Made in Abyss, primeira temporada em análise
Made in Abyss faz-nos entrar num mundo que tem tanto de maravilhoso como de aterrador. Assim que somos sugados para este mundo, torna-se difícil deixá-lo.
Uma das grandes razões que atrai o espectador para o género fantasia é a possibilidade de fugir à realidade. As pessoas gostam de se aventurar em mundos fantásticos. Enquanto estiverem a ver uma história de fantasia, não pensam nos seus problemas. Durante aquele período de tempo podem sonhar. Há espaço para imaginarem como seria existir naquele mundo e viver aquelas façanhas extraordinárias. Quando um espectador vê uma série/filme de fantasia, ele está à procura da imersão total. Contudo, para que isto aconteça, a obra em questão tem de dedicar algum tempo à construção do seu mundo.
“Made in Abyss” é uma série que estreou na recente temporada de verão. Produzida pelo estúdio Kinema Citrus, e realizada por Masayuki Kojima (“CardCaptor Sakura”, “Black Bullet”, “Monster”), esta obra é facilmente uma das melhores que tivemos oportunidade de ver este ano. E foi, inclusivamente, escolhida pelos leitores da Magazine.HD como a melhor série anime da temporada de verão de 2017.
A história acompanha Riko, uma menina de 12 anos, habitante da cidade de Orth. Junto a esta cidade encontra-se uma cratera larga e profunda, conhecida por Abismo. Ninguém sabe exatamente o quão profundo é este buraco. Mas há quem tente descobrir. Os caive raiders são pessoas que dedicam a sua vida a explorar o Abismo. Porém, essa tarefa acarreta consigo vários perigos. Quanto mais descem, menos probabilidade têm de voltar à superfície com vida. É a principal consequência da maldição do Abismo, que afeta todas as pessoas que se atrevem a explorá-lo.
De acordo com os vários níveis de profundidade, existem diferentes reações que atingem os caive raiders. A derradeira reação conduz a pessoa à sua morte. Ainda assim, há quem consiga descer às zonas mais profundas, e fazer a viagem de regresso. Estes exploradores são conhecidos por White Whistles. Entre os habitantes de Orth eles são autênticas lendas vivas, heróis da pátria.
Riko, a protagonista, é uma das caive raiders de Orth. O seu sonho é ser uma exploradora tão famosa como a sua falecida mãe, a White Whistle Lyza the Annihilator, e chegar até à parte mais funda do Abismo. No entanto, como ainda é uma exploradora iniciante, uma Red Whistle, ela só tem autorização para se aventurar nos níveis que ficam mais à superfície. É numa dessas explorações que Riko encontra um robô misterioso com aparência humana, ao qual ela dá o nome de Reg. Aparentemente, ele parece ter perdido todas as suas memórias, e não sabe como é que foi parar àquele sítio. O mistério que rodeia a criação de Reg, juntamente com uma mensagem supostamente enviada por Lyza a Riko, levam a jovem e o robô a querer descer o Abismo para tentarem encontrar respostas. Mas será que eles estão preparados para a dura realidade do Abismo?
“Made in Abyss” é uma série que nos faz entrar num mundo que tem tanto de maravilhoso como de aterrador. E assim que somos sugados para este mundo, torna-se difícil deixá-lo. É perigoso, violento e insensível. Mas é também bonito, encantador e emocionante. “Made in Abyss” destaca-se por ser uma série que se preocupa imenso com a construção do mundo e do ambiente em que a narrativa está inserida. Não se trata apenas de criar um espaço onde a trama possa decorrer. Mas sim de conceber um espaço credível e com identidade. Que tenha vida! E não basta ter uma aparência semelhante à realidade. O espectador tem de sentir que aquele mundo é real. Ou pelo menos, tem de ficar convencido de que poderia ser real. Eventualmente, a série recebe a sua recompensa por este excelente trabalho quando o espectador fica totalmente imerso neste mundo.
A exposição visual é um dos recursos mais utilizados na série quando o objetivo é apresentar-nos o mundo da história. E na maioria das vezes, é tudo o que o espectador precisa para ficar informado de algo. É muito raro precisarmos que um personagem nos explique qualquer coisa que o próprio ambiente e universo da série já não o tenha feito, mesmo que de forma implícita. Olhemos por exemplo para a verticalidade em “Made in Abyss”. Esta questão é fortemente explorada na série. E não o é apenas por causa da existência do Abismo.
Antes de este nos ser mostrado, a paisagem que rodeia os personagens (cascatas, penhascos, precipícios) já deixa subentendido como a verticalidade é um elemento preponderante na história. Mais tarde, esta ideia é novamente reforçada quando somos conduzidos até à cidade onde vivem os personagens e vemos como os edifícios estão organizados em diversos patamares. E também quando entramos na sala de aula de Riko. Em vez de as mesas estarem dispostas no chão, elas estão cravadas na parede e arrumadas na vertical. Depois de ficarmos a conhecer esta realidade geográfica e física, não nos surpreende quando descobrimos que a sociedade em que Riko está inserida seja bastante rígida e muito hierarquizada. Porque o ambiente da série esteve constantemente a dar-nos pequenas pistas que indicavam precisamente isso.
“Made in Abyss” usa e abusa (no bom sentido, é claro) do seu ambiente para comunicar e transmitir ideias e sensações ao espectador. À medida que Riko e Reg descem o Abismo e chegam a novos níveis, a série está constantemente a reinventar-se. Cada nível é um mundo novo e totalmente diferente dos restantes. E os artistas encarregues de elaborar o universo de “Made in Abyss” não reprimem de maneira nenhuma a sua imaginação. O resultado é a criação de um mundo rico, vibrante, repleto de detalhes, mas que deixa espaço para a descoberta. Quanto mais conhecemos este mundo, mais questões temos sobre ele. Este aguçar da nossa curiosidade faz-nos querer continuar a acompanhar esta aventura, e a explorar este universo.
Juntamente com Riko e Reg, o Abismo é um dos grandes protagonistas de “Made in Abyss”. Nele habitam criaturas fantásticas e escondem-se tesouros de valores incalculáveis. Nesta profundeza sem fim, há quem morra e há quem renasça. Uns descem o Abismo à procura de fama e glória. Outros são conduzidos pelo mistério do incógnito e pela ânsia do conhecimento. O Abismo é um enigma. É uma força da Natureza. É um purgatório. É paraíso e inferno. É o expoente máximo da vida e de tudo o que ela abarca: alegria, sofrimento, dor, perda.
Tudo no Abismo é um teste para os protagonistas. Mas a margem que eles têm para errar é mínima. E desengane-se quem acha que os protagonistas são imunes às ameaças e perigos do Abismo. Durante as nossas primeiras impressões da série, referimos o facto de “Made in Abyss” parecer uma série infantil e inocente. Especialmente por causa do design dos personagens. Mas logo no primeiro episódio tornou-se evidente que esta não seria uma simples história de aventura saída de um conto de fadas, onde tudo é belo e mágico. Até porque nem os contos de fadas são tão idílicos. E nem todos acabam com um “e viveram felizes para sempre”. Por isso, para quem se quiser aventurar nas profundezas de “Made in Abyss”, fica o aviso. Preparem-se, pois a dose que esta série oferece de maravilha e encanto, é igualada na dose de momentos verdadeiramente perturbadores e trágicos.
Ao contrário do que se possa pensar, “Made in Abyss” não é mais uma série que sujeita os seus personagens a sofrimentos terríveis apenas pelo efeito de choque e trauma que provoca no espectador. Certamente que existem muitas obras que utilizam esta estratégia de uma forma gratuita. Mas em “Made in Abyss”, a violência que atinge os personagens tem um propósito. Especialmente na evolução das figuras da história. O sofrimento vivido naquele abismo por Riko, Reg e até Nanachi (figura com quem os protagonistas se cruzam durante a sua jornada), tem sempre uma finalidade.
De certa maneira, podemos colocar duas questões em relação a estes momentos: “O que desencadeou aquela situação?” e “Como é que o personagem reagiu?”. Existe sempre um “antes” e um “depois”. Antes do sofrimento, encontramos, por norma, a ingenuidade e inexperiência por parte dos protagonistas. Já no pós-sofrimento, a mudança pode ser variada. O personagem pode tornar-se mais maduro, mais resiliente a nível emocional, mais ponderado… Em todo o caso, ocorre sempre uma transformação. E é uma transformação que ajuda o personagem a definir melhor as suas prioridades e objetivos. No fundo, cada momento mais complicado serve de “abre olhos”, de alerta para a dura realidade em que o personagem está inserido e cujo confronto é inevitável.
Para além de “Made in Abyss” contar com uma excelente história, há dois elementos que compõe a série e que são basilares para o seu sucesso: a animação e a banda-sonora. Ambas desempenham um papel fundamental na construção do mundo de “Made in Abyss”. Em particular a animação, como é compreensível. Os cenários são altamente detalhados, os designs dos personagens são simples, mas memoráveis, e o visual das criaturas do Abismo é extravagante e exótico.
Para complementar tudo isto, temos a banda-sonora composta pelo australiano Kevin Penkin. A música de “Made in Abyss” é um misto de maravilhoso e inquietação, fantasia e mistério. É uma representação sonora perfeita do espírito da série. E quando é ouvida fora do contexto da série, as músicas evocam a grandiosidade e magia desta história e deste mundo, tornando-se impossível ouvir músicas como “Underground River“, “Tomorrow“, “First Layer“, ou “Hanezeve Caradhina” sem sermos transportados para o universo de “Made in Abyss”.
Tendo em conta que a série adapta um manga que ainda não terminou, podemos dizer que o final de “Made in Abyss” foi bastante satisfatório. Caso não haja uma segunda temporada (esperemos que haja), o episódio final da primeira temporada consegue ser conclusivo na perspectiva da jornada dos protagonistas. Pelo menos a primeira parte dessa jornada. O espectador é relembrado dos vários obstáculos superados por Riko e Reg e das pessoas com quem se cruzaram. Ao mesmo tempo que nos dá esta sensação de conclusão, o final também nos transmite um sentimento de transição. Ele mostra-nos que a história tem continuação, e que a aventura dos personagens não ficará por aqui.
“Made in Abyss” é uma epopeia memorável que merece ser vista e revista por todos os fãs de anime, de animação no geral e pelos amantes de fantasia e aventura. É um anime rico. Rico em história. Rico em personagens. Rico em animação e banda sonora. Foi a melhor série da temporada de verão de 2017, e é uma séria candidata ao título de melhor série do ano. A sua história é original e intrigante. Os seus personagens são altamente carismáticos, muito bem desenvolvidos e com uma evolução consistente e lógica ao longo da série. Prontos para descer o Abismo?
Made in Abyss, primeira temporada em análise
Name: Made in Abyss
Description: Um sistema enorme de poços e cavernas chamado "Abyss" (ou "Abismo") é o único lugar que não explorado em todo o mundo. Criaturas estranhas e incríveis residem nas suas profundezas, para além do lugar estar cheio de relíquias preciosas que os humanos ainda não conseguiram criar. Os mistérios do Abismo fascinam todas as pessoas, e elas começam a explorá-lo. As pessoas que se aventuram dentro deste lugar são conhecidos como "Caive Raiders". Uma pequena órfã chamada RiKo vive na cidade de Orth, à beira do Abismo. O seu sonho é ser uma caive raider como a sua mãe e resolver os mistérios do sistema de poços. Um dia, Riko começa a explorar as cavernas e descobre um robô que parece um rapaz humano.
-
Filipa Machado - 95
CONCLUSÃO
O MELHOR: Made in Abyss não é uma série perfeita. Mas pouco lhe falta para o ser. A série tem uma história original, com personagens carismáticos e um mundo maravilhoso e intrigante à espera de ser descoberto. A animação e a banda-sonora são formidáveis e complementam muito bem a narrativa.
O PIOR: A segunda temporada não estar já confirmada.
User Review
( votes)( review)
Adorei a sua crítica e análise. Comecei a ver o anime recentemente, mas já dá pra captar esse ar de aventura, mistério e por que não, horror? A construcao de mundo é invejável e o que é dito não soa de forma pedante e didática.
É uma obra que tem que ser mais conhecida, urgente.
Did you find this review helpful? Yes No
Olá João,
Muito obrigada pelo feedback!