O sempre expressivo Joaquin Phoenix e um ‘pequeno-grande’ actor (Woody Norman). ©A24

C’mon C’mon, em análise

Em ‘C’mon C’mon’, de Mike Mills, o sempre expressivo Joaquin Phoenix e um pequeno actor (Woody Norman) fazem de tio e sobrinho, num drama de viagem e amor, sobre as inquietação do universo da infância e sobretudo sobre, literalmente, saber ouvir ou outros. Para ver exclusivamente (e é pena!) nos videoclubes (VOD) das operadoras de televisão.

É preciso começar por dizer que ‘C’mon C’mon’, de Mike Mills, a história de um vínculo entre tio e sobrinho é sobretudo, um drama brilhantemente interpretado pelos dois actores, que quase silenciosamente e aos poucos vão atraindo o espectador, ao ponto de lhes tocar no coração e na alma. Os filmes existem e conquistam-nos pela sua capacidade de nos entreter, distrair, pelo talento dos seus actores e equipa técnica, pela sua mensagem forte ou pela sua capacidade de mexer connosco. Enfim cada um sente os filmes à sua maneira e é pena que para irritação de muita gente, que este filme não tenha chegado às salas de cinema e esteja apenas disponível nas plataformas de VOD das operadoras de televisão. Limitando obviamente os seus potenciais espectadores! Contudo, se conseguirem ir ao menu da vossa Box, não percam, porque vale a pena vê-lo em família, quase com a mesma fé de um filme de Steven Spielberg, que agora também estreou o notável ‘Os Fabelmans’, um conto sobre a família e a magia do cinema, que esse merece uma ida às salas de grande ecrã. Porém, a filmografia de Mike Mills é muito diferente e não tem comparação com a do ‘mestre’: primeiro porque não é assim muito regular, depois e principalmente porque os seus filmes são mais íntimos e suavemente discretos — até quando estreiam nas salas — tanto quanto diz respeito à trama, como à sua divulgação mesmo nos festivais internacionais. No entanto, são sempre filmes muito ricos em textura emocional e sentimentos. É o caso por exemplo do seu filme anterior ‘Mulheres do Século XX’, (2016), uma magnifica e sensível história no feminino com Annette Benning e Greta Gerwing, como cabeças de cartaz, inspirado na sua própria mãe e na sua educação a cargo de três mulheres; ou ‘Assim é o Amor, (2010), uma espécie de carta de amor ao seu pai, com Ewan McGregor e Christopher Plummer. Na verdade, ver os filmes de Mills é uma experiência sensorial, pessoal e única, quase como olhar para uma pintura num museu ou numa galeria: tanto nos podem não dizer muito ou nada, como podemos logo identificarmo-nos, fazer-nos mergulhar a fundo, descobrir lá dentro ‘pequenos-grandes mundos’ e muitas coisas que vale a pena conhecer. Valem sem dúvida a experiência!

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VÊ TRAILER DE ‘C’MON C’MON’

É o caso também do seu filme mais recente, ‘C’mon C’mon’, todo rodado a preto e branco, — pelo talentoso diretor de fotografia Robbie Ryan — que é talvez o mais despojado das suas obras realizadas até agora. Centra-se numa improvisada viagem pela América que explora o vínculo familiar entre um tio, um jornalista de rádio chamado Johnny (Joaquin Phoenix) e o seu jovem sobrinho Jesse (Woody Norman), que inesperadamente, partem juntos para uma incrível reportagem e uma aventura que os ligará para sempre.

C'mon C'mon
Tio e sobrinho partem para uma incrível aventura que os ligará para sempre. ©A24

Tudo começa com uma relação ténue com Jesse, o seu sobrinho, um rapazinho de nove anos, excêntrico e carinhosamente estranho que se recusa a ser gravado, mas que acabará por mergulhar nos sons ao seu redor. Esse vínculo começa com uma série de telefonemas, entre os irmãos Johnny e Viv (Gaby Hoffmann), a mãe de Jesse, que parecem reabrir as linhas de comunicação entre a família, entre dois irmãos desavindos, uma ligação que foi interrompida, por uma série de equívocos, marcados pela morte da mãe. Johnny acabou de se separar da namorada de longa data. É inteligente, engraçado, meio indisciplinado — a figura quase sempre de Phoenix — mas um bom ouvinte para as crianças ou adolescentes, cuja honestidade e inteligência admira. Mas Johnny tem um sério problema de consciência: desentendeu-se com essa sua adorada irmã Viv (Hoffmann) e não fala com ela há mais de um ano; Viv está zangada, por ele ter sido irresponsável e não ter estado presente num momento difícil e dramático da família. Porém, agora Viv vai precisar de Johnny: o seu companheiro do qual está semi-separada Paul (Scoot McNairy) é bipolar, tem um episódio muito sério, e Viv tem necessidade de hospitalizá-lo e acompanhá-lo. Por isso, precisa de alguém para cuidar temporariamente do seu filho Jesse, a criança precoce de nove anos, interpretada de uma forma incrível e bastante comovente por Woody Norman. Além de uma história de amor de um vínculo familiar, que não existia e passa suavemente a existir, ‘C’mon C’mon’, como já disse, é um filme sobre o ouvir — realmente ouvir — o que as outras pessoas têm para dizer a nós e ao mundo. O trabalho do radialista Johnny e o que o leva a dar a volta à América é uma reportagem gravada, que passa por entrevistar crianças, explorando as suas esperanças, ansias e medos do futuro. O preto e branco, é efectivamente uma decisão estética do realizador — algo fortemente utilizado pelos fotógrafos profissionais — algo que traz ao filme uma suave melancolia e tranquilidade, que tanto dá exuberância ao horizonte repleto de arranha-céus em Nova Iorque, passando pelas avenidas com palmeiras na Califórnia, como atenua o drama carnavalesco tradicional e excessivo da cidade de Nova Orleans, alguns dos fabulosos e marcantes cenários do filme, sempre ligados às emoções do momento dos protagonistas. É também um filme profundamente humano, tanto no que diz respeito ao que os miúdos dizem sobre as suas vidas e o mundo, como em relação às personagens como Viv, que mesmo com o relacionamento terminado com o seu ex-companheiro, não o deixa abandonado perante a doença e as perturbações mentais. 

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C'mon C'mon
O preto e branco, traz ao filme uma suave melancolia e tranquilidade, mesmo quando as localizações são exuberantes. ©A24

O som é como já disse fundamental no filme e não podiam ser mais apropriado aliás como a música: a banda-sonora é extraordinária e eclética, variando entre temas de ópera, passando pela música de Lee ‘Scratch’ Perry, uma faixa inédita de Lou Reed, chamada The Ostrich’, antes dos The Velvet Underground. Além de maravilhosamente realizado, os principais trunfos do filme são sem dúvida as duas, ou melhor, três extraordinárias interpretações: Phoenix, sempre meio-amarrotado e emocionalmente solto como Johnny; Hoffman, amando e sofrendo ferozmente como Viv; e principalmente a do pequeno Woody Norman, entregando-se um dos papéis mais notáveis e realistas, que me recordo no cinema dos últimos anos. É um filme também que homenageia a rádio mais convencional e todos os repórteres de rádio que, através dos sons, ainda conseguem melhor que nunca trazer-nos uma mensagem e uma realidade mais quente e autêntica, na expressão criada por Marshall McLuhan.  Uma pérola a não perder!

C'mon C'mon, em análise

Movie title: C'mon C'mon

Movie description: ‘C’mon C’mon’ explora a história de Johnny, um jornalista de rádio que viaja pelo país entrevistando crianças pequenas sobre suas vidas e sonhos futuros. Ele tem uma irmã Viv, com quem não fala desde a morte da sua mãe há um ano. Viv pede a Johnny para tomar conta de Jesse, o seu filho de 9 anos, pois precisa agora de cuidar de seu ex-marido Paul, que está com uma doença mental.

Date published: 23 de November de 2022

Country: EUA

Duration: 109 minutos

Director(s): Mike Mills

Actor(s): Joaquin Phoenix, Woody Norman, Gaby Hoffman

Genre: Drama, 2021, 109 minutos

  • José Vieira Mendes - 85
85

CONCLUSÃO:

Realizado por Mike Mills, ‘C’mon C’mon’ é um drama a preto e branco que conta uma bela história sobre o relacionamento entre um tio (Joaquin Phoenix) e seu jovem sobrinho (Woody Norman). O filme aborda os temas das relações familiares, o impacto dos conflitos familiares nas crianças e sobretudo o saber ouvir (sempre) os outros. A além de maravilhosamente realizado, os principais trunfos do filme são sem dúvida as três extraordinárias interpretações: Joaquin Phoenix, sempre meio-amarrotado e emocionalmente solto como Johnny; Gaby Hoffman, amando e sofrendo ferozmente como Viv; e principalmente a do pequeno Woody Norman, entregando-se um dos papéis mais notáveis e realistas, que me recordo no cinema dos últimos anos.

JVM

Pros

Os principais trunfos do filme são sem dúvida as três extraordinárias interpretações dos actores, sobretudo do miúdo Woody Norman, mas também a realização, a fotografia a preto e branco e a banda sonora.

Cons

É sem dúvida a irritação que motivam as distribuidoras para deixarem alguns filmes tão bons com este na prateleira e estrearem-no apenas no VOD. É um filme que merecia chegar às salas de cinema.

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