Shot Caller – Sobreviver a Todo o Custo, em análise
Numa clássica jornada de transformação, metamorfose condicionada pela violência e sobrevivência, “Shot Caller” nunca consegue ser verdadeiramente o estudo da natureza humana a que se propõe. Mas fica uma garantia: haverá vida para Nikolaj Coster-Waldau depois de Jaime Lannister.
Transformação. Parte do gozo de seguir uma personagem ao longo de um filme ou de uma série é assistir a uma metamorfose. O homem cinzento que acorda para o mundo que o rodeia (Lester Burham em “Beleza Americana”). Ou uma volta de quase 180 graus. Numa trajetória de redenção (Derek Vinyard em “América Proibida) ou rumo à tragédia (Travis Bickle em “Taxi Driver”). Assistir ao desenvolvimento de um arco nem sempre implica uma adulteração moral ou uma grande mudança. Mas é difícil não mencionar pesos pesados como Michael Corleone ou Walter White quando se pensa em gigantescas revoluções de identidade.
Curiosamente, no atual panorama televisivo, Nikolaj Coster-Waldau interpreta aquela que é muito provavelmente a personagem mais rica de “Game of Thrones”. Jaime Lannister é o exemplo perfeito de como o tempo e um conjunto de decisões podem modificar e salvar a nossa perceção de alguém. Mal podemos esperar por ver o encerrar da sua jornada.
Coster-Waldau é o protagonista de “Shot Caller”, um filme cujo tema central é a transformação. Total perversão identitária. Um homem de família que passa a ter no gangue os seus irmãos. Mas Jacob (Nikolaj Coster-Waldau) ou “Money” como é posteriormente chamado não tem aquilo que Lannister, Walter White ou mesmo Corleone tiveram. Tempo.
Neste filme realizado e escrito por Ric Roman Waugh (fascinado por certo pelo ambiente prisional, uma vez que já criara “Felon, Condenado” e “Snitch – Infiltrado), Jacob Harlon é um homem como outro qualquer. Até ao dia em que uma desatenção gera uma morte, que o atira para a cadeia. Embora em termos estruturais, “Shot Caller” não siga uma linha temporal uniforme, optando por conjugar o derradeiro golpe de Money com a sua evolução atrás das grades, todo o filme parte de um princípio. Adaptar para sobreviver. Matar ou ser morto. E não se fica por aí, levando mesmo Money ao topo da cadeia alimentar entre os seus pares, incapaz depois de abandonar o seu novo habitat.
Há temas relativamente recorrentes em histórias de ficção prisionais. Entre os casos de maior sucesso temos a fuga (“Os Condenados de Shawshank”). As últimas horas antes da aplicação da pena de morte (“À Espera de um Milagre” e “Inocente ou Culpado?”). A adaptação ao mundo no pós-prisão (“Rectify”). E finalmente a lógica de desconstrução de como o sistema prisional pode salvar quem não parece ter salvação (“América Proibida”) ou corromper para sempre alguém inocente (“The Night Of”). A recente série da HBO, com Riz Ahmed e John Turturro, será porventura o caso mais próximo de “Shot Caller”. E a diferença entre o sucesso e o falhanço passou apenas e só pela escolha do formato certo para contar a história. Reflexo de um comentário superior ao sistema de justiça e prisional norte-americano.
“Shot Caller” é, acima de tudo, uma oportunidade perdida. É decente quando poderia na realidade estar entre os grandes, possivelmente num formato de série ou mini-série.
No seu âmago está o velho e eficaz recurso do homem que quer proteger a família. Mas seja pela sequência que assume ou pela rapidez com que tudo se desenvolve, impede-nos de “sentir” tanto cada decisão. E transmite muito melhor a vergonha de um pai, que perde qualquer medo no olhar até à hora de encarar o filho olhos nos olhos ao fim de anos, do que a ideia de sacrifício por um objetivo nobre.
E o mais frustrante é que quase todos os elementos batem certo. Pelo menos a nível de casting. A banda sonora de Antonio Pinto é boa, o plano de fecho é poderoso, e as sequências de bruta violência são intensas e credíveis. Ainda assim, a principal força do filme é mesmo o elenco. Jon Bernthal (belo 2017 com “Wind River”, “Baby Driver – Alta Velocidade” e “The Punisher” estreia no próximo dia 17) está ao nível a que nos tem habituado, incorporando na medida certa a masculinidade e dureza de “Shot Caller”. Emory Cohen (lembram-se dele em “Brooklyn”?) é um destaque silencioso como acólito do protagonista. E há ainda Jeffrey Donovan em bom plano, Lake Bell, Omari Hardwick e Holt McCallany.
E, claro, Nikolaj Coster-Waldau. Se alguém tinha dúvidas sobre a capacidade do ator dinamarquês construir uma carreira sólida depois de “Game of Thrones”, a sua transformação – física, moral, ética – chega e sobra para convencer qualquer um.
Numa leitura global, não deixa de ser curioso o filme resultar melhor dentro da prisão, ambiente que parece o ecossistema preferido do realizador Ric Roman Waugh, tornando-se menos concreto quando em liberdade.
“Shot Caller” nunca consegue ser verdadeiramente o estudo da natureza humana a que se propõe. Está longe de ser um filme mau, mas desperdiça uma grande fatia do seu potencial. A rapidez com que tudo acontece, especialmente para quem há pouco tempo assistiu a um processo similar com Naz Khan (Riz Ahmed em “The Night Of”), tem um sabor menos realista. Dói menos a evolução. Porém, é sinal evidente de que algo correu bem quando o filme nos faz desejar que, em vez de acompanhar a jornada de Jacob durante duas horas, o pudéssemos fazer durante semanas ou anos.
Trailer | A transformação de Nikolaj Coster-Waldau em “Shot Caller”
Achas que “Shot Caller” resultaria melhor num formato diferente? Gostaste do papel do dinamarquês Nikolaj Coster-Waldau?
Shot Caller - Sobreviver a Todo o Custo
Movie title: Shot Caller - Sobreviver a Todo o Custo
Movie description: Jacob Harlon é um homem de família bem-sucedido. Mas nada voltará a ser igual depois de um acidente que o encarcera numa prisão de alta segurança, cercado por violentos criminosos.
Director(s): Ric Roman Waugh
Actor(s): Nikolaj Coster-Waldau, Jon Bernthal, Lake Bell, Emory Cohen
Genre: Crime, Drama, Thriller
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Miguel Pontares - 67
CONCLUSÃO
“Shot Caller” explora bem a metamorfose condicionada por um ambiente violento em que a sobrevivência é a prioridade. A rapidez com que tudo acontece confere um sabor menos realista, doendo menos a evolução.
O MELHOR: O trabalho de Nikolaj Coster-Waldau é irrepreensível e magnético. As sequências de bruta violência são intensas e credíveis, e vários atores secundários (Bernthal, Donovan, Cohen) usam bem o tempo que têm.
O PIOR: É uma oportunidade perdida, potencial desperdiçado. Uma longa-metragem de duas horas parece o formato errado para a história que Ric Roman Waugh queria contar.
Overall
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Obrigado por compartilhar seu blog, gostei muito do seu ponto de vista. Abraços