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‘A Promessa de Hasan’, em análise

O conflito entre fé e as aspirações pessoais, num mundo dividido entre tradição e modernização está no centro de ‘A Promessa de Hasan’, o novo filme de Semih Kaplanoğlu, que estreou no Festival de Cannes – Un Certain Regard 2021 e representou a Turquia na candidatura ao Óscar Internacional. Estreia a 16 de junho.

‘A Promessa de Hasan’ (‘Commitment Hasan’), é o novo filme do realizador turco Semih Kaplanoğlu, que ficou conhecido internacionalmente pela sua ‘trilogia da terra ou do Yusuf’: ‘Ovo’ (2007), ‘Leite’ (2008) e ‘Mel’ (2010). Esta tendência expressiva e dramática ligada ao mundo rural é confirmada neste seu novo filme, a segunda parte de uma nova trilogia que começou com ‘Commitment Asli’, em 2019, a história de uma nova mãe Aslı contrata uma ama chamada Gülnihal, que também tem seu próprio bebé e que se confrontam com segredos de longa data.  Este ‘A Promessa de Hasan’, começa por contar a história de um agricultor que vive da terra que herdou do seu pai. Porém fica a saber que vão instalar nas terras que cultiva, uma torre de alta tensão e por isso vai fazer de tudo para que o seu campo, fique de fora deste planeamento, apelando ao poder local e às instâncias judiciais. Mas tudo isto, antes de partir para uma peregrinação que tinha planeado a Meca, terá de cumprir a promessa que tinha feito à sua mulher e a si próprio, de reparar alguns erros do seu passado (e do presente também, como veremos…), como é preceito do Islão. Na verdade este filme, resume-se à história de um ‘sonso’ hipócrita e de um corrupto, apesar do ar plácido do homem. 

cinema turco
Na verdade este filme, resume-se à história de um ‘sonso’ apesar do ar plácido do homem. ©Leopardo Filmes

O personagem-título que é interpretado por Umut Karadag, trata-se de um rosto familiar dos apreciadores do cinema turco, que tem curiosamente um certo ar de ‘George Clooney dos turcos’, embora com menos cabelo e sobretudo com uns olhos mais duros e tristes, que enganam muito. Hasan é assim um agricultor-proprietário dessa razoável superfície de terras, que herdou de seu pai na região de Ancara e começamos por vê-lo, cuidando das suas maçãs e tomates com delicadeza e sensibilidade, junto com os seus trabalhadores. A dado momento, inicia a sua luta, para impedir a instalação da enorme torre de alta tensão da Yeni Akım Elektrik, a companhia que transporta o nova linha de energia e que vai melhorar obviamente as condições de vida da região. Porém, isso não desvia Hassan, de algo importante em que está prestes a participar, depois de três anos de espera: foi finalmente escolhido para fazer uma peregrinação a Meca, com sua esposa Emin (Filiz Bozok). No entanto, como todos os crentes do Islão sabem, os peregrinos só podem chegar a este lugar sagrado, quando obtiverem a bênção de todos aqueles contra que erraram e ou fizeram algo menos aceitável. E para Hassan, isso efectivamente torna-se numa tarefa particularmente difícil.

VÊ TRAILER DE ‘A PROMESSA DE HASAN’

Ao longo do filme, vamos descobrindo que nosso protagonista não é um homem puro e cheio de virtudes como parece ser, até como ele próprio pensa ser. A corrupção paira sobre o juiz que lhe atribuiu a casa e as terras de seu pai; mesmo o seu irmão mais velho (Mahir Günşiray), não lhe fala há mais de vinte anos. Hasan vai voltar a recorrer ao mesmo juiz, para tentar mover a torre de alta tensão, para outro terreno, do seu vizinho. Também ao saber, por meio de um funcionário do banco, que outro proprietário rural, está falido, Hasan aproveita essa oportunidade para lhe comprar o terreno, por um preço ridículo, deixando-o na rua. Enquanto isso, não prescinde de gastar bastante dinheiro no hotel em que ficará hospedado durante a sua peregrinação a Meca. E é curioso, que a esposa Emin, não é melhor do que Hassan, quando se trata de esconder uma certa mesquinhez, por trás de um ar humilde, de boas maneiras e de uma certa submissão ao marido. Há efectivamente, uma certa cumplicidade entre o casal, mas ao mesmo tempo, sente-se um grande vazio afectivo, fruto de um sentimento de culpa mútua e partilhada em relação às suas acções no passado e presente. 

A Promessa de Hasan
O filme começa por contar a história de um agricultor que vive da terra que herdou do seu pai. ©Leopardo Filmes

Trabalhando mais uma vez com o seu extraordinário e fiel diretor de fotografia Ozgur Eken que curiosamente rodou este filme em formato 6K com uma câmera Sony Venice — Semih Kaplanoğlu, volta a debruçar-se sobre elementos naturais para enfatizar a distância entre um mundo ideal e o mundo hipócrita em que vive este seu protagonista, que procura o perdão daqueles que traiu. Hasan é na verdade um produto dos tempos em que vivemos, dividido entre seu amor pela natureza e os seus próprios interesses pessoais. Está desesperado em proteger de uma forma egoísta, a sua ‘zona de conforto’ e o seu bem-estar, que conquistou por meio de favores e vários golpes, dentro de um sistema corrupto e facilmente manipulável. Comum aliás numa Turquia que nunca se desenvolveu e que parece de certo modo, ter regredido ainda mais na modernidade. 

A Promessa de Hassan
Umut Karadag, é um rosto familiar dos apreciadores do cinema turco. ©Leopardo Filmes

Hasan é mais um pequeno hipócrita, num mundo hipócrita e cheio de contradições: Kaplanoğlu sugere subtilmente por exemplo, a questão dos agricultores turcos, estarem proibidos de vender produtos tratados com pesticidas para países da UE, enquanto a Alemanha fá-lo sem qualquer pudor. Os sonhos de Hasan parecem ainda transmitir a nostalgia de uma inocência entretanto perdida no mundo rural; bem como o espectro da retribuição (ou castigo) divina, iminente à terra e a quem a cultiva. Esta questão é aliás tratada, com uma cena maravilhosa de uma forte chuva de maçãs, caídas das árvores pelo forte vento, que atingem o protagonista, como um castigo. Faz lembrar a famosa e bíblica ‘chuva de sapos’ de Magnólia de Paul Thomas Anderson.  

 

A Promessa de Hasan
Hasan vai fazer uma peregrinação a Meca, com sua esposa Emin (Filiz Bozok). ©Leopardo Filmes

Premiado com o Urso de Ouro de Berlim em 2010 pelo seu belo e comovente ‘Mel’, a última parte da trilogia que o tornou famoso em todo o mundo, Kaplanoğlu habituou-nos os seus admiradores, a uma linguagem cinematográfica esteticamente sofisticada e suave para revelar muitas coisas deste mundo contemporâneo, mesmo que seja num microcosmos dde uma aldeia da Turquia profunda. Aliás como a de seu colega, o reconhecido e premiado realizador Nuri Bilge Ceilan (‘Era Um Vez na Anatólia’). Ambos os cineastas, pertencem à chamada ‘terceira geração’ do cinema turco, juntamente com outros notáveis realizadores que é importante referir e vale a pena descobrir:  Zeki Demirkubuz e Reha Erdem, entre outros. 

JVM

A Promessa de Hasan, em análise
A Promessa de Hassan

Movie title: Commitment Hasan

Movie description: Ganhando a vida na agricultura Hasan tenta livrar-se do poste de energia de alta tensão, que será instalado no meio de suas terras. A sua viagem iminente a Meca leva-o à busca da sua alma e do seu passado pouco virtuoso.

Date published: 14 de June de 2022

Country: Turquia, 2021

Duration: 147 minutos

Director(s): Semih Kaplanoğlu

Actor(s): Umut Karadag, Filiz Bozok, Gökhan Azlag, Ayse Gunyuz Demirci

Genre: Drama, Thriller

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  • José Vieira Mendes - 70
70

CONCLUSÃO

A palavra turca ‘tavaf’ significa mover alguma coisa, andar para a frente. No contexto islâmico, refere-se ao percurso em redor da Caaba no centro de Meca, começando na famosa Pedra Negra conhecida como Hajaru al-Aswad. É isso que Hasan e Emin Yilmaz, o casal de protagonistas de ‘A Promessa de Hasan’, de Semih Kaplanoğlu, estão a preparar ao mesmo tempo que procuram tirar das suas terras um poste de alta tensão. Porém ’A Promessa de Hasan’ é mais uma ponderada, realista e subtil abordagem política, que nos leva a vaguear pela sufocante e a claustrofóbica Turquia rural, explorando as relações familiares — que oscilam entre tradição e modernidade — e os conflitos entre fé e as aspirações pessoais dos indivíduos.

Pros

Maravilhoso visualmente e estilisticamente muito próximo da notável e bela ‘trilogia Yusuf’, que tornou o realizador conhecido e premiado no circuito de festivais de todo o mundo. O som também é fantástico, começando pelo do vento no pomar e nos campos, sussurrando logo no início do filme.

Cons

Tanto Hassan, até à total revelação do seu personagem, como a segunda hora — o filme tem quase duas horas e meia — não nos conseguem prender tanto assim, talvez por o filme se arrastar em demasia em pormenores. De qualquer modo esta é a essência do cinema deste realizador. Goste-se ou não!

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