Elliot Alderson - kill-process.inc

Mr. Robot, terceira temporada em análise

Numa temporada que se recusou a tirar o pé do acelerador, Sam Esmail desenhou um recomeço e provou que se pode sentar na mesma mesa que Vince Gilligan e David Simon. Eis Mr. Robot, a melhor série de 2017.

Capucho colocado e mãos nos bolsos, vamos lá a isto. Metafórico. Ok, esqueçam a parte das mãos nos bolsos porque este artigo não se escreve sozinho. Quebrado o gelo e ganha alguma intimidade, permitam-me ser a voz dentro das vossas cabeças nos próximos minutos.

E se vos dissesse que “Mr. Robot” foi a melhor série em 2017? O drama do USA, transmitido em Portugal no TV Séries, confirmou que Sam Esmail se pode sentar na mesma mesa que Vince Gilligan ou David Simon. Assumindo-se como verdadeira locomotiva de adrenalina, entretenimento, ação e nostalgia, apresentou um nível altíssimo e uma regularidade de episódio para episódio como mais nenhum produto televisivo exibiu no último ano. Porque “Mr. Robot” sabe que todos os instantes e todos os planos são importantes e têm algo a dizer.

Mr. Robot - Darlene
Darlene – runtime-error.r00

Depois de uma temporada de estreia auspiciosa em 2015 – que valeu um globo de ouro (uma cerimónia habituada a valorizar novidades) de melhor série dramática e um Emmy para Rami Malek no ano seguinte -, a segunda temporada afastou alguns fãs. Subvalorizada (é um crime a audiência norte-americana de “Mr. Robot” ser mais de 10 vezes inferior à de “Game of Thrones”) pela maioria, não há série que se equipare na hora de mimar os verdadeiros fãs. Uma ligação verbalizada pela frequente quebra da quarta parede de Elliot Alderson (Rami Malek), que tem sequência nos diversos implantes que Esmail e a sua equipa se preocupam em incluir. Verdadeiras caças ao tesouro e prémios para os mais atentos, que só valorizam o pós-episódio nesta era digital. Curioso uma série que usa e abusa de um mecanismo habitualmente associado a exposição desmedida (a voz-off) ser ainda assim aquela que mais respeita e desafia a audiência.

Tyrell vivo e não-imaginário. A fase 2 em início. Elliot em sangue, Darlene detida e Angela a revelar-se um verdadeiro quebra-cabeças para qualquer espectador. Assim ficámos depois de uma segunda temporada que não resistiu a repetir-se ilusionista, e que não terá encontrado o melhor equilíbrio entre perguntas e respostas. Mas tudo o que a temporada anterior teve de menos bom, esta resolve. Justifica. E não deixa margem para pontas soltas.

Desta vez, a jornada inicia-se com Irving (o super-reforço Bobby Cannavale), e o primeiro episódio, obscuro, lança a viagem, uma saborosa anarquia. Com o requinte da “Whistling Away the Dark” de Julie Andrews a antecipar monólogos de ativismo político e a perceção do poder da outrora peã Angela (Portia Doubleday). Sem esquecer um simples cobrir da cabeça com um capuz que sabe a oficial ponto de partida. Um super-herói do século XXI, sem máscaras ou capas, só com um hoodie. O seu. O nosso.

Mr. Robot - Leon
Leon – frederick+tanya.chk

O melhor prenúncio do brutal nível de MR3 é o segundo episódio (_undo.gz) que é, em boa verdade, uma espécie de segundo piloto para a série. Pela forma como pisa cenários e momentos que nos atiram com saudade para _hellofriend.mov. Esmail vinca aí, como já fizera com Shayla, o invulgar dom da série em matar personagens sem qualquer pista prévia, deixa Whiterose emergir como verdadeiro antagonista (don’t mistake my generosity for generosity) e funde Elliot e Mr. Robot como nunca antes.

Segue-se uma compensação para todos aqueles que desesperaram por Tyrell (Martin Wallström) na temporada anterior. Um episódio só para ele, que homenageia “Shining” e preenche um vazio narrativo. Numa temporada que se recusa a retirar o pé do acelerador, _legacy.so é um fragmento necessário à margem do corpo principal, algo que em certa medida volta a acontecer no oitavo _dont-delete-me.ko. E depois do episódio menos poderoso desta dezena, maioritariamente dedicado a Darlene, “Mr. Robot” não pára mais.

Angela Elliot
Angela – runtime-error.r00

Literalmente. Porque _runtime-err0r.r00, já considerado pretensioso por parte da crítica, ousa oferecer-nos um episódio inteirinho em plano-sequência. Percebe-se onde estão presentes alguns cortes, bem editados, mas é impossível não enaltecer a ambição de Esmail em fazer o que Hitchcock, Sokurov, Iñárritu ou Schipper já fizeram. E não, não é show-off, é sim um inteligente recurso para nos fazer viver um episódio caótico passado num só edifício que, primeiro com Elliot e depois com Angela, só nos deixa respirar no último segundo quando estes se reencontram.

Se dúvidas houvessem, o sexto _kill-pr0cess.inc – melhor episódio de 2017? – trata de deixar bem claro que nenhuma série da atualidade se compara a “Mr. Robot” a nível de edição/ montagem e fotografia. Ritmo é a palavra-chave. A sério, aquela sequência final ao seguir Elliot com Mr. Robot, Dom com Tyrell e Darlene com Angela, não é deste mundo. Com o mérito de apresentar uma aparente vitória (we did it), seguida de uma abismal e dolorosa derrota.

Mr. Robot - Irving
Irving – shutdown -r

Uma mãe a pedir à filha que acredite, um pouco de babysitting que serve como auto-ajuda, revelações à Star Wars, a substituição de um funcionário com um machado cravado no peito, aquele clímax vivido num estábulo e o regresso de um bravo viajante na cena pós-créditos são alguns dos momentos altos numa temporada que atingiu a perfeição ao dividir o ecrã a vermelho e preto, deixando Elliot e Angela recordar o passado separados por uma porta.

A série brilha na interligação da tríade fsociety, E-Corp e Dark Army. Três fações diferentes, causais e consequentes umas das outras em dinâmicas ímpares. Podemos atribuir Elliot e Darlene, Angela e Tyrell, e Leon (Joey Bada$$ é infinitamente cool, sobretudo quando surge ao volante acompanhado pelo tema de “Knight Rider”) e Irving a cada um destes grupos, e perceber como estamos, em certa medida, a torcer por forças contrárias. Mérito dos atores e da construção de personagens.

Mais do que qualquer coisa, a terceira temporada de “Mr. Robot” traduz-se em maturidade. Porque é cada vez mais “Mr. Robot” e menos “Clube de Combate”. Explora o terrorismo, diz o que tem a dizer sobre Donald Trump (veremos como Esmail se desembaraça do precedente que abriu), e exprime a consciencialização do erro, o arrependimento de uma revolução ingénua.

Mr. Robot - delete-me
dont-delete-me.ko

Com M83, Philip Glass, Elliott Smith ou Mogwai a acompanharem a banda sonora original de Mac Quayle, e Sam Esmail a realizar os dez episódios, depois de duas temporadas de revolta, luta e confronto, Elliot e Mr. Robot estão lado a lado. Há paz interior. Colaboração. Daí a sensação de que a série está a recomeçar, ao desmascarar o 1% do 1% e proporcionar catarse num simples premir de uma tecla.

Mantendo-se, qual equilibrista, entre a ficção e a realidade, entre ter uma componente sci-fi e não ter, “Mr. Robot” começa a ganhar estatuto de lenda urbana e a poder ser considerada uma das melhores séries de sempre. As próximas duas ou três temporadas (mesmo com baixos ratings, o USA não irá riscar a série que colocou o canal no mapa) tratarão de fazer de Elliot Alderson, de capucho colocado e mãos nos bolsos, perdido em si próprio, um dos heróis e vozes inspiradoras desta geração.

TRAILER | “MR. ROBOT”

O que pensas da terceira temporada de “Mr. Robot”? Se por acaso foste um dos vários fãs que abandonou a série do USA temporada passada, aconselhamos-te vivamente a voltar a confiar em Elliot Alderson.

Mr. Robot - Temporada 3
Mr. Robot poster

Name: Mr. Robot

Description: Elliot tenta anular o ataque de 9/ 5 e corrigir as suas consequências.

  • Miguel Pontares - 95
95

CONCLUSÃO

O MELHOR – Nenhuma série de 2017 apresentou tamanha regularidade do primeiro ao último episódio. “Mr. Robot” recusou-se a tirar o pé do acelerador e ofereceu-nos uma verdadeira locomotiva de adrenalina, ação, entretenimento e nostalgia. Os episódios _kill-pr0cess.inc, shutdown -r e _runtime-err0r.r00 são geniais, Bobby Cannavale foi um reforço de peso e a interligação do triângulo fsociety, E-Corp e Dark Army revela a boa construção de personagens.

O PIOR – A necessidade de Sam Esmail incorporar na série a sua opinião pessoal sobre o atual momento político norte-americano pode ser uma bota difícil de descalçar.

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