Depois da sua estreia mundial na Semana da Crítica do Festival de Cannes 2018, chega finalmente às salas ‘Mulher em Guerra’, um filme inquietante e ao mesmo tempo divertido do realizador islandês Benedikt Erlingsson, novamente centrado nas questões da natureza.
O actor e realizador Benedikt Erlingsson já nos tinha surpreendido com o seu filme anterior ‘Of Horses and Men’ (2013), que na sua essência procurava a harmonia da relação da natureza com o homem e que mostrava a Islândia, como um país que ainda permanece uma exclusiva reserva natural, que vive em parte dos recursos dessa paisagem inóspita de uma enorme beleza telúrica.
No entanto, em ‘Mulher em Guerra’ esta ideia de preservação do ambiente parece estar ameaçada por interesses políticos e financeiros. Por isso, Halla (Halldóra Geirharðsdóttir) está decidida a salvaguardar o carácter natural da ilha, defendendo-a contra as grandes empresas energéticas e industrias de exploração e fundição de metais, que ameaçam o equilíbrio do ecossistema. Essa mulher solteira e independente, directora de um coro em Reiquejavique, vai alternado a sua actividade profissional, com uma série de acções clandestinas de sabotagem ecológica, contra os projectos industriais do governo de defesa dos grandes interesses industriais e corporativos.
Contudo, uma inesperada notícia vai ‘atrapalhar’ a missão dessa guerrilheira ecológica, que o governo e os media chamam de ‘mulher da montanha’: quatro anos depois de ter feito um pedido de adopção de uma criança, a assistência social revela a Halla que uma menina órfã, vítima da guerra espera-a na Ucrânia. Apoiada pela sua irmã gémea (interpretadatambém por Geirharosdóttir) e um ‘presumível primo’, dono de uma quinta no interior, Halla continua insistentemente com as suas actividades clandestinas. Mas as coisas vão complicar-se: as novas tecnologias de investigação (dispositivos e equipamentos como os drones, as provas de ADN e os helicópteros da polícia, que a sobrevoam) começam a cercá-la complicando as suas acções de sabotagem. A natureza, com as suas irregularidades no terreno, as suas fendas e esconderijos naturais, as ovelhas e águas termais, vão protegendo-a de ser descoberta. Por outro lado, confronta-se com o conflito interior, um desejo maternal e a sua missão de guerra e de defesa da Terra-Mãe. É neste contexto, que a natureza montanhosa e telúrica da Islândia que defende Halla de ser descoberta se revela surreal e com referências no realismo fantástico: os testemunhos permanentes da banda de três músicos — tuba, acordeão ou teclados e percussão — ou um trio de cantoras ucranianas, personagens que o espectador vê mas Halla não, que a acompanham sempre em segundo plano, quase como um coro grego do drama. Os músicos vão compondo uma banda sonora diegética, combinando assim um dispositivo narrativo muito criativo e original; e depois há a divertida personagem do ciclo-turista latino-americano de camiseta ‘guevarista’, que se torna várias vezes durante o filme no homem errado, no lugar errado, ao passear sempre perto do lugar das sabotagens. As equivocadas intervenções da policia islandesa, com esta figura acabam por dar uma amarga nota cómica ao filme.
O talento de Erlingsson e um das melhores coisas do seu filme ‘Mulher em Guerra’ é o realizador não se cingir apenas um género particular de cinema: o filme oscila entre o thriller, drama familiar e a comédia. Contado do ponto de vista da personagem de Halla (desdobrada na gémea), ‘Mulher em Guerra’, não faz qualquer questionamento ou expressa opiniões sobre a justeza ou não das suas acções de sabotagem. São feitosapenas alguns comentários dos seus vizinhos e dos noticiários da televisão, que se sentem ameaçados e vêm as suas liberdades restringidas, por uma incessante e turbulenta caça à famosa ‘mulher da montanha’. Não é difícil, mas a fotografia de Bergsteinn Björgúlfsson deslumbra-nos com as esplêndidas paisagens nuas, geladas e rochosas e os magníficos céus boreais da Islândia, alertando para as dramáticas consequências dessas ameaças industrias, contra o futuro desse ecossistema único no mundo.
JVM
Mulher em Guerra, em análise
Movie title: Mulher em Guerra
Date published: 28 de November de 2019
Director(s): Benedikt Erlingsson
Actor(s): Halldóra Geirharðsdóttir, Davíð Þór Jónsson, Magnús Trygvason Eliassen e Omar Gudjonsson
Genre: Drama, Thriller , Comédia, Islândia, França e Ucrânia, 2018, 101 minutos
José Vieira Mendes - 80
80
CONCLUSÃO
‘Mulher em Guerra’ é um filme belíssimo, com ideias muito criativas e originais na abordagem ambientalista, que nos revela uma mulher decidida na luta contra as alterações climáticas, na defesa Mãe Terra, com uma mensagem largamente divulgada e actual, mas que mostra igualmente o seu desejo individual de maternidade.
O MELHOR: O desdobramento interpretativo da actriz Halldóra Geirharðsdóttir, que é uma figura tão luminosa que transborda do ecrã.
O PIOR: Talvez a nota cómica de uma polícia islandesa que não pode ser tão incompetente e equivocada como mostra o filme.
Jornalista, crítico de cinema e programador. Licenciado em Comunicação Social, e pós-graduado em Produção de Televisão, pelo Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa. É actualmente Editor da Magazine.HD (www.magazine-hd.com). Foi Director da ‘Premiere’ (1999 a 2010). Colaborou no blog ‘Imagens de Fundo’, do Final Cut/Visão JL , no Jornal de Letras e na Visão. Foi apresentador das ‘Noites de Cinema’, na RTP Memória e comentador no Bom Dia Portugal, da RTP1. Realizou os documentários: ‘Gerações Curtas!?’ (2012); ‘Ó Pai O Que É a Crise?’ (2012); ‘as memórias não se apagam’ (2014) e 'Mar Urbano Lisboa (2019). Foi programador do ciclo ‘Pontes para Istambul’ (2010),‘Turkey: The Missing Star Lisbon’ (2012), Mostras de Cinema da América Latina (2010 e 2011), 'Vamos fazer Rir a Europa', (2014), Mostra de Cinema Dominicano, (2014) e Cine Atlântico, Terceira, Açores desde 2016, até actualidade. Foi Director de Programação do Cine’Eco—Festival de Cinema Ambiental da Serra da Estrela de 2012 a 2019. É membro da FIPRESCI.