DocLisboa ’25 | Welcome to Lynchland – Análise
David Lynch, um dos cineastas mais influentes da história do cinema, deixou-nos em 2025 aos 78 anos. Para trás fica um dos mais impactantes legados cinematográficos, apesar da brevidade da sua filmografia. “Welcome to Lynchland”, na programação do DocLisboa, procura tanto compreender o seu génio e enigma quanto homenagear esta figura incomparável.
Descodificar David Lynch com Welcome to Lynchland
“Welcome to Lynchland” tenta compreender o enigma de David Lynch ao longo de pouco mais de uma hora. Será tal possível? Não será um esforço vão tentar trocar por miúdos o seu génio criativo? Em parte sim, consideramos que uma resposta inequívoca nunca virá. Por isso, ficamo-nos pela homenagem.
“Um enigma a decifrar, na fronteira entre os sonhos e a realidade”
Neste filme, o realizador e músico francês Stéphane Ghez explora aquele que identifica como um “artista fascinado pelas profundezas mais perversas da alma humana”. Entre o sonho, a realidade e a representação dos seus medos mais profundos, David Lynch foi um dos artistas mais corajosos da sua geração e de todas as outras.
Curiosamente, para uma obra que explora um símbolo do absurdo, bizarro e inteligível, “Welcome to Lynchland” é um documentário muito linear. Explora a obra de David Lynch em ordem cronológica, do seu período experimental pré “Eraserhead” até aos capítulos mais recentes de “Twin Peaks”.
A própria estrutura do documentário é bastante regular, oscilando entre imagens dos filmes e das séries de “Twin Peaks”, intercalando estes momentos com entrevistas recentes dos colaboradores mais recorrentes de Lynch e com imagens de arquivo do próprio cineasta.
Numa paisagem já repleta de outros documentários sobre este génio do cinema, “Welcome to Lynchland” não se destaca em nenhum campo e será de certo uma desilusão para fãs mais acérrimos de Lynch. Todavia, é uma introdução capaz para quem desconhecer o seu mundo.
De Eraserhead a Twin Peaks no DocLisboa

“Welcome to Lynchland” preocupa-se não só com o retrato completo da filmografia de Lynch, mas também com a sua atração pela representação da falência do sonho americano e do sonho de Hollywood. Com acesso às vozes, faces e opiniões dos mais regulares colaboradores de David Lynch, como Kyle MacLachlan, Laura Dern e Isabella Rossellini, entre outros, o filme consegue criar um retrato bastante completo do trabalho deste cineasta único. Isto embora não acrescente muito aos filmes sobre o realizador lançados no passado.
Além disso, as inspirações de Lynch são também identificadas e associadas às mais diversas obras, como nomeadamente as pinturas de Francis Bacon, cujo imaginário ocupa (e bem) as representações fílmicas de Lynch. Entramos em profundo naquela que foi a “art life” plena de David Lynch, que inicialmente se via como pintor antes de começar a desejar dar vida às suas telas, que inicialmente não eram senão “pinturas animadas”.
Inventividade e espírito de criação de David Lynch
Depois de uma incursão interessante nos seus primórdios, somos apresentados ao universo de “Eraserhead”, um projeto DIY que partiu dos estudos universitários de cinema levados a cabo por Lynch. Aqui, o seu espírito inventivo esteve mais alto do que nunca. Inclusive, a própria decoração do seu primeiro filme foi feita à mão pelo cineasta.

No capítulo 1 do filme, “No Inferno de Hollywood”, exploramos os dois primeiros filmes encomendados na filmografia de Lynch. Foram eles “Elephant Man” e “Dune”, um triunfo e uma derrota completa.
David Lynch descreveu “Dune” como uma experiência terrível, o seu “Waterloo” e o produtor do filme, curiosamente e dando robustez a todas estas histórias, admite, em câmara, que o filme foi destruído na sala de montagem com o corte de uma hora inteira de material.
Carta branca em Hollywood com Blue Velvet (1986), Wild at Heart (1990) e Twin Peaks (1990)
Já em “Blue Velvet”, David Lynch teve carta branca e assim criou uma das suas obras de maior sucesso. E, passado muito pouco tempo, eis que vieram “Wild at Heart”, onde os mitos de Hollywood ganham corpo, filme premiado em Cannes com a Palma; e ainda a série de “Twin Peaks”, uma das mais transformadoras em toda a história da televisão.

Com o violento e temperamental “Wild at Heart”, um filme profundamente divisivo, David Lynch antecipou uma nova onda no cinema norte-americano que se viria a manifestar, nomeadamente, no trabalho dos irmãos Coen e de Tarantino, como o filme identifica astutamente.
David Lynch e o seu pesadelo americano no DocLisboa
Uma fase bem distinta da carreira do cineasta é também explorada em “Welcome to Lynchland”: o seu afastamento dramático de Hollywood. Mais precisamente, o terceiro ato do filme assume o título “Um Pesadelo Americano” e aqui vemos o cineasta a aproximar-se mais do continente europeu e dos seus financiamentos. Um exemplo fulcral é o filme de “Twin Peaks” – “Fire Walk With Me“, lançado no ano de 1992.
Fragmentação da narrativa, uma trilogia e o adeus na televisão
A partir daqui, nesta viagem cronológica, assistimos a um Lynch com uma narrativa muito mais fragmentada. “Lost Highway” (1997), Mullholland Drive (2001) e por fim a sua última longa-metragem “Inland Empire” (2006) fecham um arco e funcionam como uma trilogia informal que explora a falta de fé em Hollywood, na sua fábrica de sonhos e nas mentiras comportadas pela mesma. O sonho vê-se corrompido e assim é representado.

“Inland Empire” (2006) esteve múltiplos anos em produção, foi um filme muito mais experimental e que mostrava a vontade forte de Lynch no sentido de voltar aos tempos de “Eraserhead”. Assim é recapitulada a sua carrreira em “Welcome to Lynchland”.
E claro, no final, após “Inland Empire“, fala-se do regresso a “Twin Peaks”, exatamente 25 anos depois, tal e qual como havia sido anunciado na própria série.
Depois disto, Lynch encontrou sempre novas e empolgantes formas de expressar a sua arte, nomeadamente criando centenas de litografias e sonhando em vários formatos. “Welcome to Lynchland” é uma visão plena mas simples da vida e obra de David Lynch, mas que vence pelo facto de os atores mais associados ao criador estarem todos presentes no filme, e não como acontece em muitos documentários biográficos, acessíveis apenas através de material de arquivo.
Kyle MacLachlan e Laura Dern são particularmente participativos e ajudam a fomentar o legado de Lynch neste pequeno mas respeitoso filme.
Quanto ao DocLisboa, estará de regresso à capital portuguesa em 2026 entre os dias 15 e 25 de outubro.
Welcome to Lynchland - Análise
Conclusão
- “Welcome to Lynchland” tenta compreender o enigma de David Lynch e honrar o seu trabalho. Nem sempre consegue, mas não deixa de se apresentar como uma recapitulação valorosa neste DocLisboa.

