas numa aparente chocante reviravolta, pois Leda rouba a amada boneca da miúda. Estranhamente, Leda adota a boneca, limpa-a, compra suas roupas novas e até dorme com ela, enquanto observa passivamente a dor de Elena e o caos da família por causa da boneca roubada. Mas Leda acaba por devolver a boneca, enquanto Nina, fica indignada com o seu comportamento.
É extraordinária e quase uma enigma, esta crónica veraneante de Leda (Olivia Colman), a melancólica mulher de meia-idade, com os seus dias de férias marcados pela presença dessa família muito peculiar. Esses dias ao sol mediterrâneo, desencadeiam na pálida Leda, um certo mau-estar vinculado ao seu passado, algo torturado. Leda é efectivamente uma personagem muito difícil de entender à primeira vista. E se formos dentro da lógica, será quase intolerável segui-la e compreender as suas atitudes e emoções. Mas à medida que as situações evoluem, Gyllenhaal começa aos poucos a quebrar a casca de Leda, através de momentos do seu passado e da sua vida, algumas décadas antes; apresentando-nos uma jovem e promissora ensaísta, Leda (Jessie Buckley) sucumbindo a uma série de frustrações e que aparentemente não escolheu o caminho mais acertado para poder escapar à situação que ela própria criou. Mesmo que isso possa demonstrar uma certa crueldade, vamos acabar por entende-la e perceber, que as duas histórias pessoais coincidem e fazem sentido. Sobretudo quando vê-mos como suportou a pressão de criar duas crianças hiper-activas, um casamento a caminhar para a ruptura, ao mesmo tempo que tenta perseguir seus sonhos profissionais e literários. Ou melhor sempre difícil escolha entre família e a carreira, sobretudo que se coloca mais às mulheres.
A Leda de hoje, sofre então, com as suas más decisões e os seus arrependimentos. São estes dois lados opostos da mesma moeda, que dão à personagem uma dimensão completa e mais ampla para a entendermos na totalidade. Não interessa revelar muito mais, deste filme magnífico, do brilhante e sensível enredo, pois trata-se de uma misteriosa história, cheia de mal-entendidos, sucessivas e surpreendentes revelações, com várias mães e pais imperfeitos, — mais aqui até, do que no filme de Almodóvar — que combina vários géneros cinematográficos: comédia, drama familiar e mistério. Enfim uma imensa revelação! Contudo, ‘A Filha Perdida‘ é sobretudo embelezado pelas interpretações de alto nível, a começar pela protagonista: Olivia Colman, a vencedora do Óscar de Melhor Atriz Principal por ‘A Favorita’. É Colman quem dá corpo e paixão a esta Leda, que não pára de olhar para a jovem mãe Nina, interpretada por uma não menos brilhante Dakota Johnson. A Leda mais jovem é encarnada por uma fabulosa Jessie Buckley — a atriz irlandesa está em ascensão desde as duas séries de culto: ‘Chernobyl’ e na quarta temporada de ‘Fargo’, mas também no maravilhosa ‘Wild Rose’ de 2018. O elenco principal inclui também Ed Harris, que como Gyllenhall estreou-se atrás das câmaras com ‘Pollock’ (2000), um filme biográfico sobre o grande artista plástico norte-americano. E como o cinema começa cada vez mais a ser um assunto de família, não poderia faltar no elenco, Peter Sarsgaard, o bem sucedido marido da realizadora.
JVM
A Filha Perdida, em análise
Movie title: The Lost Daughter
Movie description: É extraordinária e quase uma enigma, esta crónica veraneante de Leda (Olivia Colman), a melancólica mulher de meia-idade, com os seus dias de férias marcados pela presença dessa família muito peculiar. Esses dias ao sol mediterrâneo, desencadeiam na pálida Leda, um certo mau-estar vinculado ao seu passado, algo torturado.
Date published: 3 de February de 2022
Country: EUA
Duration: 121'
Director(s): Maggie Gyllenhaall
Actor(s): Olivia Colman, Dakota Johnson, Jessie Buckley, Ed Harris
Genre: Drama
José Vieira Mendes - 80
Maggie Silva - 65
Cláudio Alves - 85
77
CONCLUSÃO
‘A Filha Perdida’, baseado no romance homónimo da famosa Elena Ferrante,é um impressionante e magnifico filme de estreia como realizadora da actriz Maggie Gyllenhaal, que exibe uma inteligência e um empatia com o espectador e com as personagens, que só se fortalecerá à medida que a sua carreira continuar e se vier a afirmar completamente. Esperemos que sim! Alguns cineastas fazem logo à primeira um filme competente e outros conseguem mesmo fazer bons filmes. Maggie Gyllenhaal consegui fazer as duas coisas.
Pros
A enorme sensibilidade da actriz-realizadora para tratar desta forma um tema tão sensível e raro, tudo aliado à interpretação do elenco.
Cons
A desilusão que tem sido em termos de bilheteira e a injustiça para como um filme que apesar da sua empatia, parece agradar mais à critica do que aos espectadores.
Jornalista, crítico de cinema e programador. Licenciado em Comunicação Social, e pós-graduado em Produção de Televisão, pelo Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa. É actualmente Editor da Magazine.HD (www.magazine-hd.com). Foi Director da ‘Premiere’ (1999 a 2010). Colaborou no blog ‘Imagens de Fundo’, do Final Cut/Visão JL , no Jornal de Letras e na Visão. Foi apresentador das ‘Noites de Cinema’, na RTP Memória e comentador no Bom Dia Portugal, da RTP1. Realizou os documentários: ‘Gerações Curtas!?’ (2012); ‘Ó Pai O Que É a Crise?’ (2012); ‘as memórias não se apagam’ (2014) e 'Mar Urbano Lisboa (2019). Foi programador do ciclo ‘Pontes para Istambul’ (2010),‘Turkey: The Missing Star Lisbon’ (2012), Mostras de Cinema da América Latina (2010 e 2011), 'Vamos fazer Rir a Europa', (2014), Mostra de Cinema Dominicano, (2014) e Cine Atlântico, Terceira, Açores desde 2016, até actualidade. Foi Director de Programação do Cine’Eco—Festival de Cinema Ambiental da Serra da Estrela de 2012 a 2019. É membro da FIPRESCI.