“After the Hunt”, thriller psicológico com Julia Roberts. | © 2025 Amazon Content Services LLC. All Rights Reserved.

Depois da Caçada – Análise

Em “Depois da Caçada”, o italiano Luca Guadagnino deixa os corpos e os ossos para trás e filma o desconforto da culpa. Julia Roberts regressa sem o sorriso de “Pretty Woman”, numa das suas melhores performances em décadas.

Há regressos que não precisam de passadeira vermelha, mesmo depois de terem passado (fora da competição) pela do último Festival de Veneza. “Depois da Caçada” é um bom retorno de Julia Roberts, sem batom, sem vestido vermelho, sem gargalhada de catálogo e sem a angústia da finitude da mãe de família no apocalíptico “Deixar o Mundo Para Trás” (2023).

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Aqui, a atriz é Alma Olsson, professora de filosofia em Yale, casada com um psicanalista e com a vida toda no lugar, até que um escândalo sexual entre colegas faz desabar o castelo moral da academia, obrigando-a a olhar para o seu próprio passado.

A universidade como campo de batalha

Depois da Caçada
Julia Roberts é Alma Olsson é uma personagem feita de dilemas. © 2025 Amazon Content Services LLC. All Rights Reserved.

Luca Guadagnino, o cineasta que já filmou o desejo (“Chama-me Pelo Teu Nome”), o horror ritual (“Suspiria”) e o canibalismo emocional (“Ossos e Tudo”), troca o sangue por silêncios em “Depois da Caçada”. E filma este thriller universitário como uma ópera em câmara fechada, onde cada frase é uma espécie de golpe e cada pausa é uma faca afiada.

O detonador é simples: uma aluna brilhante (Ayo Edebiri, em registo surpreendentemente contido) acusa um professor carismático (Andrew Garfield, escorregadio e magnético) de má conduta. Alma, a professora que todos admiram, vê-se obrigada a escolher um lado e descobre que não há inocentes quando o poder e o desejo se misturam.

Guadagnino em modo bisturi

Há realizadores que filmam o caos. Guadagnino filma a tensão antes do caos. A universidade é aqui em “Depois da Caçada” um microcosmo onde a moral serve de arma e a reputação vale mais do que a verdade. Entre corredores sombrios, bibliotecas que parecem igrejas e reuniões filmadas como interrogatórios, o realizador cria um ambiente de claustrofobia intelectual e de terror da civilidade a rebentar pelas costuras. O italiano convertido a Hollywood tem efectivamente um prazer visível em filmar o desconforto.

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Porém, “Depois da Caçada” é aparentemente o seu filme mais contido e talvez o mais cruel de todos: o poder está sempre em disputa, e ninguém — nem a vítima, nem o agressor, nem a testemunha — sai moralmente ileso.

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Julia Roberts, atriz de corpo inteiro

Depois da Caçada
“After the Hunt”, de Luca Guadagnino, com Julia Roberts e Andrew Garfield. © 2025 Amazon Content Services LLC. All Rights Reserved.

Há décadas que Julia Roberts vive entre o rótulo da ‘namoradinha da América’ e a sombra de si própria. Guadagnino oferece-lhe em “Depois da Caçada”, uma personagem que destrói ambas. Alma Olsson é uma mulher feita de ambiguidade e cansaço. Há culpas que ela carrega no olhar, e silêncios que soam mais altos do que gritos. Roberts está sublime, envelhecida é verdade, mais mais contida, elegante e brutal. Uma atriz que já não precisa de agradar a ninguém.

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A cena em que enfrenta o marido (Michael Stuhlbarg, num papel minuciosamente venenoso) é uma das mais intensas do cinema de 2025. Ayo Edebiri, a jovem estrela saída da série “The Bear”, confirma o talento em modo dramático puro. E Andrew Garfield em “Depois da Caçada” compõe um professor tão encantador quanto predador, uma figura perfeita para a ambiguidade moral que Guadagnino adora explorar.

Entre o tribunal e a confissão

O argumento, de Nora Garrett, é uma espécie de bomba-relógio emocional. Em vez de escolher lados, expõe todos os ângulos do poder: a culpa, a manipulação, o medo da exposição e o gozo de ver os outros cair. Guadagnino não quer julgar,  quer antes pôr o espectador no lugar desconfortável de quem não sabe em quem acreditar. “Depois da Caçada” é menos sobre o escândalo em si e mais sobre o que ele revela: a hipocrisia institucional, o peso do passado, a solidão das mulheres que envelhecem num sistema que as venera até deixarem de ser desejáveis.

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JVM

Depois da Caçada — Análise
  • José Vieira Mendes - 75

Conclusão:

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“Depois da Caçada” é um filme sobre o preço do silêncio. Luca Guadagnino prova que o verdadeiro horror não está nas criaturas sobrenaturais, mas nas instituições que fingem pureza. Julia Roberts volta a ser atriz — daquelas que respiram o desconforto — e Guadagnino, mesmo fora de competição do Lido, proporcionou-nos um dos filmes mais falados (e mais feridos) do Festival de Veneza 2025. Um thriller cerebral, elegante e cruel, daqueles que nos lembram que o poder, tal como o desejo, raramente é inocente.

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O melhor: Julia Roberts em modo renascimento, contida, cerebral e devastadora; Luca Guadagnino a trocar o erotismo pelo desconforto moral, sem perder o estilo; a tensão constante entre o poder e a verdade.

Cons

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O pior: Algumas metáforas visuais demasiado sublinhadas (sim, as sombras nos corredores já percebemos); um último ato que hesita entre o melodrama e a tragédia filosófica.


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